PEC 71/2011 – Não a defendam e tenham cuidado com ela!!! E isto é muito sério!

Tania Pacheco, com informações enviadas por Sonia Mariza

Está havendo uma grande movimentação nas redes sociais, incluindo uma Petição online, pela aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição em tramitação na  Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ. Trata-se da PEC 71/2011, que “pretende alterar o § 6º do art. 231 da Constituição Federal e acrescentar o art. 67-A ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para permitir a indenização de possuidores de títulos dominiais relativos a terras declaradas como indígenas expedidos até o dia 5 de outubro de 1988”.

Nas redes sociais, a 71/2011 está sendo encarada e divulgada como a grande solução contra a PEC 215. A Petição chega a afirmar, inclusive: “A PEC 215/2000 é exemplo da perpetuação daquilo que nos envergonha como nacionais, é exemplo da vergonha brasileira diante da comunidade internacional. Essa proposta de emenda à constituição é a tentativa de se usar o nosso maior instrumento legal, a Constituição Federal, símbolo da democracia e da preservação de direitos, como arma letal contra nós mesmos!” Perfeito! Nada a contradizer e tudo a apoiar contra a proposta do DEM.

Acontece que a mesma petição continua: “Sabemos que na presente questão outros direitos estão envolvidos, mas sabemos, sobretudo, que o direito dos índios sobre suas terras é inviolável! E para que não haja mais mortes, mais suicídios, mais descaso, mais miséria e mais vergonha, conclamamos aos senhores parlamentares que a consciência, o bom senso, a sabedoria e a sensibilidade prevaleçam, de forma que VOTEM CONTRA as Propostas de Emendas à Constituição e Projetos de Lei que venham destruir os direitos indígenas garantidos pelo poder constituinte originário, e APÓIEM a PEC 71/2011, solução que respeitará todos os direitos, e que não condenará, também, a nós brasileiros, à culpa“. E aí as coisas se complicam! E se complicam por um motivo extremamente sério: a PEC 71 não é a solução que respeitará todos os direitos indígenas. Na verdade, arrisca ser bem o contrário, habilmente disfarçado.

A coisa é mais grave na medida em que o nome do Senador Eduardo Suplicy está sendo apresentado como um dos defensores da PEC 71, quando na verdade o que ele vem tentando fazer é pelo menos conseguir corrigi-la, de forma a evitar os riscos que ela apresenta para as terras retomadas e reconhecidas como indígenas até mesmo antes da Constituição de 1988.

No voto em separado que apresentou, Suplicy começa por usar uma tabela para comparar a redação original existente no artigo constitucional e a proposta de mudança, grifando o texto que comentará em seguida:

Da tabela consta também o artigo 67A, a ser acrescentado, e que disporia: “Art. 67-A. A União indenizará os possuidores de títulos de domínio que os indiquem como proprietários de áreas declaradas tradicionalmente indígenas e que tenham sido regularmente expedidos pelo Poder Público até 5 de outubro de 1988, respondendo pelo valor da terra nua e pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas em boa-fé”.

Suplicy inicia seus comentários, em seguida, afirmando (grifos deste blog, a partir de agora):

“Observando as diferenças marcadas com grifo nosso, verificamos que o texto proposto pela PEC nº 71, de 2011, para o § 6o do art. 231, modifica substancialmente, para o caso das terras indígenas, o critério de invalidade dos atos jurídicos, considerada essa como gênero, na medida em que altera da espécie nulidade para a espécie anulabilidade”.

O que o leva, mais adiante, a advertir:

“No tocante à limitação material, inscrita no inciso IV do § 4o do mesmo art. 60, avaliamos que a nova redação proposta pela PEC nº 71, de 2011, para o § 6o do art. 231 do texto constitucional incide em óbice intransponível, pois a mudança da espécie de invalidade dos atos jurídicos, de nulos para anuláveis, abre caminho para discussão de um direito dos índios, que foi indelevelmente garantido pelo constituinte originário.

Ora, a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que ocupam por tradição. A argumentação de que esse direito se choca com direito adquirido pelos possuidores de títulos de domínio que os indiquem como proprietários das citadas terras não encontra fundamento na doutrina e na jurisprudência”.

Para deixar clara a gravidade da situação, vale dizer que Eduardo Suplicy continua seu raciocínio citando formalmente a recente pesquisa sobre os Povos Indígenas feita para a Confederação Nacional da Agricultura e publicada pela Folha de São Paulo em 10/11/2012, e a não tão recente (20/09/2009) decisão do STF, redigida pelo Relator Carlos de Ayres Britto, sobre a Ação 3.388, relativa à TI Raposa Serra do Sol, baseada exatamente no texto em discussão do parágrafo 6 do artigo 231 da Constituição. Escreveu o ex-Presidente do STF:

“Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente “reconhecidos”, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de “originários”, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como “nulos e extintos” (§ 6º do art. 231 da CF)”.

Suplicy não deixa de considerar questões ligadas a terras doadas ou vendidas pelo próprio estado ou adquiridas de boa fé, mas considera, no Substitutivo que apresenta à PEC 71:

“Caso fosse alterado o texto constitucional como proposto pela PEC nº 71, de 2011, podemos vislumbrar uma grande insegurança jurídica por parte dos processos de demarcação já concluídos, e que se constituem, estes sim, em atos jurídicos perfeitos. Tratam-se, portanto, de direitos consagrados como cláusula pétrea e, como tal, excluídos da possibilidade de alteração legislativa”.

É fundamental, pois, que apontemos a nossa capacidade de luta na direção certa, que não é, em absoluto enviar e-mails para os senadores que compõem a CCJ e assinar a petição, considerando, equivocadamente, que a PEC “prevê a obrigação da União em indenizar os fazendeiros e produtores agrícolas, de forma que as terras sejam devolvidas imediatamente aos seus verdadeiros donos: os índios!”.

Precisamos, isso sim, apoiar o Substitutivo proposto por Suplicy para impedir que os ruralistas ganhem ainda mais terreno, com essa PEC 71, que está enganando muita gente indubitavelmente bem intencionada! E isso precisa ser denunciado urgente, para que as pessoas não continuem incorrendo em erro e, exatamente ao contrário do que pretendem, ajudando, sim, aos ruralistas!

Mais informações:  

Comments (9)

  1. No mínimo eu esperava um diálogo acerca do assunto. Aliás, o Sen. Suplicy, saiu da comissão de Direitos Humanos com o processo debaixo do braço para estudo, com algo que ele deveria alterar, a meu ver, uma só palavra mudaria tudo, mas foi da tempo para que o Min. pudesse fazer lei para mais processos e delongas ao tempo. E no que deu tudo isso? Alias respeito à opinião eu gosto e é bom. Expresso minha decepção aos comentários jocosos e que me fazem crer ser seus autores antagonicos para com as causas indígenas.

  2. Na época da constituinte, o Brasil acabava de sair de um regime militar e ninguém sequer sabia com muita certeza quanto tempo a nova democracia iria durar. E mesmo assim conseguiu-se congregar forças políticas suficientes para fazer aprovar dispositivos que se não são o melhor dos mundos são avanços significativos em relação à legislação anterior, como o reconhecimento do direito originário dos índios e das comunidades quilombolas.

    Hoje, contraditoriamente, vivendo sob a égide do que chamam de uma democracia madura, sem sequer uma sombra de arbítrio ditatorial no horizonte de curto prazo, após oito anos de um governo social-democrata que se dizia liberal e de doze anos de um governo de centro-esquerda que se dizia progressista, nós vemos as forças que se pensavam derrotadas em 1988 cada vez mais fortes e impondo a agenda do governo contra aqueles que durante década o partido no poder se disse disposto a defender. Enquanto o governo toma chá e se reune com as Katias “Moto-serra de ouro” Abreus da vida, ignora a sofrimento dos povos indígenas. A última coisa que o atual ministro pensa é em Justiça.

    Quantos massacres, assassinatos e violações dos direitos humanos a gente ainda vai precisar antes de colocar esse pessoal no lugar deles: atrás das grades e não sentados confortavelmente do Congresso Nacional? Enquanto os assassinos costumazes de índios continuarem a dar as cartas a governos fracos que só sabem falar grosso com os movimentos sociais, vamos ter de lutar contra muitas PECs.

  3. muito deficio mas vamos la no Acre tirama avida do chico mende mas foi feito a justicia e agora la vem di novo a mau contra gente vamos reza para si proteger sobre isso e busca alternativa o nós indigenaqs temos que garantir a o nosso mercADO DE TRABALHO COM A QUALIDADE DENTRO DA sociadade

  4. Esses burgueses ainda querem indenizações pela terra nua? A maioria dessas terras foram “concedidas” pelo Governo..eles não compraram terra de ninguém, apenas foram concedidas pelo Governo de décadas atrás. Inclusive, muitas comunidades indígenas foram tiradas a força de suas terras para atender interesses do Estado e do agronegócio.

    As benfeitorias já estão de bom tamanho! Imagine quantos milhões de réis, cruzeiros, reais, dólares esses ruralistas já não obtiveram com a terra nos últimos 20, 40, 60, 80..100 ou mais anos?

    E outra, latifindiários sobre terra indígena não tem status de proprietário e sim de possuidores somente. Suas escrituras públicas não tem nenhum efeito jurídico p efeito de “propriedade”, já que se trata de um direito originário a terra indígena, e ainda, inalienável, indisponível e o direito sobre ela imprescritível (231,232, CF/88).

    Se depender desses ruralistas e seus aliados no Congresso buscariam somente o extermínio dos povos indígenas e a tomada de nossas terras como sempre fizeram seus antepassados no Governo décadas e séculos atrás, infelizmente fatos omitidos pela história e pelo próprio Estado.

  5. Não entendo qual é a da Maria Valentina… é mesmo bobinha e teria caído na lábia tucano-ruralista, que a fez ver a tal PEC como a legítima “panacéia ambiental”?

    Ou será assumidamente “uma deles”, fã de Regina Duarte, Caiado et caterva? Porque se esta for a opção, merece ganhar uma embalagem extra grande de óleo de peroba…

  6. Desculpe, Maria Valentina, mas este Blog é radicalmente contra a PEC 71/2011. Só a aceita na versão do Substitutivo de Eduardo Suplicy porque é simplesmente impossível jogá-la no lixo juntamente com a AGU 303, como seria a nossa vontade. Não foi por acaso que a PEC 71 foi apresentada por Paulo Bauer, um senador do PSDB de Santa Catarina.
    Abraço,
    Tania.

  7. AGU – Adams afirma que Lei Complementar pode regular o processo de demarcação das reservas indígen http://www.agu.gov.br – me pareceu que a AGU reconhece a impropriedade de sua resolução, mas assenta-se na Câmara dos Deputados com aqueles que não tem interesse nas demarcações e entrega das terras, porque (1) já sua res. 303 saiu de encomenda, pelo visto, (2) quem assenta ao lado dos ruralista é o Ministro da Justiça que não participa dos encontros com os nativos, pois não tem interesse, (3) a FUNAI cumpre, ao meu ver, seu papel, porém órfã, (4) não tem nada a ver essa coisa de que nas terras indígenas tem exército etc., pois os indígenas convivem pacificamente com isto, e finalmente note que neste artigo os tais assinam sua sentença de fracasso reconhecendo ainda que para o uso do sub solo as demais disposições afora o art 231/CF. Temos que fazer campanha pela aprovação da PEC 71/2011, porque por lei complementar como querem vai demorar muito, mas muito mesmo. Precisamos dar OPINIÃO pela PEC 71/2011!
    estou a organizar seminários E CONVIDO TANIA PACHECO E COMBATE AO RACISMO.., A SE COMPOREM COMIGO PARA A ORGANIZAÇÃO DOS SEMINÁRIOS PARA DAR SUPORTE ÀS CAUSAS INDÍIGENAS, TEM MUITO ARGUMENTO BOM QUE PRECISA SER CONHECIDO E LIDOS NAS SUSTENTAÇÕES ORAIS DO STF, NAS COMISSÕES DO SENADO ETC. ALÉM DE SEREM DOCUMENTOS PARA AÇOES EFETIVAS, JUDICIAIS, NO BRASIL, OU FORA DELE!

  8. Não queremos os royalties para a destruição!
    “É mais fácil tirar um índio da floresta do que tirar a floresta de um índio”
    É muito importante que um país trace suas metas de crescimento baseada na observância de suas próprias leis, as que dizem na Constituição Federal, garantindo assim os direitos das comunidades, dos povos nativos e do meio ambiente, assim como analisar os riscos que terão e a viabilidade econômica empregada, analisarem os impactos a médio
    e longo prazo. Portanto, é mais que necessário garantir estes direitos a seu povo, garantindo também os direitos naturais aos povos indígenas. Tentar pagar royalties aos indígenas para a utilização de seus territórios na exploração de minérios e na construção de hidrelétricas é como tentar prostituir o próprio homem nativo verdadeiros guardiões das florestas, para vender os nossos direitos de existência, que neste caso, a floresta pertence a todos os seres.

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