Elaine Patricia Cruz e Camila Maciel – Agência Brasil
São Paulo – Após mais de 20 anos do fato, começa na próxima segunda-feira (8) o julgamento dos acusados pela morte de 111 detentos na Casa de Detenção do Carandiru. O júri popular está marcado para as 9 horas, no Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. O juiz designado para o caso é José Augusto Nardy Marzagão, da Vara do Júri de Santana.
Devido ao grande número de réus envolvidos, o julgamento será feito em etapas. A previsão é que a primeira dure entre uma e duas semanas. Na primeira fase, 26 réus serão julgados (seriam 28 policiais, mas dois deles já morreram), aos quais são imputadas 15 acusações de homicídio qualificado. Serão julgados, no total, 79 policiais militares.
O maior massacre do sistema penitenciário brasileiro ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos e 87 ficaram feridos durante a invasão policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Presídio do Carandiru (como afinal ficou conhecida a Casa de Detenção), na capital paulista, já desativado. Três prédios do complexo foram demolidos para construção de um parque. Os outros vão abrigar centros educacionais.
O complexo era formado por sete pavilhões, cada um deles com cinco andares. Na época, 7.257 presos cumpriam pena no local, 2.706 deles só no Pavilhão 9, onde estavam encarcerados os réus primários, aqueles que cumpriam a primeira pena de prisão.
Os réus que estarão sendo julgados agora são os policiais militares que entraram no segundo pavimento do presídio, onde foram mortos 15 detentos. O julgamento dos demais réus ainda não foi marcado, mas prevê-se que ainda haverá mais cinco ou seis blocos de julgamento. A expectativa é que novos julgamentos sejam marcados a cada três meses.
O processo é um dos maiores da Justiça de São Paulo, com 57 volumes de autos principais e mais de 90 apensos, além dos documentos de autos desmembrados, perfazendo um total de mais de 50 mil páginas.
Na segunda-feira (8), serão sorteados os sete jurados que vão compor o júri popular. Em casos mais comuns, são selecionadas 25 pessoas para o sorteio. Mas, devido ao tamanho do julgamento, o juiz vai chamar 50 pessoas como forma de precaução em caso de desistências.
A promotoria vai levar seis testemunhas para esta primeira fase de julgamento: quatro ex-presidiários e um agente penitenciário, todos testemunhas do massacre, além do perito criminal Osvaldo Negrini, autor do principal laudo sobre a morte dos presos. Ouvido no ano passado pela Agência Brasil, por ocasião dos 20 anos do fato, o perito disse que nunca havia visto, durante sua carreira, “algo tão desumano”.
Já a defesa deverá levar o então governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho como uma das testemunhas, além do secretário de Segurança Pública à época, Pedro Franco de Campos, e três desembargadores que eram juízes criminais quando ocorreu o massacre.
Os promotores que vão trabalhar no caso são Fernando Pereira da Silva e Márcio Augusto Friggi de Carvalho. A defesa dos policiais será feita pela advogada Ieda Ribeiro de Souza.
“Temos a convicção de que as provas dos autos demonstram que houve a prática de crime e esperamos que os jurados avaliem essa prova sem a carga ideológica que pode levá-los à absolvição, independentemente da demonstração da ação criminosa”, disse na manhã de hoje (5) o promotor Fernando Pereira da Silva.
A demora no julgamento, segundo o promotor, se deveu à própria complexidade e tamanho do processo. “Mas é uma infelicidade para todos que um processo demore 20 anos no Brasil para ser julgado”, disse o promotor.
O único julgado pelo fato até agora, coronel Ubiratan Guimarães, comandante da Polícia Militar à época, foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em fevereiro de 2006. O militar foi assassinado em setembro do mesmo ano, em crime do qual a namorada foi acusada e depois absolvida (em novembro do ano passado), por falta de provas.
Em 2001, o coronel Ubiratan, como era conhecido, foi condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 prisioneiros que foram vitimados na invasão do complexo penitenciário do Carandiru. Segundo documento de 2000, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), havia superlotação no complexo.
Em entrevista na tarde de hoje à Agência Brasil, Ieda Ribeiro de Souza, advogada dos 26 policiais que irão a julgamento, disse não acreditar em condenação. “Não há individualização de conduta. O Ministério Público não especifica quem atirou em quem. Pelo direito brasileiro, não há acusação genérica. Não é possível fazer a condenação de todos por ato que não se sabe quem praticou”.
Segundo a advogada, policiais também foram feridos e baleados no massacre. “Se houve o excesso [na ação policial], vão ter que dizer quem praticou”, disse. Ela disse ainda que espera que o julgamento não seja político e não sofra pressões de organizações ou de entidades internacionais.
*Edição: Davi Oliveira
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Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.