Vanessa Lima
Um professor do curso de Agronomia da Universidade Estadual de Roraima (UERR) que ministra aula no município de Normandia é acusado de racismo e preconceito contra os povos indígenas. Em um comentário postado no grupo de discussão criado pela Seção Sindical dos Docentes da UERR (Sinduerr) em uma rede social, o docente teria dito que os indígenas “fediam mais que urubu”.
A Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur) protocolou pedido de providencias junto à Fundação Nacional do Índio (Funai), que encaminhou o caso para que a Seção Indígena da Advocacia-Geral da União (AGU) adote as medidas cabíveis.
Assinado pelo presidente da Sodiur, Lupedro Abel Mesquita, no documento a liderança, em nome dos povos indígenas, repudia e denuncia a “atitude desumana, preconceituosa e racista do professor” que,“ao postar na rede de relacionamento da internet (Facebook) comentários de suas atividades de docência que exerce naquela instituição, referiu-se aos indígenas de forma pejorativa e racista”.
As declarações feitas pelo docente também foram entregues às autoridades. O comentário é extenso e nele o professor relata o que seriam “as aventuras para ministrar aulas no município de Normandia”. Ele disse que desde quando a UERR decidiu ofertar vagas para o curso de Agronomia no município, no final do ano passado, se reuniu com a Reitoria da instituição para argumentar sobre a falta de estrutura no local.
Segundo o professor, uma sala antiga da primeira escola do município que é utilizada pelos alunos teria problemas de ventilação, com apenas dois ventilados de parede e cadeiras antigas. Além disso, faltariam materiais e equipamentos para ministrar as aulas.
O docente relata ainda que, para chegar até a unidade da UERR em Normandia, até uma certa parte do trecho o ônibus disponibilizado é confortável, com ar-condicionado. O restante da viagem é feita em um transporte “velho e bem desconfortável”. “Quando entramos na estrada de chão, o ônibus parece uma bateria de escola de samba, demora em torno de 1 hora e 50 minutos até chegar a Normandia, sacudindo que nem pipoca”, disse no comentário.
Ele relata que no período de seca é necessário andar nas primeiras poltronas do ônibus devido à poeira. Já no inverno, quando os vidros precisam ser fechados, seria um “desespero, pois já tive várias situações de crianças indígenas que nunca andaram de ônibus provocarem. senhoras entrando com o chinelo melado de bosta, isso mesmo, fezes. Além disso, é comum indígenas entrarem bêbados, fedendo mais que urubu”.
UERR – Via assessoria de comunicação, a UERR informou que recebeu a denúncia e encaminhou para a Comissão Permanente de Disciplina e Ética que irá produzir relatório sobre o caso. “O mínimo que deveria acontecer era ele se retratar”, destacou o presidente da Sodiur
SODIUR – As declarações indignaram o presidente da Sodiur que exigiu providências urgentes e punição do professor na forma da lei. “Não admitiremos que atitudes e/ou palavras de quem quer que seja venham afrontar e ferir a honra e a dignidade dos povos indígenas”, destacou no documento protocolado também junto À UERR.
“Ele foi muito infeliz no comentário. Tratou como se só os indígenas ficassem bêbados e fedessem. Isso é uma afronta aos nossos direitos como pessoas, como indígenas. Por ser um professor universitário que ministra aula para indígenas e não indígenas, ele não poderia ter tido esse tipo de atitude. Acreditamos que o sindicato poderia ter vetado esse tipo de comentário preconceituoso, pois a publicação foi na página do Sinduerr, e não na página pessoal dele. O mínimo que deveria acontecer era ele se retratar”, disse Abel.
No Município de Normandia, a instituição de ensino superior tem unidades no Truaru, Contão e Surumu. Conforme o presidente da Sodiur, o comentário do professor que trabalha na localidade refletiria até o posicionamento de outros docentes que não aceitariam que a UERR chegue às comunidades indígenas.
“São professores que não querem sair da cidade, mas eles precisam ter a noção de que a UERR é estadual, precisa atender em nível de Estado. Essa é a missão da universidade. São pessoas sem preparo social, que não sabem que o ensino tem que chegar até os mais humildes”, destacou Lupedro Abel Mesquita.
O vice-diretor da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual de Roraima (Sinduerr), André Augusto da Fonseca, esclareceu que o grupo de discussão, que é aberto e informal, não foi criado oficialmente pela direção da entidade. Por isso, apesar de ainda não ser filiado, o professor teve acesso à página criada em uma rede social.
“Foi um desabafo de um professor que não é da direção da Sinduerr e nem filiado. A questão que ele levantou é a falta de estrutura do curso de Agronomia na região que tem prejudicado alunos e professores, esse era o foco da manifestação dele. Só que ele se equivocou ao fazer a descrição do trajeto dele. Alguns professores, inclusive eu, pontuamos que ele usou palavras inadequadas e pedimos que ele revisse ou retirasse a publicação. No mesmo espaço, ele pediu desculpas”, informou Augusto.
Ele afirmou ainda não ter como apagar as publicações feitas no grupo de discussão. “Não temos como apagar a publicação. Só quem pode tirar é a pessoa que criou a postagem”, comentou.
O representante da Sinduerr pontuou ainda que a manifestação do docente seria um posicionamento pessoal e não refletiria a opinião da entidade de classe. “Lamentamos o mal-entendido. Assim, a gente acredita que o professor, ao ter pedido desculpa no mesmo espaço, tenho colocado um fim a isso”, disse.
“A postura política de todos os integrantes da direção do sindicato é uma postura progressista e, em Roraima, implica no apoio à causa indígena. Não há nenhuma pessoa na direção do sindicato que endosse qualquer posicionamento preconceituoso ou contrário aos direitos constitucionais dos povos indígenas”, frisou.
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Enviada por Tsitsina.
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