Integrantes da Comissão Nacional da Verdade deverão se reunir com o governador Tarso Genro, terça-feira, em Porto Alegre, para receber documentos da época da ditadura militar que revelam assassinatos, arbitrariedades e atentados a bomba.
Um deles – divulgado com exclusividade por Zero Hora na quinta-feira – comprova a prisão do ex-deputado federal Rubens Paiva nas dependências do Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, em janeiro de 1971. A reportagem é de Nilson Mariano e publicada pelo jornal Zero Hora, 24-11-2012.
O conjunto de documentos estava em poder do coronel da reserva do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, 78 anos, morto a tiros em Porto Alegre, no dia 1º, supostamente por assaltantes. Ex-comandante do DOI-Codi fluminense, Molinas guardava os papéis em casa, no bairro Chácara das Pedras. Foram apreendidos pelo delegado que investiga o caso, Luís Fernando Martins de Oliveira.
Tarso Genro requisitou o material da Polícia Civil, para entregá-lo à Comissão da Verdade, em encontro marcado para o Palácio Piratini. Deverão vir à Capital o coordenador da Comissão, Claudio Fonteles, e Paulo Sérgio Pinheiro, além de assessores.
Instalada para apurar os crimes da ditadura militar (1964-1985), a Comissão Nacional da Verdade abriu um leque de investigações. Com 10 grupos de trabalho, concentra-se na guerrilha do Araguaia, na estrutura da repressão, nas violações aos direitos humanos, na Operação Condor (aliança entre os regimes autoritários da América do Sul), na atuação de religiosos e em outros temas. Audiências públicas estão sendo realizadas pelo país.
A Comissão ainda não definiu como abordará antigos comandantes de órgãos de repressão que podem ter guardado arquivos secretos – caso do coronel Molinas, do DOI-Codi. Os integrantes avaliam qual seria o melhor momento. Uma das preocupações é de que esses ex-chefes de serviços de espionagem e de interrogatório possam inutilizar documentos, com receio de serem incriminados.
“Por que Rubens Paiva foi morto”
Por que Rubens Paiva foi sequestrado em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro? Como ele morreu? Onde estão seus restos mortais? Se não era guerrilheiro, por que o engenheiro e ex-deputado federal, então com 41 anos pode ter entrado na lista de executados pelo regime militar?
Em entrevista a ZH, concedida em São Paulo, o escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva aportou revelações e esclarecimentos sobre a trajetória do pai. Antes mesmo do golpe que derrubou o presidente João Goulart, em março de 1964, Rubens Paiva estaria marcado pelos generais linha-dura. Deputado pelo PTB (o antigo de orientação trabalhista, não o híbrido atual), fora vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as ligações do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) com a CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos. A reportagem é de Nilson Mariano e publicada pelo jornal Zero Hora, 24-11-2012.
Já em 1963, o Ibad era um ninho de conspiradores contrários ao governo Goulart. Inspirados pelo general Golbery do Couto e Silva – depois mentor da ditadura –, integrantes do Ibad alarmavam que o país estava à beira do comunismo. Ao mesmo tempo, recebiam dólares americanos para financiar o golpe de Estado.
– O meu pai tinha cópias de cheques que iam para o Ibad e o Ipes – destaca Marcelo, referindo-se ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), outra entidade ocupada em detratar o governo civil.
Alinhado com os líderes trabalhistas João Goulart e Leonel Brizola, Rubens Paiva teve o mandato cassado logo após o golpe de 1964. Exilou-se, mas voltou ao Brasil. Fazia oposição política à ditadura, ajudava perseguidos a conseguir exílio no Exterior, especialmente o Chile, então sob o regime socialista de Salvador Allende.
Com 11 anos em 1971, Marcelo lembra que a casa da família, no bairro Leblon, no Rio, recebia visitas de políticos cassados e adversários da ditadura. Às vezes, era o refúgio de quem estava sendo caçado pela repressão.
– Na minha casa, havia roda de pôquer com o Fernando Henrique Cardoso, Paulo Francis e outros. Meu pai era amigo do Antônio Cândido, do Antônio Callado, do pessoal do Pasquim – conta o escritor.
Rubens Paiva foi detido por soldados da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1971, e depois levado para o Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), porque se comunicava com exilados brasileiros no Chile. Uma mulher foi presa, no Aeroporto do Galeão, com uma carta trazida do Chile para ele.
Marcelo admite que o pai, naquele momento, colaborava com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) – uma das organizações guerrilheiras mais ativas. Rubens Paiva não era do MR8, mas se sentia no dever de ajudar seus membros. Fora eleito deputado com votos dos estudantes, que eram maioria nos grupos armados.
– É claro que ele não participou de ação armada, nem sei se concordava com isso. Mas ajudava aqueles garotos a sair do país – diz Marcelo.
Formado em engenharia, Rubens Paiva fora vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Participara de lutas estudantis e das campanhas nacionalistas, como a da criação da Petrobras. Poderia ter continuado no exílio, no pós-64, mas preferiu regressar para continuar se opondo ao regime militar.
– Foram vários elementos que fizeram com que acreditassem que tinham nas mãos um peixe grande, o meu pai. E havia um acerto de contas. Assim que o meu pai entrou na Aeronáutica, um torturador teria lhe dito: “Pois é, deputado, finalmente vamos nos entender com o senhor” – relata Marcelo.
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