DW – Rede internacional contra violência sexual atua em 25 países. Hollaback! (“Berra de volta!”) parte do princípio que assédio nas ruas pode ser preâmbulo para estupro. E usa mapas e outras armas informáticas no combate
“Eu estava simplesmente andando pela rua, como qualquer pessoa, e de repente notei que alguém passava a mão no meu traseiro. Um garoto abusado que ia passando de bicicleta me pegou no bumbum e ficou rindo.” Uma história da Alemanha, que soa inofensiva – sobretudo em comparação com os brutais casos de estupro em outros países, de que se tem tido notícia.
Mas as vítimas veem a questão de modo diferente. O assédio diário nas ruas – o termo inglês é street harassment – é tudo, menos inofensivo. Para os ativistas da iniciativa Hollaback! (Berra de volta!), trata-se até mesmo de “um crime preparatório, que normaliza e torna possível outras formas de ‘violência de gêneros'”.
A rede internacional contra o assédio em público foi criada em 2005 nos Estados Unidos. Hoje, ela está ativa em 62 cidades de 25 países, entre os quais a Alemanha. Nos sites locais do Hollaback! as mulheres podem registrar os incidentes anonimamente, partilhando assim com outras as suas vivências de assédio.
A palheta das formas de abuso é ampla: começa com insinuações sexuais, passa por exibicionismo e masturbação em público, e vai até agressões físicas severas. “Para muitas, é um alívio poder falar sobre o assunto sem censura e sem tabus: aí as mulheres não se sentem mais sozinhas”, comenta Julia Brilling, cofundadora do Hollaback! Berlim, com base na experiência pessoal.
Mapas inspirados em solução egípcia
Porém a iniciativa não se restringe às narrativas das mulheres atingidas. Suas contribuições são integradas numa ferramenta que poderá preservar muitas mulheres de serem agredidas.
Um exemplo da cidade de Dresden: “Oi, eu fui violentada no Parque Alaun no verão, quando eu tinha 13 anos. Até agora eu nunca tinha contado para ninguém”, relata laconicamente uma usuária, na plataforma da rede. Um mapa do Google indica onde o crime ocorreu. “A ideia é tornar visível onde algo acontece e com que frequência”, explica Brilling.
As ativistas do Hollaback! encontraram a inspiração para o seu mapa no Egito, onde o assédio sexual é onipresente. Lá criou-se o Harassmap, projeto premiado em 2012 pelo The Bobs da Deutsche Welle na categoria Melhor Uso da Tecnologia para o Bem Social.
O mapa interativo mostra os locais onde ocorre o assédio diário. Montado a partir dos testemunhos das mulheres por SMS ou por telefone, o Harassmap se baseia no software Ushahidi, uma das mais populares ferramentas de cartografia do mundo.
Mobilidade contra violência sexual
Amplamente noticiados, os recentes casos de estupro colocaram a Índia no foco da atenção internacional. No dia 19 de março de 2013, o parlamento nacional aprovou uma lei que prevê penas mais duras para autores de crimes de violação e assédio.
Há um bom tempo os ativistas dos direitos das mulheres estão ativos na internet, e desde 2011 também em dispositivos móveis. FightBack, “o primeiro app móvel indiano para segurança feminina”, foi desenvolvido por duas jornalistas de Nova Délhi, a cidade onde ocorrem mais estupros no país.
O aplicativo permite a uma mulher vítima de agressão enviar para uma lista de amigos um pedido de socorro localizado, por SMS, e-mail ou redes sociais. Como no Harassmap, os ataques são registrados num mapa.
Protesto em 140 toques
A luta digital contra o assédio também chegou até a plataforma de microblogs Twitter. Através de hashtags como #aufschrei (“gritaria”, “clamor”), #ichhabenichtangezeigt (“eu não denunciei”) ou #shoutingback (“gritando de volta”), as mulheres têm um veículo para comunicar suas experiências diárias de violação sexual.
A iniciativa funciona bem, mesmo dentro do limite de 140 toques permitido pelo Twitter: no final de janeiro, a ação #aufschrei deu voz a dezenas de milhares de mulheres agredidas na Alemanha, e desencadeou um acalorado debate sobre o sexismo cotidiano.
“Campanhas são sempre boas para despertar atenção”, observa Julia Brilling. E o sexismo é um problema social. “Nunca se pergunta ao agressor ‘por que você fez isso?’, e sim à vítima: ‘O que é que você estava fazendo lá? Por que está com essas roupas?’.” A ativista lamenta “a inversão agressor-vítima, quer se trate de supostas bagatelas, quer de um estupro real”.
Como é sempre necessário interessar a mídia de massa pelo tema, Julia Brilling louva a iniciativa da Semana de Ação Mundial contra Assédio em Público, de 7 a 13 de abril próximos. Para ela, a luta continua.
“Precisamos conquistar uma atenção pública de oposição, e tentar chegar até os políticos, para que os assédios do dia a dia entrem na pauta.” Seu slogan é: “Seguir em frente e lutar em todas as frentes”. Mesmo que ainda vá levar muito tempo.
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Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.