Francisco Fernandes Ladeira*
Afirmar que a revista Veja representa o que há de mais conservador e retrógrado no pensamento político brasileiro é um truísmo. Em outros termos, utilizando uma expressão popular, é “chover no molhado”. Há mais de quatro décadas, a publicação da família Civita tem utilizado boa parte de suas páginas para difamar as minorias (pobres, negros, indígenas, operários, trabalhadores rurais sem-terra, entre outros) e propagar a ideologia das classes dominantes.
Não obstante, em suas últimas edições, a revista tem se dedicado a atacar os direitos dos indígenas brasileiros. Segundo uma matéria denominada “A ilusão de um paraíso”, assinada por Leonardo Coutinho, por trás do conflito por terras entre guarani-kaiowás e latifundiários na porção meridional do Mato Grosso do Sul estão interesses escusos da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de antropólogos e de ONGs. Para Veja, os indígenas são manipulados pelos “medievalistas” do Cimi, pelos “ideólogos” da Funai e por ONGs. “Os antropólogos os convenceram de que o nascimento ou o sepultamento de um de seus membros em um pedaço de terra que ocupem enquanto vagam pelo Brasil é o suficiente para considerarem toda a área de sua propriedade. […] Em sua percepção medieval do mundo, os religiosos do Cimi alimentam a cabeça dos índios da região com a ideia de que o objetivo deles é unir-se contra os brancos em uma grande ‘nação guarani’.”
A reportagem assevera ainda que todos os cidadãos brasileiros devem se opor à demarcação das terras indígenas porque estas políticas pioraram a vida desses povos. “As terras indígenas já ocupam 13,2% da área total do país. Salvo raras exceções, a demarcação das reservas não melhorou em nada a vida dos índios. Em alguns casos, o resultado foi até pior. No município de Coronel Sapucaia há uma reserva onde os caiovás dispõem de conforto como escolas e postos de saúde, mas não têm emprego, futuro nem esperança. Ficam entregues à dependência da Funai e do Cimi, sem a menor chance de sobrepujar sua trágica situação de silvícolas em um mundo tecnológico e industrial.”
“A questão fundiária é um tema marginal”
No entanto, é preciso salientar que, “coincidentemente”, a reserva pleiteada pelos guarani-kaiowás está localizada na zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso do Sul. Portanto, como bem afirmou o editorial de um partido político da esquerda brasileira, na realidade a revista Veja não anela o bem-estar da população indígena, mas proteger os lucros dos grandes latifundiários que atuam no plantio de soja. “O sofrimento dos índios é o queVeja defende, com o despejo de suas terras em favor de um punhado de grandes proprietários de terra. Pelo bem do agronegócio, os índios devem ser extintos do país; essa é a mensagem da revista.”
Já outra matéria – baseada em uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha sob encomenda da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – aponta que “os índios têm aspirações semelhantes às da nova classe média nacional, ou seja, querem progredir socialmente por meio do trabalho e dos estudos. Eles sonham com os mesmos bens de consumo e confortos da vida moderna”.
Desse modo, segundo Veja, ao contrário do promulgado por “padres marxistas” e “ongueiros”, os principais problemas indígenas não são a falta de terras ou as obras de infraestrutura perniciosas ao meio ambiente. “A questão fundiária é um tema marginal. Quando instados a falar sobre seus problemas individuais, os entrevistados [índios que participaram da referida pesquisa] nem sequer citaram a criação ou ampliação de reservas”.
Os porta-vozes da elite brasileira
Todavia, é absolutamente complexo e controverso levar em consideração dados de uma pesquisa realizada pelo ultraconservador Datafolha a pedido da CNA, instituição presidida pela senadora Kátia Abreu, principal nome do agronegócio no legistativo brasileiro. Evidentemente que a criação de novas reservas indígenas, reinvidicação antagônica aos interesses dos grandes latifundiários, não seria mencionada como principal demanda dos índios.
Em suma, desde a chegada da esquadra de Cabral ao território que hoje chamamos de Brasil, o modo de vida dos indígenas, ao não pressupor a mercantilização da natureza, é um importante entrave para a expansão do capitalismo em nosso país. Sendo assim, é preciso usurpar suas terras para gerar lucros astrômicos para o agronegócio e destituí-los de sua cultura para que sejam incorporados ao mercado de consumo capitalista. E essa é uma tarefa da elite brasileira, através de seus principais porta-vozes: os meios de comunicação hegemônicos.
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*Especialista em Ciências Humanas, Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG.
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.