Daniel Carvalho, enviado especial a MS
Fotos: Eduardo Knapp/Folhapress
“A tristeza nossa não é barata. A tristeza nossa é cara.” O desabafo do cacique Getúlio Juca, 60, da aldeia Jaguapiru, em Dourados, resume o drama vivido por 43 mil índios da etnia guarani-caiová, na região do cone sul de Mato Grosso do Sul, próximo à fronteira com o Paraguai.
A segunda maior população indígena do país, segundo o IBGE, vive espremida em reservas ou em acampamentos improvisados em fazendas e às margens de rodovias.
Eles dizem querer voltar para o local de onde foram expulsos, seus tekohás, terras sagradas onde afirmam que seus antepassados viveram e hoje estão enterrados.
Mas a terra agora está nas mãos dos fazendeiros, que cultivam soja, cana e gado em áreas adquiridas do governo desde o fim da Guerra do Paraguai (1864-70).
A partir da década de 1950, a expulsão dos índios e a concessão de títulos de propriedade a fazendeiros se intensificou. Nativos eram retirados Serviço de Proteção ao Índio órgão federal que mais tarde daria lugar à Funai (Fundação Nacional do Índio) e levados para reservas.
Os índios relatam ataques e enfrentam disputas judiciais. Aqueles que não resistem ao clima tenso ajudam a colocar o Estado no topo do ranking de suicídios. Também há registro de homicídios em enfrentamentos relacionados à luta pela terra.
A maioria dos guaranis-caiovás vive em terras indígenas. Mesmo nas áreas oficialmente indígenas, como a Reserva de Dourados (229 km de Campo Grande), os guaranis-caiovás vivem em situação de confinamento, que a Folha testemunhou no fim de outubro durante viagem de uma semana pela região.
MORTES
Levantamento do Ministério da Saúde mostra que, de 2000 a 2011, 555 índios se suicidaram, em geral por enforcamento. Só neste ano, até julho, 32 casos foram confirmados pela pasta. Praticamente todos eram guarani-caiová.
Enquanto na média nacional a taxa de suicídio em 2007 foi de 4,7 por 100 mil habitantes, nas áreas indígenas do sul de Mato Grosso do Sul chegou a 65,68 por 100 mil. Em média, um índio se suicida a cada seis dias no Estado.
Em Iguatemi, no extremo sul do Estado, Marilene Benites Romeiro, 23, disse que já pensou em se suicidar. “Da minha parte tenho vontade de desistir. Às vezes tenho vontade de me matar. O que me segura são meus filhos.”
Ela conta que cinco dias antes havia sido atacada por pistoleiros. A Polícia Civil investiga o caso, e agora a jovem anda escoltada por índios e armada com uma corrente.
Nos últimos dez anos, foram 317 homicídios, parte deles cometida pelos próprios índios. Em 70% dos casos foram usadas armas brancas.
A proteção dos índios fica a cargo da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública.
REPERCUSSÃO
Foi a localidade de Pyelito Kue a responsável por expor ao mundo, em outubro, a situação dos guaranis-caiovás.
Em texto reproduzido massivamente na internet, os índios diziam que resistiriam até a morte à tentativa de desocupação do local em que vivem há um ano, numa área de dois hectares na fazenda Cambará, em Iguatemi.
Pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva, diz a carta, que foi interpretada equivocadamente por ativistas como um anúncio de suicídio coletivo.
Em janeiro, o proprietário da fazenda pediu a remoção dos índios à Justiça Federal em Naviraí (MS), que acatou o pedido em setembro.
Com a repercussão do caso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, garantiu a permanência dos índios. O caso deve parar no Supremo Tribunal Federal. A Folha não conseguiu falar com o dono da fazenda.
A reportagem encontrou em Pyelito Kue Ademir Riquelme Lopes, 22, que diz ser o responsável pela carta.
“A gente está numa guerra. Estamos prontos para enfrentar o que vier.” Ele diz que a interpretação equivocada de ameaça de suicídio coletivo acabou sendo positiva, pois deu visibilidade à situação. “Jamais a gente vai pensar [em suicídio].”
Outras fotos:
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http://www1.folha.uol.com.br/poder/1187146-guaranis-caiovas-vivem-em-confinamento-em-ms.shtml