Quem elegeu o pastor para a Comissão de Direitos Humanos?

Por Leandro Colling

Para a tristeza de qualquer pessoa minimamente interessada nos direitos humanos, foi confirmada nesta última quinta-feira, dia 7 de março de 2013, a eleição do pastor e deputado Marco Feliciano (PSC), explicitamente homofóbico, racista e perseguidor das religiões de matriz africana, para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Brasil.

Por causa disso, nos últimos dias, proliferaram nas redes sociais as mensagens sobre quem é o culpado por ter permitido tal excrecência. Eu também me envolvi nessa polêmica e concordei, em alguns momentos, que o PT é o responsável. É claro que em casos como esse sempre existem vários responsáveis. Mas, apesar de existir essa variedade de responsáveis, isso jamais poderá ofuscar a responsabilidade do PT, que tem a maior bancada na Câmara dos Deputados (88) e dirige o país desde 2002. Vou tentar tratar sobre esse tema neste texto, mesmo com dificuldade de escrever e pensar ainda afetado por essa imensa derrota dos defensores/as dos direitos humanos. Obviamente, esse pequeno texto não dá conta de toda a complexidade dessa problemática e nem tenho esse propósito.

Vou começar então pelo PT, que governa o Brasil há 10 anos. Este ano, o partido preferiu ficar com outras comissões da Câmara dos Deputados e isso permitiu que a de Direitos Humanos ficasse à disposição de outras bancadas. As outras comissões escolhidas pelo PT são importantes, mas não é essa a questão fundamental. Mas ao escolher outras comissões, o partido deveria ter sido inteligente o suficiente para lembrar daquilo que os/as ativistas dos direitos humanos há anos vêm denunciando: o crescimento do fundamentalismo religioso, que elegeu como alvo preferencial, nos últimos tempos, as bandeiras da população LGBT e de outras minorias. A bancada petista fez vista grossa a isso, mas por que? Porque, no fundo, não estamos nem de longe próximos da lista de prioridades desta bancada e deste governo. O que existem são alguns petistas, parlamentares ou não, aliados, nossos defensores, mas eles/elas não expressam a maioria dentro da bancada e dentro do governo. Foram essas pessoas do PT e de outros partidos, como PSOL, que tentaram, no interior da Comissão, impedir a eleição. E por que isso ocorre?

Alegam alguns que os petistas foram forçados a se aliar aos fundamentalistas para garantir a governabilidade do país. Não penso que seja só isso, mas mesmo que fiquemos apenas com o visível, ou seja, o argumento da governabilidade, também esse é passível de questionamentos, a exemplo: 1. Por que se aliar justamente com esses fundamentalistas, a ponto de um deles ser nomeado ministro de Estado (o pastor e senador Marcelo Crivella é Ministro da Pesca)? Por que se aliar com partidos da bancada evangélica que tem 63 dos 512 deputados? Por que não se esforçar mais garantir o apoio de outras forças menos conservadoras?

E mesmo admitindo que seja necessário o apoio desses partidos que hoje compõe a base aliada do governo, isso não precisaria implicar em concessões irrestritas do governo às suas ideias. Entre as concessões concretas, cito a suspensão do material didático do projeto Escola sem homofobia e a paralização das demais políticas públicas para a promoção dos direitos da população LGBT. O Plano Nacional LGBT, que começou a ser realizado pelo governo após a II Conferência Nacional LGBT, em dezembro de 2011 (!), ainda não tem prazo para ser concluído!

Resumo da história: o PT e o governo Dilma tem sim boa parte de responsabilidade pelo crescimento do poder dos fundamentalistas religiosos no Brasil no Congresso e no próprio governo federal. E isso tem permitido os constantes atentados contra o Estado Laico, base de qualquer democracia.

Outro dado importante é que em todos os lugares do mundo onde os direitos de LGBTTT prosperaram, um trabalho fundamental foi realizado por quem esteve no comando do país, ou seja, presidentes/as ou primeiros ministros. As aprovações só ocorreram porque a pauta realmente foi prioritária para quem está no posto máximo da nação, cito a França, Espanha, Portugal, Argentina, Chile, Equador, para citar apenas alguns. Em todos esses países os fundamentalistas também pressionaram, mas isso não conseguiu impedir os avanços. Se quisermos ampliar a discussão, basta dizer que o mesmo ocorreu em momentos históricos de outros movimentos sociais, a exemplo da aprovação da emenda constitucional que acabou com a escravidão nos Estados Unidos.

Agora é também verdade que, no caso da eleição do pastor para a Comissão de Direitos Humanos, outros partidos também devem ser responsabilizados. Como bem lembram alguns militantes petistas, o PSDB, o PMDB e outras legendas menores deram suas vagas para o PSC, o que viabilizou a eleição do pastor. Jornais informam que o PSB, PDT e PV, pasmem, partidos tradicionalmente aliados dos direitos humanos, indicaram membros da bancada evangélica para a comissão. Ou seja, esses partidos também precisam ser duramente criticados, pois também são responsáveis pelo que aconteceu. No entanto, o peso maior recaiu para o PT porque o seu governo já vem cedendo aos ditames desses fundamentalistas e é o PT que tem maioria na Câmara dos Deputados, ou seja, é a vidraça principal no momento.

Também é verdade que quem elegeu o pastor foi parte da sociedade brasileira, afinal de contas, ele e os demais fundamentalistas foram eleitos pelo voto direto. Mas isso não retira por absoluto a responsabilidade de quem dirige a nação e de quem possui mais poder que os demais. O governo brasileiro nunca enfrentou, na verdade, o crescimento do fundamentalismo religioso no Brasil. Uma das maneiras mais rápidas de fazer isso é através de uma regulamentação da comunicação de massa no país. O fundamentalismo no Brasil cresceu e cresce assustadoramente, entre várias razões, pela propagação do discurso de ódio realizada em redes de televisão e rádio, que são concessões públicas.

Ou seja, o Estado brasileiro permite, faz de conta que não vê, que as suas próprias concessões sejam utilizadas, há anos, como as principais ferramentas para a propagação do discurso de ódio produzido por esses fundamentalistas. Obviamente, esse é um problema anterior à chegada do PT à Presidência da República, mas o PT, que sempre defendeu a democratização da comunicação em nosso país, ao chegar ao poder, a rigor, não fez nada para impedir a disseminação de discurso de ódio através das concessões públicas de rádio e TV.

Por fim, aponto outras duas causas que acabaram contribuindo para o empoderamento dos fundamentalistas: a excessiva partidarização dos movimentos sociais, sejam eles LGBT ou não. Para muitos/as ativistas, o partido está acima das bandeiras dos seus segmentos. Obviamente não estou defendendo que militantes deixem os partidos, ou que possamos, em uma democracia, abdicar das legendas. Estou falando de excessiva condescendência de vários militantes aos seus partidos, sejam eles quais forem. Em dois anos de trabalho no Conselho Nacional LGBT presenciei várias ocasiões em que importantes militantes LGBT se calaram e/ou foram complacentes para com o governo federal.

Outro fator que dificulta a luta pelos direitos humanos, e que acaba por contribuir com o crescimento do poder dos fundamentalistas, diz respeito à imensa dificuldade de união momentânea entre os diversos movimentos sociais. Mesmo nesse caso da eleição do pastor, no qual explicitamente temos um ator que é deliberadamente homofóbico, racista e desrespeitoso em relação a todas as religiões não-cristãs, não vimos uma grande mobilização conjunta entre movimentos LGBT, étnicos e religiosos.

Por que temos tanta dificuldade de unir os diferentes, os oprimidos ou, como dizem alguns, as diversas “minorias”? A resposta para essa questão é igualmente complexa e tenho pensado muito sobre ela nos últimos tempos. No entanto, vários/as outros/as pesquisadores/as, de perspectivas teóricas distintas, têm apontado que essa dificuldade de união dos diferentes é uma das consequências indesejadas da excessiva aposta nas chamadas políticas identitárias, que também é necessária e legítima.

No entanto, ao centrarem todo o foco na afirmação de cada uma das suas identidades, os movimentos não geraram a capacidade de perceber as opressões que atravessam os vários grupos. Além disso, muitas vezes, os diversos grupos de diferentes disputam o poder e verbas entre si, o que gerou também uma hierarquia entre as opressões, que se materializa em políticas públicas e na própria eleição do pastor para a Comissão de Direitos Humanos.

Pensar sobre esses e outros temas e melhorar esse diagnóstico é fundamental para atacarmos o problema, que é gravíssimo. Pensar em políticas mais subversivas, menos pautadas em formas mais tradicionais de fazer política, já foi um caminho trilhado por vários movimentos, de direitos sexuais ou não, em momentos de recrudescimento dos fundamentalismos no Brasil e no exterior. Todo esse problema, além de impedir avanços em direitos civis para pessoas vulneráveis, gera um imenso prejuízo que é simbólico e também muito concreto. Basta vermos que, a cada dia que passa, mais pessoas parecem voltar a se vangloriar dos seus preconceitos e, ao mesmo tempo, aumentam os índices de violência sofrida pelas pessoas LGBTs, negras e adeptas das religiões de matriz africana.

Em Salvador, ocorre hoje, às 16h, no Farol da Barra, um protesto pelos direitos humanos e contra a eleição do pastor. Esta é uma boa oportunidade de você mostrar a sua indignação.

Com tristeza, um beijo e até a próxima.

Compartilhado por Rogério Junqueira Kaiowá

http://www.ibahia.com/a/blogs/sexualidade/2013/03/08/quem-elegeu-o-pastor-para-a-comissao-de-direitos-humanos/

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