Racismo e a louça da vovó

Bárbara Lopes

Eu fiquei pensando se escrevia alguma coisa pelo Dia Internacional de Eliminação da Discriminação Racial. Li os posts da Iara, da Lu e da Bia e não sobrou muito a dizer. Mas vou tentar mesmo assim.

Eu entendo quem diz “mas eu tenho um amigo/avó/bisavô negro” ao ser criticado por ter cometido algum ato racista. Claro que em alguns casos, deve ser mentira. Mas deve haver uma porção de casos em que essa perplexidade é verdadeira. Isso porque embora reconheçamos que existe racismo no Brasil, a gente acaba acreditando que racismo é não gostar das pessoas por causa da cor da pele delas. E se eu gosto de uma pessoa com cor de pele diferente, isso mostra que meu problema não é com a pele, certo? Usei “cor da pele”, sem especificar, porque da mesma forma, tem gente que fala em “racismo ao contrário”. Quer dizer, existem pessoas brancas que sentem que pessoas negras não gostam delas por causa da cor. Se essa é a definição de racismo, então isso seria racismo, não?

Só que racismo não é isso. Racismo é um sistema, é parte do sistema que organiza nossas relações sociais, econômicas e políticas e faz isso mantendo em posição inferior, subalterna, uma grande fatia da população. Racismo é também o processo histórico que explica e justifica essa posição. Racismo não é simplesmente uma cultura que herdamos com a louça da vovó, sem uso, mas mantida por tradição. Racismo é a ideologia que mantém negros e negras como mão de obra mais barata, como a carne mais barata do mercado, como as vidas mais descartáveis.

Estou lendo Calibán y la bruja, da Silvia Federici, e pretendo escrever mais sobre ele. Por enquanto, quero deixar um trechinho da introdução em que ela fala sobre o vínculo do capitalismo com racismo e sexismo:

O capitalismo deve justificar e mistificar as contradições incrustadas em suas relações sociais – a promessa de liberdade frente à realidade de coação generalizada e a promessa de prosperidade frente à realidade de penúria generalizada – depreciando a “natureza” daqueles a quem explora: mulheres, súditos coloniais, descendentes de escravos africanos, imigrantes deslocados pela globalização.

***

A Guatemala está julgando o general Efrain Ríos Montt por genocídio. Ele foi ditador no país entre 1982 e 1983. Nesse curto período, a Guatemala viveu um dos períodos mais sangrentos de sua história. Para esmagar grupos guerrilheiros de esquerda, apoiados por indígenas, os militares invadiram aldeias, matando, estuprando e torturando, queimando plantações e matando os animais. Quem conseguiu fugir, para as montanhas, sofreu com a fome, frio, doenças e bombardeios aéreos. Entre 70% e 90% das aldeias Ixil (um dos povos maias da Guatemala) foram atacadas entre 1981 e 1983. Ao longo de todo o período da “guerra civil” (quando o governo massacrava a população) morreram 200 mil pessoas. Não precisaria nem dizer que isso tudo com apoio dos Estados Unidos, mas digo mesmo assim. Documentos do Arquivo de Segurança Nacional americano mostram que o governo Reagan foi informado do que estava acontecendo, embora declarasse publicamente que as condições dos direitos humanos na Guatemala estavam melhorando.

O diretor da Fundação de Antropologia Forense da Guatemala (eles exumaram muitos corpos e, embora não tenham conseguido identificar a maioria, puderam provar que os mortos não eram guerrilheiros) definiu assim: “Isso é o terror. É uma estratégia para se certificar que todos e qualquer um que se oponham a você tenham medo; não só agora, tenham medo de você para sempre”.

Levar um ditador a julgamento não apaga o terror perpetuado, mas talvez ajude os sobreviventes a superar o medo. Mas espero, principalmente, que seja um sinal de que essas vidas – ao menos se contadas na casa de dezenas de milhares – não são tão descartáveis assim.

http://babilopes.com.br/2013/03/racismo-e-a-louca-da-vovo/

Enviada por Vanessa Rodrigues para Combate ao Racismo Ambiental.

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