Viúva de vítima de intoxicação por chumbo não pode sacar crédito sem demonstrar necessidade

Lourdes Tavares/CF

Sem demonstração de real estado de necessidade, viúva de vítima de intoxicação por chumbo não poderá levantar a importância de 60 salários mínimos do depósito existente nos autos. A decisão foi da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que deu provimento ao recurso da Anglogold Ashanti Córrego do Sítio Mineração S.A., cancelando, assim, a autorização que havia sido dada pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais.

Para o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), não havia impedimento para aplicar o artigo 475-O, parágrafo 2º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). Esse dispositivo assegura o levantamento de dinheiro, em execução provisória, nos casos de crédito de natureza alimentar até o limite de 60 vezes o valor do salário mínimo, desde que o autor da ação de execução demonstre situação de necessidade.

Por se tratar de crédito de natureza alimentar decorrente da relação de emprego, o TRT da 3ª Região presumiu o estado de necessidade da autora e autorizou que ela sacasse, do depósito existente nos autos, o valor de seu crédito, observado o limite legal. No entanto, para a Sexta Turma do TST, que aplicou entendimento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), o estado de necessidade, nesse caso, não pode ser presumido.

O ministro Augusto César Leite de Carvalho, relator do recurso de revista, explicou que a SDI-1, em decisão de 17/2/2011, concluiu, por maioria, pela inaplicabilidade, na Justiça do Trabalho, daquele dispositivo do CPC. Apesar disso, o ministro ressaltou que restou uma possibilidade de aplicação, quando a SDI-1 sinalizou “no sentido de compreender que tal aplicação subsidiária do CPC somente se justificaria se revelado o estado de necessidade do credor de salários”.

Esse foi o ponto que fez a Sexta Turma reformar a decisão regional. Conforme explicou o relator, diferentemente do decidido pelo Tribunal Regional de origem, não se pode presumir de forma absoluta o estado de necessidade da autora e dispensá-la da exigência de caução prévia para o levantamento do depósito. O TRT facultara à viúva, sem ter havido pedido dela, ou seja, ex officio, o levantamento do depósito. Nesse sentido, o ministro frisou que o inciso I do artigo 475-O do CPC dispõe que a execução provisória da sentença flui por iniciativa do exequente.

O relator destacou que para aplicar a exceção prevista no CPC em relação à dispensa de caução para o levantamento de importância de até 60, salários mínimos, cujos créditos possuem natureza alimentar ou são decorrentes de ato ilícito, “faz-se necessária a demonstração pela autora de que seu real estado de necessidade, ou seja, de que a sua subsistência ou de sua família, bem como naqueles casos de doença grave, depende do provimento jurisdicional”.

Irreversível

O auxiliar de laboratório recebeu o diagnóstico de insuficiência renal crônica, com necessidade de diálise três vezes por semana, causada por contaminação pelo chumbo, em maio de 2002. No mesmo ano, ajuizou a reclamação, vindo a falecer em julho de 2008 aos 35 anos de idade, mas já estava doente gravemente desde os 29. Na inicial, contou que prestou serviços para a empresa no período de 10/3 e 15/10/1997.

Lá, exerceu atividades de lavagem de provetas e tubos de ensaios utilizados na análise do teor do ouro proveniente das minas da Mineração Morro Velho – a  Anglogold Ashanti Córrego do Sítio Mineração S.A. foi a sociedade empresária que incorporou a Anglogold Ashanti Brasil Mineração Ltda, que já havia incorporado a Mineração Morro Velho Ltda.

Uma das substâncias utilizadas para a análise do ouro era o chumbo em pó, que ficava suspenso no ar, contaminando o empregado através da respiração e da absorção pela pele, causando-lhe doença profissional que atrofiou os rins a tal ponto que um teve que ser extraído e o outro, já em 2002, só funcionava com 30% da sua capacidade, tendo ele que submeter-se à hemodiálise.

Quando foi admitido na empresa, o trabalhador fez exame de dosagem de chumbo no sangue que evidenciou valor normal – de 24,8 mcg/dl. Ao ser demitido, foi realizado exame demissional, mas não a medição de dosagem do chumbo. Por meio de laudo pericial, o TRT verificou que a exposição aguda ao chumbo provoca lesões irreversíveis em ossos e rins, podendo progredir com gravidade extrema se o paciente não for submetido a tratamento.

Ao condenar a empresa ao pagamento de R$ 60 mil por danos morais, o TRT/MG julgou que ela se mostrou negligente ao não fazer o exame de chumbo quando demitiu o empregado, e que essa atitude é gravíssima, exigindo a reparação à autora. Por fim, salientou que os R$ 60 mil eram um valor razoável para “desestimular a ré a proceder com descaso para com seus empregados, que colocam em risco suas vidas para proporcionar à empresa o alcance de seus objetivos”.

TST

Ao examinar o recurso de revista, a Sexta Turma do TST deu provimento ao apelo da empresa apenas para excluir da condenação a faculdade conferida à autora de levantar a importância definida pelo TRT. Quanto ao valor da indenização por danos morais, a decisão foi mantida inalterada.

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