Por Felipe Milanez, de Marabá – Carta Capital
O julgamento dos acusados de matar o casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo começou na manha desta quarta-feira 3, em Marabá. Na frente do fórum, localizado na rodovia Transamazônica, às margens do rio Itacaiunas, organizações de defesa dos direitos humanos e movimentos sociais camponeses organizaram uma mobilização para “vigiar” a audiência, segundo Raul Montenegro, prêmio Nobel da Paz Alternativo. Ele acompanha o julgamento e diz estar atento a eventuais casos de violações de direitos humanos na região. “Além da pistolagem, na fazenda Santa Barbará agrotóxicos são pulverizados sobre os acampados, isso é arma de guerra química, extremamente violento.”
Montenegro participou de uma audiência pública, na terça-feira 2, em que diversas denúncias vieram à tona. “O Brasil é o país com mais gente assassinada por questões ambientais e de terra no mundo. Entre 2002 e 2011, foram 365 mortes”, disse.
A primeira testemunha a depor foi José Maria Gomes Sampaio, conhecido como José Rondon, marido de Laisa Santos Sampaio, irmã de Maria. Com temor de sofrer represálias, ele pediu para os acusados deixarem a sala. Ele havia dito, no final de semana, ainda no assentamento, que temia depor em frente aos acusados. “Eles são violentos, tenho medo, os irmãos deles vivem aqui”. Laisa tem recebido ameaças de morte desde o assassinato de sua irmã.
Em seu depoimento, Rondon contou como um garoto viu, ao lado da cena do crime, uma touca de mergulho preta. Como a local não estava isolado pela perícia, os curiosos iam começar a mexer na peça quando ele interviu e disse: “eu falei: ninguém mexe, só a polícia”. Nessa touca foram encontrados fios de cabelo. A pedido dos advogados da defesa foi realizado o exame de DNA para descobrir a quem pertenceriam os fios. O exame apontou fios compatíveis com o DNA dos irmãos José Rodrigues Moreira e Lindonjonson Silva, ao contrário da expectativa da defesa. José Rondon disse que no projeto de assentamento, por ser agroextrativista, não eram permitidas pastagens, como queria o réu José Rodrigues. “O José Cláudio sempre explicava, não era para ter pasto lá. Era para viver com a floresta em pé. Eu vivo com a floresta em pé.”
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Na semana em que completa 100 anos, no dia 5 de abril, esse é o julgamento de maior repercussão da história da cidade de Marabá. E o fórum apresentou graves problemas de estrutura para receber tantas pessoas. A irmã Jane Dwyer, de 72 anos, que substituiu Dorothy Stang em Anapu, assassinada em 2005, chegou na porta de entrada da sala do Júri as 8h30 e só conseguiu entrar às 10h15. Padre Amaro, também de Anapu, foi barrado.
O juiz Murilo Lemos Simão Lemos não permitiu a gravação de nenhum tipo de imagem, fotografia ou áudio. Ele se dirigiu à imprensa logo que começou o julgamento: “quem tentar gravar a polícia está aqui e vai agir”.
Nas paredes, afixou um comunicado dizendo que “por segurança, ordem e limitação de espaço” a sala estava vedada para captação de som e imagem. As penas estariam previstas no artigo 497 do Código Penal.
Os advogados dos réus, o Ministério Público e os assistentes de acusação haviam se manifestado favoráveis à transmissão ao vivo do julgamento e livre capação de imagens e áudio.
“O julgamento é importantíssimo por duas razões”, comentou Frei Henri des Rosiers, já dentro do fórum. “Primeiro para que justiça seja feita nesse crime cruel, que foi a morte bárbara de José Cláudio e Maria. Depois, segundo, devido a grande repercussão na imprensa nacional e internacional, esse é o julgamento do agronegócio que destrói a natureza, torna o campo transgênico e morto e destrói a vida que depende da natureza”.
Para o Frei de Xinguara, que sofre ameaças de morte desde o inicio dos anos 1990, esse é o “julgamento da defesa da ecologia, que vai muito além do caso das duas vítimas, mas da continuação da luta e do sonho de Chico Mendes. José Cláudio e Maria eram discípulos de Chico Mendes.” Em 22 de dezembro completam 25 anos do assassinato de Chico Mendes.
Segundo Antonio Escrivão Filho, coordenador executivo da organização Terra de Direitos, no ano de 2013 esse é o primeiro de cinco grandes julgamentos que serão fundamentais para o combate a impunidade em relação aos crimes de violação de direitos humanos no Brasil. “Será um ano emblemático para que a justiça brasileira finalmente compreenda e conheça a realidade dos direitos humanos em nosso pais. Outro caso de muita importância é o julgamento do homicídio de Sebastião Camargo, assassinado no Paraná pelo presidente da União Democrática Ruralista na época”. Neste ano também irão a julgamento os casos da Chacina de Felisburgo (MG), do assassinato dos fiscais de combate ao trabalho escravo em Unai (MG), do assassinato do advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos (PB).