Igor Martins Coelho Almeida[1]
Findo os dois mandatos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e também dos dois Planos Plurianuais (PPA´s) de seu governo (2004-2007 e 2008-2011), podemos traçar um perfil de sua gestão no que tange à política de reforma agrária e a política agrícola, tão questionadas por movimentos sociais do campo ao longo dos últimos anos. Tratam-se de dados oficiais, disponíveis do Portal da Transparência do Governo Federal.[2]
A metodologia utilizada para a consolidação dos dados se deu através dos PROGRAMAS do governo federal, que estão espalhadas por toda a estrutura de governo. Assim, evitamos discutir orçamento dos órgãos da administração direta vinculados direta e indiretamente com tais políticas, pois, estes orçamentos agregam valores relacionados a atividades-meio (como despesas de pessoal e com serviços de terceiro que nada tem a ver com a atividade fim do órgão). Desta forma, podemos verificar apenas os valores gastos diretamente pelo governo federal com as atividades finalísticas.
Pôde-se observar também que alguns programas foram substituídos (ou até mesmo extintos) ao longo dos anos. Assim, para ser o mais fiel possível à análise dos dados e não correr riscos de deixar algum programa relacionado com as temáticas fora de exame, analisamos todos os programas e suas definições.
Assim, feitas essas observações iniciais, passemos à análise mais detida.
OS “PROGRAMAS” DAS POLÍTICAS AGRÁRIA E AGRÍCOLA DO GOVERNO FEDERAL
Na leitura do presente artigo, é fundamental termo em mente quais são esses programas do Governo Federal, e aonde elas estão encaixadas (política agrária ou política agrícola).
Os Programas de Governo relacionados com a Política Agrária são os necessários para a criação de projetos de assentamento de reforma agrária, aquisição de terras destinadas aos trabalhadores rurais, o georreferenciamento dos imóveis rurais, a indenização aos proprietários desapropriados, etc.
Já os Programas de Governo relacionados com a Política Agrícola são os que estão relacionados com o fortalecimento dos assentamentos rurais já criados, bem como o incentivo à sustentabilidade dos mesmos, bem como o fomento à produção, para que os trabalhadores e trabalhadoras rurais possam produzir de maneira sustentável.
PRIMEIRO PPA – POLÍTICAS DO CAMPO NOS ANOS DE 2004 E 2007
No orçamento gestado no governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (2004), o gasto total do Governo Federal em Programas de políticas públicas foi na ordem de R$ 732.430.151.665,43 (setecentos e trinta e dois bilhões quatrocentos e trinta milhões cento e cinquenta e hum mil seiscentos e sessenta e cinco reais e quarenta e três centavos).
Se somarmos todos os gastos com as políticas agrária e agrícola do Governo Federal no ano de 2004, chegamos ao montante de R$ 713.384.184,12 (setecentos e treze milhões trezentos e oitenta e quatro mil cento e oitenta e quatro reais e doze centavos), o que representou 0,09% de todos os gastos realizados pela União.[3]
Desse valor, mereceram destaque três programas: dois no campo das políticas agrárias, e outro no campo das políticas agrícolas.
No Programa de Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais (responsável por crédito de instalação de famílias em assentamentos; obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária; obtenção de terras; e implantação de projetos de assentamentos rurais) foram investidos pouco mais de 445,5 milhões de reais. Já o Programa de Regularização e Gerenciamento da Estrutura Fundiária (inclui ações de Gerenciamento e Fiscalização do Cadastro Rural; Georreferenciamento dos Imóveis Rurais; regularização fundiária de imóveis rurais; e reconhecimento de quilombos), teve executado cerca de 17,7 milhões de reais.
No campo das políticas agrícolas, em 2004 merece atenção especial o Programa de Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária. Este programa possibilitou ações de assistência técnica e capacitação de assentados – ATES; concessão de crédito de instalação; e recuperação, qualificação e emancipação de projetos de assentamentos rurais. Foram investidos aqui mais de 149,7 milhões de reais.
Já no ano de 2007 (findando o primeiro Plano Plurianual do Governo Lula), os gastos diretos do Governo Federal, em todos os programas, chegaram à ordem de R$ 938.780.222.770,44(novecentos e trinta e oito bilhões setecentos e oitenta milhões duzentos e vinte e dois mil setecentos e setenta reais e quarenta e quatro centavos). Com os Programas de políticas agrárias e agrícolas foram gastos R$ 1.788.943.294,05 (hum bilhão setecentos e oitenta e oito milhões novecentos e quarenta e três mil duzentos e noventa e quatro reais e cinco centavos), o que representou cerca de 0,19% dos gastos totais do Governo Federal. Em números absolutos, podemos perceber, claramente, um aumento nos investimentos realizados para a reforma agrária e para o aumento à produção do pequeno produtor, do trabalhador rural.[4]
Nos programas agrários, mais uma vez mereceram destaque Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais[5] e Regularização e Gerenciamento da Estrutura Fundiária. O primeiro recebeu investimentos de pouco mais de 1,1 bilhão de reais. Já o programa de Regularização e Gerenciamento contou com 25 milhões. Já no campo das políticas agrícolas, o programa de Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária recebeu cerca de 344,5 milhões de reais
Importante destacar que, apesar do aumento de recursos, um programa foi extinto do orçamento do Governo Federal no ano de 2007: o Programa Novo Mundo Rural Consolidação de Assentamentos, que, em 2004 recebeu mais de 34 milhões de reais em investimentos e era responsável por acompanhar ações de instalação de projetos em assentamentos rurais, fornecer assistência técnica e capacitação a assentados, realizar ações de estruturação de assentamentos rurais, dentre outras.
AS POLÍTICAS DO CAMPO NO FIM DO GOVERNO LULA
Em 2011, último ano do segundo Plano Plurianual do Governo Lula, percebemos claramente uma mudança drástica de rumos na política de reforma agrária.
De forma contrária ao que vimos nos anos anteriores, o Governo cortou drasticamente os investimentos na área da reforma agrária. Os dados dos programas apresentados no Portal da Transparência atestam isso.
No ano passado, os gastos totais do Governo Federal ultrapassaram a marca de um trilhão de reais. Foram exatamente R$ 1.287.039.901.646,72 (hum trilhão duzentos e oitenta e sete bilhões trinta e nove milhões novecentos e um mil e seiscentos e quarenta e seis reais e setenta e dois centavos).
Os gastos com as políticas agrária e agrícola neste ano somaram R$ 3.690.769.355,62 (três bilhões seiscentos e noventa milhões setecentos e sessenta e nove mil trezentos e cinquenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), o que representou cerca de 0,25% de todos os investimentos do Governo Federal naquele ano.
À primeira vista, os números parecem bem positivos, afinal, nos oito anos do governo Lula, a participação das políticas do campo nos investimentos direitos do Governo saltaram de 0,09% para 0,25%, alcançando o montante de mais de 3,6 bilhões de reais.
Contudo, os números, analisados de acordo com os programas, mostram uma tendência de considerável aumento dos gastos em políticas de agricultura familiar (política agrícola) e uma drástica redução dos programas destinados à reforma agrária (política agrária).
Os investimentos realizados no Programa Agricultura Familiar – PRONAF somaram mais de 2,5 bilhões de reais, o que, sem dúvida, é um avanço para o fortalecimento e a permanência do homem que já está assentado. No programa Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamento[6] foram consumidos 676,5 milhões de reais.
Em todos os programas executados pelo Governo Federal em 2011, apenas dois estavam relacionados à reforma agrária (seja por desapropriação, seja por aquisição de terras). Eram eles: Assentamentos para Trabalhadores Rurais[7] e o programa Crédito Fundiário.
No primeiro (Assentamentos) foram investidos apenas R$ 82.806.623,54 (oitenta e dois milhões oitocentos e seis mil seiscentos e vinte e três reais e cinquenta e quatro centavos). Um valor bem distante dos mais de 264 milhões de reais gastos com as mesmas ações em 2007. Apenas a título de comparação: naquele ano, só a ação Obtenção de Imóveis Rurais para Reforma Agrária demandou mais de 199 milhões de reais em investimentos do Governo Federal.
No programa de Crédito Fundiário, foram gastos pouco mais de 283,5 milhões de reais. Em 2007, o valor gasto foi de pouco mais de 107 milhões de reais.
Importa ressaltar uma diferença importante entre estes dois programas. O primeiro (Assentamento) reflete os investimentos do Governo no processo de desapropriação de áreas e imóveis rurais que não estão cumprindo sua função social, para que os mesmo sejam destinados à reforma agrária, repassados assim aos trabalhadores, SEM NENHUM ÔNUS OU CONTRAPRESTAÇÃO.
Já o Programa do Crédito Fundiário[8] é voltado para AQUISIÇÕES de terras por parte dos trabalhadores. O Governo compra as terras dos fazendeiros, pagando valor de mercado, e essa dívida é posteriormente repassada aos trabalhadores rurais, que arcarão com prestações anuais a serem pagas aos bancos de fomento, restando, destarte, PESADO ÔNUS naquilo que deveria ser uma política pública gratuita.
A RETOMADA DO CAMINHO
Assim, tais números manifestam como o Governo Federal tem (des)tratado a reforma agrária nos últimos anos. Não por acaso, após um período de certa “tranquilidade” durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, os movimentos sociais do campo voltaram a fazer grandes manifestações exigindo uma política séria de reforma agrária no país, que atenda aos interesses dos trabalhadores rurais, e não dos fazendeiros e latifundiários.
Exemplo disso tem sido o retorno do chamado Abril Vermelho, realizado pelo Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) anualmente, ocupando imóveis rurais que não cumprem seu função social, a fim de forçar maior celeridade do governo no processo de reforma agrária.
Além disso, os movimentos campesinos tem se articulado para, conjuntamente, pressionarem o Estado Brasileiro nesse sentido. Sem-Terras, quilombolas, indígenas, pescadores, camponeses, dentre outros, tem arquitetado manifestações conjuntas. Entre os dias 20 e 22 de agosto de 2012 foi realizado, em Brasília, o Encontro Unitário de Povos do Campo, das Águas e Florestas, reunindo cerca de 7 mil pessoas. Na carta final, os participantes reafirmaram, principalmente, a “reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária”.[9]
Ademais, durante três meses do ano de 2012, vários servidores públicos federais entraram em paralisação por melhores salários. Entre eles, encontravam-se os servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Além de reposição salarial, os servidores também afirmavam a necessidade do Governo em investimentos no fortalecimento do órgão, para que ele cumpra sua função institucional: realização da reforma agrária.
Os números do Portal da Transparência atestam a redução dos gastos do órgão fundiário ao longo dos últimos anos.
Em 2007, o INCRA realizou despesas na ordem de 2,1 bilhões de reais; em 2009, os gastos avançaram, e somaram cerca de 2,3 bilhões de reais.
Contudo, em 2011 os gastos do Governo Federal no INCRA tem a primeira redução. Vale ressaltar que, mesmo estando no primeiro ano do Governo Dilma, os gastos do INCRA ainda estavam vinculadas ao segundo PPA do Lula.
O valor gasto pelo órgão fundiário federal na realização de suas atividades no ano passado foi de apenas 1,8 bilhão de reais, uma redução 500 milhões de reais em comparação com 2009. Essa redução equivale a 6 vezes os valores gastos com o programa de Assentamentos para Trabalhadores Rurais no ano passado.
Portanto, o Governo Federal vem adotando uma postura de expansão e fortalecimentos dos territórios e assentamentos já criados, proporcionando aos trabalhadores e trabalhadoras condições, para, em tese, condições de se desenvolverem.
Por outro lado, a política de aquisição de terras vem sofrendo um revés nos últimos quatro anos. Não é à toa que as manifestações de trabalhadores, camponeses e quilombolas vêm se intensificando, haja vista um fortalecimento da política de agronegócio em detrimento da política de reforma agrária.
Faz-se necessário e urgente que os movimentos sociais do campo reforcem a luta pela realização da reforma agrária de modo amplo, geral e irrestrito, com a desapropriação de terras e propriedades que não cumpram a sua função social, como preceitua a Constituição federal, sem qualquer ônus para os trabalhadores.
[9] O texto completo da Declaração do Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo, das Águas e das Florestas pode ser lida em <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/declaracao-do-encontro-nacional-unitario-dos-trabalhadores-e-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestas/>
http://blogoutrosolhares.blogspot.com.br/2012/10/o-governo-lula-e-questao-agraria.html