por Raquel Rolnik
Desde o mês passado, temos visto no noticiário a polêmica sobre a venda de acarajé no entorno do estádio da Fonte Nova, em Salvador, durante os jogos da Copa do Mundo de 2014. De acordo com a Lei Geral da Copa e com o protocolo assinado entre a FIFA e o governo brasileiro, os patrocinadores do Mundial têm exclusividade de comercialização de seus produtos num raio de dois quilômetros dos estádios e também nos chamados “locais oficiais de competição”, que incluem ainda centros de treinamento, centros de mídia e de credenciamento, estacionamentos, áreas para transmissão de partidas e destinadas a atividades de lazer dos torcedores, localizados ou não nas cidades-sede. Ou seja, não é apenas em volta dos estádios das cidades-sede que o monopólio dos patrocinadores pode se impor.
A Associação de Baianas do Acarajé, que conta com três mil filiadas, não gostou nada dessa história e tem se mobilizado e reivindicado o direito de vender a iguaria nos estádios e seus arredores. A FIFA chegou a divulgar uma nota assegurando que o acarajé seria vendido, mas pela empresa que vencesse a licitação… Já imaginou o Mc Acarajé? O Ministério Público da Bahia, por sua vez, fez uma recomendação a autoridades brasileiras federais e estaduais afirmando a importância da comercialização tradicional do acarajé, ou seja, através das baianas, nos seus tabuleiros. Alegando a possibilidade de um “desrespeito à comercialização de um bem imaterial tombado pelo Iphan desde 2004?, o promotor Ulisses Campos disse à imprensa que caso a recomendação não seja acatada, o MP da Bahia poderá acionar a Justiça.
O que a FIFA desconhece é que o acarajé não é apenas um bolinho frito de feijão fradinho, tem muitos outros significados que passam pelo modo de prepará-lo e também de comercializá-lo. Exatamente por isso, é considerado um patrimônio imaterial nacional. Em nota à imprensa divulgada no início deste mês, a FIFA diz que “discute com o Comitê Organizador Local para garantir que os interesses das vendedoras informais, que geralmente vendem o produto dentro do estádio e em seu entorno, sejam incorporados no planejamento do evento (Copa de 2014)”.
O fato é que as determinações contidas na Lei Geral da Copa e no protocolo assinado entre a FIFA e o governo brasileiro têm consequências que extrapolam o âmbito dos estádios e seus entornos. Com relação ao ponto específico da exclusividade de comercialização, isso significa que, na prática, o comércio, sobretudo o ambulante, que faz parte da cultura urbana brasileira e, inclusive, da cultura do nosso futebol, será banido. E isso inclui não apenas a venda do acarajé na Bahia, mas também da tapioca, do churrasquinho, do cachorro-quente, entre muitos outros produtos que compõem a paisagem das nossas ruas e os hábitos de torcedores e cidadãos.
Ou seja, não é porque o acarajé é patrimônio imaterial que se deve abrir uma exceção, e sim porque a determinação contida na Lei Geral da Copa é absurda. A tapioca e o seu modo de fazer, bem como muitas outras iguarias que fazem parte da cultura alimentar do Brasil, apesar de não terem sido formalmente reconhecidos por algum órgão de patrimônio, fazem parte, sim, da cultura do nosso país e são fonte de sobrevivência de milhares de pessoas que vivem da venda destes produtos. Obviamente, a atitude da Associação das Baianas do Acarajé e do MP da Bahia está sendo importantíssima para levantar esta discussão. Já não era sem tempo. Esperamos que os MPs e associações de vendedores ambulantes do país inteiro também se mobilizem e multipliquem essa ação.
—
Salvador e Recife confirmados na Copa das Confederações. E o acarajé? E a tapioca?