Por Aunício da Silva
Do Canal de Moçambique
MST – O Governo de Moçambique tem vindo nos últimos dois anos a propalar um novo programa de produção e comercialização agrícola, denominado “ProSavana”, a ser operacionalizado através de uma parceria tripla (entre Moçambique, Brasil e Japão), esperando-se que possam ser usados milhões de hectares de terra nas províncias do Niassa, Zambézia e Nampula, dentro do chamado “Corredor de Nacala”.
O interesse do Brasil em investir no Corredor de Nacala surge a partir da visita do ministro moçambicano da Agricultura, José Pacheco, àquele país, quando anunciou a existência de extensas áreas de terra que não estão sendo usadas, e propagandeou que em Moçambique um hectare de terra custa 15 meticais (cerca de $0.50, cinqüenta centavos do dólar americano) por ser propriedade do Estado.
O ProSavana já foi vítima de muitas críticas desde acadêmicas e organizações da Sociedade Civil e, muitas posições já foram tornadas públicas a esse propósito.
Se por um lado a implementação de projetos de agricultura intensiva podem ser à priori considerados bem-vindos a Moçambique, o Canal de Moçambique está na posse de três posicionamentos que não aconselham a implementação do ProSavana, contrariando a posição do Governo representado pelo Ministério da Agricultura em defender o contrário.
Trata-se de posicionamentos das organizações Justiça Ambiental (JA!), União Nacional dos Camponeses (UNAC) e Plataforma Provincial da Sociedade Civil de Nampula.
O ProSavana é um programa bastante ambicioso que para alguns é bom mas para outros “experts” na matéria, poderá levar a que muitas famílias, que dependem da agricultura para a sua sobrevivência, venham a perder as suas terras. O Governo moçambicano não quer admitir isso.
Reflexões vindas de fora do país acreditam numa futura colonização dos moçambicanos e, como se acredita, o projeto vai servir para que o Brasil pague as suas dívidas ao Japão no âmbito do PRODECER avaliadas em R$ 400 milhões.
Posicionamento da Plataforma da Sociedade Civil em Nampula
A Plataforma da Sociedade Civil de Nampula faz parte do setor que não vê o ProSavana com bons olhos. Entende que na implementação do ProSavana alguns aspectos devem ser respeitados, nomeadamente a garantia do cumprimento e respeito da legislação vigente. Quer que sejam respeitados e verificados os padrões de sustentabilidade das comunidades locais e que se realize uma monitoria e avaliação periódica do cumprimento dos acordos assinados entre as três partes intervenientes (Japão, Brasil e Moçambique), incluindo os acordos com os beneficiários diretos.
No seu posicionamento, a Plataforma da Sociedade Civil de Nampula levanta determinadas questões alicerçadas em três pilares, nomeadamente a sustentabilidade, a legislação e a monitoria e avaliação do programa.
Quanto à sustentabilidade, a Plataforma da Sociedade Civil de Nampula defende que as partes envolvidas, particularmente as comunidades, tenham conhecimento das vantagens e desvantagens do ProSavana; que haja participação das comunidades/vítimas; que as condições de emprego sejam dignas e permanentes e não sazonais e precárias; que seja garantida a segurança alimentar e nutricional das famílias residentes nas regiões onde será implementado o Programa.
Aqui, a Plataforma da Sociedade Civil de Nampula apela para que os processos de reassentamento sejam acautelados e conduzidos sem prejuízo das comunidades e que sejam usadas técnicas de produção ambientalmente aceitáveis: proteção da biodiversidade e das espécies nativas, uso correto de agroquímicos e não uso de sementes e outros organismos geneticamente modificados.
No âmbito da legislação, lê-se no posicionamento da Plataforma da Sociedade Civil de Nampula que as instituições públicas relacionadas com a implementação deste programa sejam guardiãs dos seus interesses, cofiscalizadoras, íntegras, transparentes e não corruptas; que os processos de consulta comunitária sejam abrangentes e públicos bem como os processos de avaliação das terras consideradas “disponíveis”. Esta plataforma da sociedade civil, na chamada capital do Norte, quer ainda que os interesses econômicos/lucros privados não estejam acima dos interesses sociais, culturais, ambientais, como forma de salvaguardar o patrimônio sócio-cultural. Quer também que sejam acautelados os direitos costumeiros das comunidades sob risco de desestruturação social.
Para a monitoria do ProSavana, a Plataforma da Sociedade Civil de Nampula defende que as partes e outros interessados tenham acesso à informação relacionada com o ProSavana e que os acordos com as comunidades sejam públicos e monitorados pela sociedade civil.
Posicionamento da organização “Justiça Ambiental”
Em janeiro de 2013, a Justiça Ambiental emitiu a sua posição em relação ao ProSavana, baseando-se na posição da União Nacional dos Camponeses (UNAC) e, chama a atenção para os ganhos que Moçambique não vai tirar do mesmo.
Diz a Justiça Ambiental que “o ProSavana é inspirado no PRODECER, um programa de desenvolvimento agrário Nipo-Brasileiro desenvolvido no Cerrado Brasileiro desde a década de 70”. “Referido pelos governos Brasileiro, Japonês e Moçambicano como um caso de sucesso”, acrescenta a Justiça Ambiental, “o PRODECER promoveu a distribuição e posse de terra para estrangeiros e tornou o Brasil um ávido promotor de práticas de usurpação de terra no exterior”.
Ainda segundo a Justiça Ambiental, “através do ProSavana o Brasil pretende exportar para Moçambique um modelo de desenvolvimento agro-industrial que falhou no Brasil, onde mais de 65 milhões de brasileiros se encontram em situação de insegurança alimentar e milhões de pessoas lutam pelo acesso à terra para produção de alimento assegurando um meio de subsistência”.
Entende a Justiça Ambiental que o programa ProSavana “foi hábil e convenientemente embrulhado numa elegante linguagem “verde” e tem sido apresentado aos moçambicanos e à comunidade internacional como um programa de “desenvolvimento agrícola sustentável”.
Entendendo que todas as terras do Corredor de Nacala estão ocupadas pelos camponeses, defende a Justiça Ambiental que “a fundamentação e propósitos do ProSavana promove a usurpação de terra e a expulsão dos milhares de camponeses locais que desta dependem” (sic).
“A Justiça Ambiental/FOE Moçambique condena veemente todo o processo de elaboração e implementação do ProSavana” – lê-se na posição da organização em nossa posse.
Posicionamento do Núcleo de Camponeses (UNAC)
Entretanto, reunidos em dezembro do ano passado na cidade de Nampula, os Núcleos dos Camponeses das províncias da região Norte, Nampula, Zambézia, Niassa e Cabo Delgado, concluíram que o “ProSavana é resultado de uma política que vem do topo para a base, sem no entanto levar em consideração as demandas, sonhos e anseios da base, particularmente dos camponeses do Corredor de Nacala” e, por isso, eles disseram: “condenamos veementemente qualquer iniciativa que preconize o reassentamento de comunidades e expropriação de terra dos camponeses, para dar lugar a Megaprojetos agrícolas de produção de monoculturas (soja, cana-de-açúcar, algodão)”.
“Condenamos a vinda em massa de fazendeiros brasileiros que se dedicam ao agronegócio, transformando camponesas e camponeses moçambicanos em seus empregados e em trabalhadores rurais” (sic) – escrevem os núcleos da UNAC da região norte do país.
Dizem os camponeses que o Corredor de Nacala debate-se com a falta de disponibilidade “dessas extensões de terra, visto que a mesma é usada por camponeses com recurso à técnica de pousio” e, como resultado, um dos impactos poderá ser “o surgimento de comunidades sem terra em Moçambique”.
Outros impactos negativos que a UNAC entende que poderão surgir com a implementação do ProSavana são “frequentes convulsões sociais ao longo do Corredor de Nacala, e não só; empobrecimento das comunidades rurais e redução de alternativas de sobrevivência; aumento da corrupção e conflitos de interesses; poluição dos recursos hídricos como resultado do uso excessivo de pesticidas e fertilizantes químicos, bem como o empobrecimento dos solos; desequilíbrio ecológico como resultado de desmatamento de extensas áreas florestais para dar lugar aos projetos de agronegócio”.
Em jeito de recomendação, a UNAC diz ainda que “se é para se investir no Corredor de Nacala, ou em Moçambique em geral, recomendamos e exigimos que esses investimentos sejam feitos prioritariamente para desenvolver a agricultura e a economia camponesa, que nós, membros da UNAC e membros da Via Campesina, sabemos que é a única agricultura capaz de criar empregos dignificantes e duradouros, conter o êxodo rural, produzir alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para toda a Nação moçambicana, e assim favorecer o caminho para atingirmos a soberania alimentar”.
“PRODECER: Projetos no cerrado e dívidas agrícolas”
Um artigo da autoria de Neide Mayumi Osada, intitulado “PRODECER: Projetos no cerrado e dívidas agrícolas”, publicado pela Publicación Carta Asiática, refere que as atividades concretas do Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados, iniciaram efetivamente em 1978, estando agora na terceira fase, ou seja, PRODECER III.
No entanto, o que importa no artigo de Neide Mayumi Osada é o fato de perceber-se que para o PRODECER IV ser implementado, ou seja, para o governo japonês liberar os cerca de 510 milhões para o início do desenvolvimento da quarta fase depende do pagamento de uma dívida estimada em 400 milhões de Reais.
Entretanto, os recursos para o financiamento do PRODECER “vieram de fontes institucionais do governo e bancos privados, liderado pelo Long Term Credit Bank, que são co-financiadores. Os projetos-piloto foram financiados pela Japan International Cooperation Agency (JICA) e o projeto de expansão pelo Overseas Economic Cooperation Fund (OECF) ”.
Na primeira fase do PRODECER “estabelecido a partir de 1979, foram incorporados 70 mil hectares do cerrado para o desenvolvimento de tecnologia para a produção de grãos, principalmente milho, soja e trigo. O valor do investimento foi de 50 milhões de dólares americanos” – escreve Osada.
Essa fase foi desenvolvida nos municípios de Iraí de Minas, Coromandel, Paracatu e Paracatu-Entre-Ribeiros, no Estado de Minas Gerais. Já na sua segunda fase, o PRODECER II, iniciada em 1985, a área abrangida foi maior que a primeira (200 mil hectares) e os investimentos japoneses foram de 350 milhões de dólares americanos, tendo sido desenvolvido nos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Foi nessa fase que tudo começou, pois, “por problemas financeiros, uma auditoria coordenada pelo secretário executivo do Ministério da Agricultura, detectou uma dívida bancária dos produtores agrícolas brasileiros do PRODECER II estimada em cerca de 400 milhões de Reais”.
“Essa dívida foi resultado, principalmente, do desrespeito a uma das principais cláusulas do contrato, que foi a de não cobrar juros internos superiores às taxas fixadas pelo Japão para o repasse dos recursos”, bem como “os sucessivos planos de ajuste econômico desde o início do desenvolvimento do projeto em 1985 e, além disso, os produtores agrícolas foram estabelecidos pelo governo, o que não acontece com os insumos agrícolas” – defende Osada.
Todavia, para que seja financiada a quarta fase do programa, é necessário que os produtores agrícolas do Brasil paguem a dívida contraída na segunda fase.
A quarta fase do PRODECER está avaliada em 510 milhões de dólares americanos. Assim, o PRODECER III, em fase de implementação, cobre uma área de 80 mil hectares nos estados de Maranhão e Tocantins e o investimento para a fase inicial foi de 138 milhões de dólares americanos. Até esta fase, o custo total é de US$ 850 milhões, sendo que 60% do custo do programa virá do governo japonês e o restante do governo brasileiro.
Segundo consta da matéria de Neide Mayumi Osada, o PRODECER gerou cerca de 20 mil empregos diretos e 40 mil empregos indiretos, contribuiu para o aumento da produção anual de grãos, que registrou nos últimos anos um volume aproximado a 620 mil toneladas.
Os ganhos mútuos
Porém, uma das principais questões que têm sido discutidas é referente aos ganhos que cada um dos países vai tirar do programa.
Para o Brasil, sabe-se que precisa produzir e vender aos japoneses para pagar a dívida do PRODECER II e, para Moçambique nada está claro em termos de ganhos. O Japão vai proceder a recolha da produção dos fazendeiros brasileiros e, exportar para os mercados asiáticos.
A estratégia “win–win” (ganhos equiparáveis), propalada no programa, só deixa claro os ganhos para o Brasil, que vai trazer para Moçambique fazendeiros colonos. E o Japão que vai ter a produção dos brasileiros.
Para Moçambique não se sabe quais serão as vantagens práticas deste negócio, nos termos do compromisso tri-partite.