O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, vai criar, nesta quarta-feira (17), uma comissão formada por deputados, índios e representantes do governo federal para discutir questões relacionadas aos povos indígenas.
Henrique Eduardo Alves também se comprometeu a não instalar, até o segundo semestre, a comissão especial que vai analisar a proposta de emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere para o Legislativo o poder de demarcar as terras indígenas.
Garantias
Para o deputado Amauri Teixeira (BA), que é vice-líder do PT, os líderes indígenas querem uma garantia maior sobre a não tramitação da PEC 215/00. “Temos de compreender que as lideranças indígenas desconfiam muito dos ‘brancos’ devido à história de descumprimento de acordos”, afirmou Teixeira.
Ele destacou a posição flexível do presidente Henrique Alves, de pedir aos líderes que não indicassem os integrantes da comissão especial, mas os índios querem inclusive que seja revogado o ato de criação da comissão.
Sobre isso, Amauri Teixeira disse que não há compreensão das lideranças indígenas de que o presidente da Câmara dos Deputados não tem esse poder de decidir tudo sozinho.
Ato histórico
Para o cacique, grande parte da população brasileira desconhece a realidade indígena. “Então a gente vai trazer para cá essa realidade. Vamos discutir aqui as PECs e os projetos que tramitam aqui dentro, assim como as que são propostas pelo Executivo, pelo Judiciário, e mostrar o nosso entendimento relacionado a determinadas matérias.”
O presidente da Frente Parlamentar Indigenista, deputado Padre Ton (PT-RO), avaliou de forma positiva o desfecho das negociações da Câmara com os índios. “Esse ato foi histórico, nunca se chegou a isso. O Parlamento brasileiro, através do nosso presidente, decidiu que vai ser um ponto de diálogo até com os problemas acarretados com o Executivo, como a Portaria 303, que autoriza as Forças Armadas a entrar em áreas indígenas sem consultá-los [os índios].” A portaria também estende as regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da Raposa Serra do Sol para todas as áreas indígenas do País.
O cacique Nailton Pataxó disse estar otimista quanto a um acordo que impeça a tramitação da PEC 215/00. Segundo ele, o compromisso dos líderes partidários de que a comissão especial não será instalada e, portanto, a PEC terá a tramitação congelada, atende aos apelos dos índios. Ele disse, no entanto, que quer a segurança de que a proposta será arquivada. “Não estou aqui para negociar prazos”, disse.
O líder indígena condenou a proposta. “Ela abre portas para nossos inimigos entrarem nas nossas terras, as mineradoras, madeireiras, hidrelétricas, arrendamento de pastos, e isso não queremos para a comunidade”, disse o Pataxó.
Mais cedo, o índio Marcos Apurinã também disse que a proposta de suspender a tramitação da PEC por um semestre não satisfaz as demandas dos índios. “Queremos a revogação do ato que cria a comissão especial, ainda não é um acordo viável para nós”, disse.
Ancestrais
A líder Sônia Guajajara, do Maranhão, afirmou que Henrique Eduardo Alves “nunca mais terá um sono em paz” se não tirar de pauta a PEC 215 e outras propostas que são contra os direitos indígenas. “Estamos aqui orientados por nossos ancestrais, nossos encantados, para lutar pela reivindicação e pelos direitos constitucionais”, afirmou.
As lideranças ficaram acampadas no plenário da CCJ para apoiar a sugestão do deputado Domingos Dutra (PT-MA) de cobrar uma decisão do presidente da Câmara. “Foi esta comissão que aprovou a [admissibilidade da] PEC, sugiro que só saiamos daqui quando o presidente disser que não vai instalar a comissão”, disse o parlamentar.
Henrique Alves disse que os deputados respeitam os povos indígenas, mas pediu que os líderes desses povos também respeitem o Parlamento. “A todos os povos indígenas, manifestamos o nosso respeito quanto às suas manifestações culturais. Mas quem respeita também merece respeito”, afirmou.
Alguns deputados criticaram a invasão do Plenário pelos índios nesta tarde. O deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), integrante da bancada ruralista, afirmou que a invasão promovida pelos índios abre um precedente extremamente perigoso. “Se for seguido por todos, é o fim da democracia. Nós podemos manifestar, podemos fazer tudo, mas chegar a ponto de invadir a Casa que faz as leis, o poder legítimo da população brasileira, significa que nós realmente chegamos ao fundo do poço. Esse poder precisa se afirmar. Nós não podemos deixar isso pela impunidade.”
O líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), caracterizou a invasão como “deplorável”. “É de uma truculência ímpar essa atitude. Quando a PEC os agrada, eles estão aqui para apoiar. Quando não têm interesse, eles se acham no poder de invadir o Plenário?”, questionou.
O deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) também reclamou da invasão. “É uma sequência de eventos em que os abusos ocorreram. Já tivemos o cancelamento da reunião da CCJ por conta dos índios. Precisamos de regras mais claras para permitir a entrada aqui no Congresso”, disse.
Comissão especial
Lupion defendeu a instalação imediata da comissão especial para analisar a PEC que transfere para o Legislativo o poder de homologar as terras indígenas.
A PEC 215/00 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) em março do ano passado. A fase seguinte é a análise em uma comissão especial, que foi criada na última quarta-feira (11), mas somente será instalada após os partidos indicarem seus integrantes.
O presidente da Comissão de Legislação Participativa, deputado Lincoln Portela (PR-MG), que participou das negociações com os indígenas nesta tarde, informou que o colegiado foi designado como o foro de discussão desse tema.
Íntegra da proposta:
Edição – Regina Céli Assumpção