Guarani Kaiowá: Vice-procuradora da República diz ser preciso garantir presença do Estado em áreas de conflito

Por Luana Luizy,

de Brasília (DF)

Lideranças indígenas das etnias Kaiowá Guarani e Terena, do Mato Grosso do Sul, se reuniram na tarde desta segunda-feira, 29, com a vice-procuradora geral da República Deborah Duprat, na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília. “É preciso garantir a presença do governo federal nas áreas de conflito. Em questão de políticas públicas a área de retomada precisa ser prioritária em saneamento, saúde, instalações provisórias e escolas”, defende Deborah Duprat.

A questão da segurança das comunidades, morosidade na demarcação de terras e denúncia de ameaças contra os indígenas foram os principais assuntos do encontro. “Estamos diante da situação mais complicada da demarcação de terras indígenas (TI) do país, pois há na região uma forte resistência política e econômica”, declara Deborah Duprat. A taxa de homicídios em Mato Grosso do Sul é alarmante e chega a 140 para cada 100 mil habitantes, superando países em estado de guerra, como o Iraque.

“Para acabar a violência é preciso demarcar terra e a Funai divulgar o relatório final do Grupo de Estudo. O Estado não respeita nosso direito e não considera que somos cidadãos. O governo já deixou bastante claro e não vai apoiar a questão indígena”, afirma Otoniel Ricardo, membro da Aty Guasu e do Conselho Continental Guarani.

“A gente não escuta indígenas que mataram fazendeiros, mas o contrário sim. Solicitamos a Força Nacional segurança na região, mas não tivemos resposta até agora”, afirma Lindomar Terena.

A morosidade na demarcação de terras é uma das principais causas da violência na região. Nos últimos anos pouco se avançou no reconhecimento das terras indígenas. Dois motivos ganham destaque: o grupo técnico da Funai é impedido de entrar nas fazendas para a realização dos estudos e o governo federal não se empenha em fortalecer o trabalho do órgão indigenista, aliando-se ao latifúndio.

“Há um racismo institucional, o Estado que coloca suas instituições contra os índios, exige da Funai cautela. Seria uma injustiça responsabilizar apenas a Funai. O Judiciário também é culpado, cada vez que se avança em algo, temos uma decisão judicial contrária aos direitos indígenas”, reitera a vice-procuradora.

“No nosso tekoha continuamos na margem do rio ou vamos sair para cima e terminar a retomada. Se os fazendeiros e pistoleiros atacarem, nós não vamos sair”, conta o Líder Lopes, de Pyelito Kue. No caso dessa terra indígena a ação judicial que determina a saída permanece e os indígenas podem ser despejados a qualquer momento. O MPF e a Funai entraram com recurso, mas o caso aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 3° Região (TRF-3).

Suicídios: situação intermitente

Nos últimos dias interpretações equivocadas sobre a carta da comunidade de Pyelito Kue circularam na grande mídia e redes sociais. Na carta os indígenas Guarani Kaiowá denunciam a morte coletiva efetuada pela Justiça brasileira, caso a ordem de despejo decretada pela Justiça de Narivaí (MS) seja realizada. Não falam em suicídio coletivo. Porém, a violência que acomete esse povo perpassa por um número elevado de suicídios – sobretudo ente os jovens

Na madrugada do último sábado, 27, o jovem Guarani Kaiowá Agripino da Silva, de 23 anos, se matou. Entre 2000 e 2011 foram 555 suicídios entre os Kaiowá e Guarani motivados por situações de confinamento, falta de perspectiva, violência, afastamento das terras tradicionais e vida em acampamentos às margens de estradas. Nenhum dos referidos suicídios ocorreu em massa, de maneira coletiva, organizada e anunciada. “Não tem oportunidade para a gente crescer, tem que ter um projeto voltado para nosso povo”, diz Otoniel.

Outro caso de violência dá conta de denúncia feita por uma jovem de Pyelito Kue. A indígena afirma ter sido violentada por um grupo de pistoleiros em Iguatemi. A polícia investiga o caso depois que a perícia médica confirmou o estupro. “A paciência dos Guarani Kaiowá acabou. As comunidades decidiram partir para a ação mesmo. Na mídia só se anuncia a questão do suicídio coletivo, mas não colocam a razão. Para os fazendeiros é mais fácil falar que são os indígenas que estão se matando, mas na verdade está acontecendo um genocídio por parte da Justiça e do Governo”, diz Eliseu Lopes Guarani Kaiowá e representante do povo na Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib).

A morte do cacique Nísio Gomes, tekoha Guaiviry que teve seu acampamento invadido por homens armados, onde o sequestraram o corpo, até hoje desaparecido, também foi lembrado na reunião com a presença de seu filho. “Vai fazer um ano que meu pai está desaparecido. Os mandantes estão soltos, mas os executores estão presos, queremos resultado, alguma coisa, pelo menos algum osso. Meu pai deixou sangue na nossa terra e não vamos sair de jeito nenhum”, conta Genito Gomes.

Nos últimos dez anos, os Guarani Kaiowá ocuparam apenas dois mil hectares de terras, sendo que apenas três terras indígenas foram homologadas. Conforme o último censo do IBGE (2010), o povo é composto por 43 mil indígenas, sendo a segunda maior etnia do país os Tikuna (AM) são 46 mil.

Kadiwéu

Durante a reunião, os Guarani Kaiowá e Terena lembraram da luta travada pelos Kadiwéu contra os invasores de suas terras – demarcadas há mais de 100 anos e homologadas há pelo menos 30. Os indígenas retomaram, durante este ano, 23 fazendas situadas dentro da terra indígena como meio de sensibilizar a sociedade e solucionar o problema.

A área de retomada é um dos principais focos de violência e conflitos entre pistoleiros. “Os fazendeiros já decretaram o derramamento de sangue, mas nós não vamos sair de nossa terra. Enquanto não tiver demarcação definitiva não vai minimizar os problemas”, reitera Eliseu.

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