Conflito no campo teve 54 ‘mortes anunciadas’ desde 2000

Integrantes do MST protestam contra mortes em conflitos no campo

Mariana Della Barba

Da BBC Brasil em São Paulo

Seis meses antes de ser assassinado, o líder extrativista e ativista José Claudio Ribeiro da Silva disse em uma palestra: “Eu vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito. Por isso, vivo com uma bala na cabeça a qualquer hora”.

O fato de achar que iria morrer logo não era apenas um palpite do ativista. Seu nome – assim como o de sua mulher, Maria do Espírito Santo – estava em uma lista de pessoas ameaçadas, organizada anualmente pela Comissão Pastoral da Terra, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A freira americana Dorothy Stang, morta em 2005 a mando de proprietários de terra na Amazônia, também estava na listagem da Pastoral, bem como outras 51 pessoas assassinadas nos últimos 12 anos.

Organizada pela Pastoral a pedido da BBC Brasil, essa relação traz 54 nomes de pessoas que tiveram a morte anunciada, entre líderes ambientais, indígenas, sindicais, quilombolas e assentados e defensores dos direitos humanos. Nenhuma fazia parte do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, criado somente em 2007.

A iniciativa tem uma coordenação geral diretamente ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e uma equipe técnica federal, que realiza atendimentos e monitoramentos nos Estados em que não existe o programa.

De acordo com o site da Secretaria de Direitos Humanos, ao longo de 8 anos de existência, o programa realizou 721 atendimentos e protegeu 344 pessoas. Atualmente, 299 defensores dos direitos humanos são protegidos em todo o país.

Três anos após a morte do pai, o agricultor Zé Maria Tomé, Márcia, Gabriel e Juliane ainda aguardam Justiça

Agrotóxicos e impunidade

Da lista de pessoas assassinadas que tiveram sua “morte anunciada”, a maioria estava no Pará, com 20 casos desde 2000.

Um dos mais emblemáticos é o do líder sindical Bartolomeu Morais da Silva, o”Brasília”. Em julho de 2002, a mando de grileiros, ele foi seqüestrado, torturado e assassinado com 12 tiros na cabeça na cidade onde vivia, Castelo dos Sonhos, a 700 quilômetros de Altamira, no sudoeste do Pará.

O que seria apenas mais um crime bárbaro no Estado acabou se transformando no primeiro caso na história do Pará em que um latifundiário foi condenado por ter ordenado a morte de um líder comunitário.

Mas os assassinatos no campo não são exclusividade do Pará. Outra vítima foi o agricultor José Maria Filho, conhecido como Zé Maria Tomé, que vivia em Limoeiro do Norte, no Ceará. Ele denunciava confrontos e combatia o uso indiscriminado de agrotóxicos nas plantações. Foi morto com 20 tiros em abril de 2010.

Característica comum em muitos casos listados pela Pastoral, o assassinato de José Maria está impune. No dia 21 deste mês, será organizada uma romaria para marcar os três anos da morte. A manifestação sai do local exato onde ele foi morto, próximo ao aeroporto local. Apesar de o Ministério Público ter apresentado em 2012 denúncia contra os acusados pelo crime, ainda não houve julgamento.

Para se ter uma ideia mais geral da impunidade, entre 1985 e 2010, 1.614 pessoas foram assassinadas no Brasil em conflitos no campo, segundo a Pastoral. No entanto, até 2010, apenas 91 casos haviam sido julgados.

Os executores de José Claudio e Maria do Espírito Santo foram condenados na semana passada

‘Vitória’

Diante desse cenário, o julgamento dos acusados de matar os extrativistas José Claudio e Maria do Espírito Santo, ocorrido na semana passada, foi considerado uma vitória, justamente porque a emagadora maioria dos casos não chega nem perto de ser julgado.

No entanto, o júri foi criticado defensores dos direitos humanos porque os dois executores foram condenados, enquanto o mandante foi absolvido. O casal foi assassinado em maio de 2011, por se opor a uma ocupação ilegal de terras.

O ano de 2011, o último para o qual existem informações, foi marcado justamente pelo crescimento do número de ameaças de morte, de acordo com a Pastoral. As ocorrências saltaram de 125, em 2010, para 347, em 2011, um aumento de 177,6%.

Para o advogado da Pastoral da Terra, José Batista Afonso, outro problema que leva a esse quadro é a burocracia, que prejudica a implementação do programa de proteção, sob responsabilidade do governo federal.

Líderes indígenas estão entre os principais ameaçados, segundo a Pastoral da Terra

“O programa é extremamente importante quando funciona, pois ajuda a proteger essas pessoas. Mas, em estados como o Pará, está praticamente paralisado”, diz José Batista Afonso, advogado da Pastoral da Terra.

“Veja o que aconteceu com o José Claudio e a Maria. É preciso que o governo encare esse programa como prioridade, valorizando principalmente as parcerias com os órgãos locais que investigam as ameaças e as mortes. Aqui no Pará, o governo federal não consegue fechar convênios com as instâncias estaduais, como a Defensoria Pública, afetando todo o processo.”

Questionada pela BBC, a Secretaria de Direitos Humanos do governo federal confirmou que o Pará, no momento, está sem parceria nesse sentido, mas negou que isso esteja prejudicando o programa.

“No Pará, em especial, está havendo a negociação de um novo convênio, dessa vez com o governo do Estado (e não mais com a Defensoria Pública do Estado). Estamos seguindo a legislação vigente e articulando com o Estado a reimplantação.”

Segundo a Secretaria, o sistema de defesa e proteção atende 68 pessoas no Pará. A única diferença é que vem sendo realizado por equipes técnicas federais, que estão substituindo o trabalho de uma equipe específica formada por um eventual convênio com órgãos locais.

Enviada por Ruben Siqueira para Combate Racismo Ambiental.

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