Nota: a matéria abaixo se refere a parte dos indígenas da Aldeia Maracanã, que aceitou a proposta do governo estadual e se retirou por uma lateral do muro do prédio, bem antes de ter início o confronto da tropa de choque com o grupo que decidiu ficar, quando foram usados balas de borracha, spray pimenta e bombas de gás. É este segundo segundo grupo o que continua a lutar até hoje pela reconquista do prédio do antigo Museu do Índio e pela Aldeia Maracanã. (Tania Pacheco).
Vladimir Platonow, Agência Brasil
Rio de Janeiro – Os índios de diversas etnias que foram expulsos da Aldeia Maracanã, que funcionava no antigo prédio do Museu do Índio, vivem momento de expectativa no lugar para onde foram levados, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Alojados em contêineres, embaixo de uma lona plástica, eles tentam reproduzir no terreno a vida de uma aldeia urbana.
Embora o governo do estado tenha garantido enviar suprimentos básicos, eles reclamam que são poucas as pessoas que vão até o local, a cerca de 30 quilômetros do centro, para conhecer sua cultura e comprar o artesanato que produzem, sua principal fonte de renda.
Para o líder indígena Affonso Apurinã, a situação provisória é considerada muito difícil. “Estamos neste lugar, dentro de contêineres, como se fôssemos mercadoria. Falta melhorar muito. Queremos ver o nosso espaço. Espero que o governo decida logo qual empresa vai começar as obras”, disse Apurinã.
No local para onde os índios foram levados funcionou uma colônia de hansenianos. No terreno prometido pelo governo do estado eles pretendem construir ocas de apresentação e de cura, além de uma loja para venda de artesanato, uma cozinha comunitária e um alojamento para até 20 índios que estejam de passagem pela cidade.
Enquanto aguarda a definição da obra, Apurinã reclama das condições em que vivem os 18 índios retirados da Aldeia Maracanã. “Espero que o provisório não vire permanente. Não dá para a gente ficar a vida inteira nesses contêineres. É complicado, sem espaço, abafado. Agora o clima está bom, mas quando chegar o verão, vai ser difícil”, disse o líder.
Nos dias que antecederam a desocupação do antido Museu do Índio, o governo do estado chegou a oferecer um espaço no Parque da Quinta da Boa Vista, onde hoje está um presídio que será demolido. Apurinã reconhece que o local é melhor, mais centralizado, mas a incerteza de quanto tempo levaria para demolir o presídio fez os índios preferirem pela área em Jacarepaguá.
Na nova aldeia improvisada, montada em uma quadra de esportes, os índios passam o dia fazendo peças de artesanato para vender, a única fonte de renda que têm. Apesar de, à primeira vista parecerem despreparados politicamente, basta uma conversa para constatar o grau de conscientização deles.
Um exemplo é Vangri Kaingang, que enquan to falava com a Agência Brasil lustrava um colar feito de sementes vermelhas. Formada em Ciências Biológicas, ela veio do Rio Grande do Sul há quatro anos e atualmente é escritora e educadora bilíngue.
“O pessoal tem que ser preparado. Não adianta chegar em uma assembleia [legislativa] e não saber o que reivindicar, na frente de um deputado, de um vereador, de um ministro. Não adianta chegar lá com um conhecimento cultural, que é um patrimônio imaterial, mas que ao mesmo tempo não te serve de nada, se não souber como utilizar as políticas públicas voltadas para os povos indígenas a teu favor”, disse Vangri.
Formada pela Universidade de Passo Fundo (RS), ela acredita que é preciso sair da aldeia para buscar conhecimento, mas sempre votar para retribuir e dividir o aprendizado. “Nós temos a obrigação de lutar pela nossa descendência de outra forma que não a dos nossos antepassados. Se hoje a arma que nos é [disponível] é o conhecimento, vamos nos apropriar dele, porque essa é a única saída que temos. Na minha função, o meu trabalho exige que eu utilize recursos como computador, telefone celular, data show. Todos esses equipamentos são uma necessidade que o índio hoje tem que dominar. Porque se ele não dominar essas tecnologias em seu favor, elas serão usadas contra”.
A apropriação do conhecimento e da tecnologia também é defendida por Dantiê Tupinambá. Ele é natural da Bahia, mas hoje vive no eixo Brasília-Rio de Janeiro, fazendo parte do movimento indígena. “A gente vai ter que usar um computador, um telefone, pegar ônibus ou carro. Não vamos fazer como nas aldeias, que a gente anda a pé. Mas isso não faz a gente perder a nossa condição de indígena. Isso é uma crítica esvaziada e preconceituosa. Nós precisamos estar preparados para viver na sociedade”, destacou Dantiê, que está estudando para entrar na universidade, com objetivo de cursar Sociologia.
Edição: Tereza Barbosa