“Projeto de Lei deve ouvir povos indígenas sobre mineração, diz antropólogo”: reportagem especial por Elaíze Farias (7)

Luis Donisete Benzi Grupioni

Rede que congrega organizações indígenas e indigenistas da Amazônia divulga manifesto pedindo consultas mais adequadas

Aldeia Watoriki, Barcelos (AM) , 02 de Novembro de 2012

Organizações indígenas e indigenistas que compõem a Rede de Cooperação Alternativa (RCA) divulgaram um manifesto contra a aprovação do relatório da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas. O manifesto foi elaborado em uma reunião em Boa Vista (RR), logo após a realização da Assembleia Geral da Hutukara Associação Yanomami, no mês passado.

A nota diz que a Comissão não realizou consultas aos povos indígenas por meio de suas organizações representativas e mediante  procedimentos  adequados, conforme  determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Também não respeitou o disposto na Constituição Federal, nos artigos 176 e 231, especificamente no que se refere à manifestação do interesse nacional e à oitiva aos  povos indígenas na exploração mineral em Terra Indígena.

As organizações pedem que o Congresso Nacional desenvolva mecanismos adequados para o cumprimento da obrigação de consultar os povos indígenas sobre medidas legislativas que os afetem diretamente e avance na aprovação do Projeto de Lei do Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2057/91), que regulamenta o tema, em tramitação há mais de 20 anos.

Leia a seguir entrevista com Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e secretário da Rede de Cooperação Alternativa (RCA), que congrega 10 organizações indígenas e indígenas na Amazônia brasileira.

Que análise você faz da nova versão do PL 1610/96?

A principal falha deste projeto é que se as comunidades de uma terra indígena disserem não às propostas de mineração, uma comissão de deputados, senadores e alguns técnicos do governo decide qual a empresa que fará a mineração. A proposta do relator também não diz em que condições a exploração mineral, que é altamente impactante, não poderá acontecer, como na proposta da CNPI, no Art. 90. O Relatório atual do PL 1610/96 ignora os avanços que foram obtidos na proposta aprovada pela Comissão Nacional de Política Indigenista  para o novo Estatuto dos Povos Indígenas (CNPI), de 2009, que trata do tema da mineração em terras indígena. A proposta da CNPI garante que se as comunidades a serem afetadas pela mineração não concordarem com a atividade o requerimento será arquivado.

A proposta do relator também não diz em que condições a exploração mineral, que é altamente impactante, não poderá acontecer, como na proposta da CNPI, no Art. 90. E mais, não define o interesse nacional, que é uma condição que está na Constituição

Você espera que a Comissão realize consulta?

Nós esperamos, sim, que a Comissão promova um amplo processo de consulta. Isso é uma exigência da Convenção 169, que foi aprovada pelo Congresso Brasileiro em lei e sancionada pela presidência da República. Ali se estabelece que toda lei que possa afetar os povos indígenas deverá ser objeto de consulta, livre prévia e informada aos povos indígenas. Como o Brasil pode aprovar essa Convenção como parte de sua legislação e, em seguida, desrespeitá-la?

Você espera que a Funai pressione a Câmara para que os indígenas sejam consultados?

Esperamos que a Funai, a presidência da República, o Itamaraty e o Ministério Público exijam do Congresso Nacional o cumprimento da Convenção 169. Caso contrário, as organizações representativas dos povos indígenas no Brasil poderão apresentar uma reclamação formal à OIT, por descumprimento da Convenção. Nesse momento, o governo brasileiro deu início a um amplo processo para regulamentar o direito de consulta prévia. Assim, a primeira coisa que os deputados deveriam estar interessados era regulamentar como se dará a consulta em relação às medidas legislativas.

De que forma esse Substitutivo pode comprometer os povos indígenas?

A mineração é uma atividade de alto impacto, não só ao meio ambiente, mas também às comunidades que vivam próximas das áreas em que esta atividade é realizada. Além do impacto direto, há outros, como a necessidade de abrir estradas para escoar a produção, utilizar águas fluviais, promover desmatamento para essas atividades. Ora, tudo isso é danoso ao meio ambiente e terá impacto na vida e na sobrevivência dos índios, principalmente na Amazônia. O deputado Édio Lopes se esqueceu de definir em seu projeto o interesse nacional, abrindo a mineração indiscriminada em todas as terras indígenas que possuam minérios. A oitiva das comunidades indígenas deverá ocorrer em cada caso específico de interesse de mineração. Tudo isso está muito mal resolvido no relatório do relator e, por isso, esperamos que ele não prospere e que a bancada do governo cumpra o acordo feito e esquecido com o movimento indígena de tratar esse tema no âmbito da tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas.

Esta versão se difere do PL original em algum item?

Não tive tempo de analisar isso. Nós esperávamos que o tema da mineração fosse tratado no âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas, que tramita há mais de 20 anos no Congresso Nacional. Acho uma lástima que o Senador Romero Jucá, que inclusive já foi presidente da Funai, não tenha usado seu capital político a favor da aprovação do Estatuto, que regulamenta vários direitos indígenas, mas esteja empreendendo esforços somente para aprovar a mineração nas terras indígenas. É a velha história do interesse econômico passando por cima de tudo, principalmente dos direitos.

Veja, a Constituição prevê a mineração em terras indígenas, mas o faz de modo condicionado: é preciso ser regulamentada em lei, é preciso que seja no interesse nacional, é preciso ouvir as comunidades afetadas. O Dep. Édio Lopes se esqueceu de definir em seu projeto o interesse nacional, abrindo a mineração indiscriminada em todas as terras indígenas que possuam minérios. A oitiva das comunidades indígenas deverá ocorrer em cada caso específico de interesse de mineração. Tudo isso está muito mal resolvido no relatório do relator e por isso esperamos que ele não prospere e que a bancada do governo cumpra o acordo feito e esquecido com o movimento indígena de tratar esse tema no âmbito da tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas.

No caso específico dos yanomami, esta proposta pode provocar uma ameaça a eles e à sobrevivência?

O garimpo ilegal, clandestino, causou inúmeras mortes e sofrimento aos yanomami, povo que já correu risco de genocídio. A mineração poderá novamente representar um sério risco a sua sobrevivência. Os yanomami já se manifestaram inúmeras vezes contra a mineração em seu território. É preciso respeitar os direitos dos povos indígenas, entre eles o da consulta prévia, e o de não aceitarem que seu território seja aberto para o desmatamento e para a mineração.

Como você acha que devem ser as discussões?

Então, eu vi uma entrevista na televisão em que ele diz que os índios vão ser consultados mas que a decisão cabe ao congresso. Acho que o deputado precisa, ao assumir um posto de relator como esse, estudar profundamente a legislação indigenista do país. Primeiro se ater a Constituição, coisa que no meu entender ele não fez, ao não especificar o interesse nacional como condição para a exploração mineral em terras indígenas. Depois, pela OIT, qualquer projeto de legislação tem que ser objeto de consulta aos povos indígenas, em um processo que precisa ser acordado antes (como vai ser a consulta, quantas reuniões, quem vai ouvir os índios, que índios serão ouvidos, etc). Depois é preciso regulamentar claramente como se dará a consulta a cada pedido de mineração numa terra indígena e como o Congresso fará para ouvir as comunidades indígenas, antes de dar a licença. Ora nada disso está bem resolvido no projeto do deputado Édio Lopes. A pressa em liberar as terras indígenas para a mineração faz com que o substitutivo tropece na lei e fira direitos constitucionais.

O DNMP tem uma lista de empresas com pedidos de pesquisa na área dos yanomami. O que você acha?

No meu entender todos esses pedidos devem ser cancelados, uma vez que a Constituição diz que a regulamentação da mineração em TIs exige lei complementar. Então não há porque considerar pedidos de pesquisa que foram feitos de modo a garantir um suposto direito de antecedência das empresas. Isso é pura má-fé, esperteza que não convive bem com o Estado de Direito. Por sinal, a filha do senador Romero Jucá entrou com pedidos de pesquisa recentemente. No meu entender essa é outra falha do substitutivo do relator, deveria dizer algo sobre isso. Algo do tipo: “são nulas e não produzem efeitos jurídicos todas as solicitações de pesquisa em Terras Indígenas registradas no DNPM antes da aprovação dessa lei”. Isso ele não escreveu, mas deveria. Isso também pode ser resolvido pela presidente Dilma. Basta ela mandar o DNPM dar um olé nesses pedidos de má-fé, porque eles não são outra coisa.

Perfil: Luis Donisete Benzi Grupioni

Idade: 48

Formação: Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP)

Atividades: Coordenador Executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e secretário da Rede de Cooperação Alternativa (RCA).

Outras experiências: É representante da sociedade civil na Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação e do Colegiado Setorial de Culturas Indígenas do Ministério da Cultura

http://acritica.uol.com.br/amazonia/Projeto-Lei-indigenas-mineracao-antropologo-Aldeia_Watoriki-Amazonia-Amazonas-Manaus-terras_indigenas_0_802719820.html

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