Por Andrea Dip
Fausto Mota questiona a lógica da cidade-negócio e a relação entre UPPs e especulação imobiliária no Rio em tempos de megaeventos
Qual é a relação entre as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) cariocas, a especulação imobiliária, remoções de comunidades inteiras, grandes empreiteiras e a Copa do Mundo no Brasil? É isso que os cineastas Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Campos se dispuseram a descobrir e costurar no documentário ‘Domínio Público’.
Feito de forma totalmente independente e com a possibilidade de se tornar um longa-metragem – o projeto está no site Catarse para financiamento coletivo –, o filme sugere que o Rio de Janeiro, assim como outras cidades que sediarão a Copa, está se tornando cada vez mais uma cidade a serviço de empreiteiras e grandes negócios.
Mesmo assim, o diretor não acha viver no Rio a maravilha que essas empresas vendem para os gringos. Em entrevista ao Copa Pública, Fausto Mota diz que os cariocas vivem sob o regime do medo do tráfico, da polícia ou da milícia e que muitas vezes não têm coragem de denunciar, ou tocar em assuntos polêmicos com medo de morrer. Leia a entrevista e veja o mini documentário acima:
Quem produziu, dirigiu, idealizou o filme? O que motivou vocês a fazer este doc?
O filme foi produzido por Fausto Mota e idealizado/dirigido por ele, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro. A motivação veio de indagações a respeito do projeto das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Começamos a nos questionar sobre a escolha dos locais para instalação das unidades e a valorização imobiliária inerente ao processo. A partir disso, passamos a pesquisar material sobre o tema e percebemos que o buraco era bem mais profundo do que a gente pensava. As UPPs são a ponta do iceberg de um projeto de cidade muito perigoso…
O que mais chocou vocês durante este processo?
Sem sombra de dúvidas, a maneira cruel e desumana como é feita a remoção das pessoas de comunidades localizadas em áreas de forte interesse imobiliário. Famílias inteiras são despejadas na rua, muitas vezes sem direito a nada, perdendo móveis, eletrodomésticos e sem ter para onde ir, tendo que se alojar em casa de parentes ou em albergues para mendigos. Às vezes, a prefeitura oferece a opção de uma casa na zona oeste, que na maioria dos casos é recusado pelas pessoas, por se tratar de um lugar longe – umas duas ou três horas do centro da cidade – sem infraestrutura – escola, hospital, mercado de trabalho e transporte – e, ainda por cima, dominado por milícias fortemente armadas e extremamente perigosas.
Vocês começam o filme mostrando pessoas que não têm coragem de dar seus depoimentos. De quem eles têm medo?
A população carioca vive sob o regime do medo, seja do tráfico, da polícia ou da milícia. As pessoas preferem não tocar em certos assuntos polêmicos com medo de ter sua integridade física ameaçada, como já cansamos de ver tanto no Rio quanto no resto do Brasil e do mundo.
Jornalistas do jornal O Dia torturados por milicianos na favela do Batan; a juíza Patrícia Acioli que foi assassinada por prender milicianos; vários casos de moradores assassinados por policiais das UPPs; os três jovens assassinados pelo Exército na Providência; o cineasta argentino Fernando Solanos, que foi baleado enquanto investigava, em um documentário, irregularidades na privatização da YPF, empresa estatal petrolífera da Argentina; o blogueiro Ricardo Gama que foi fuzilado por lançar um vídeo no You Tube no qual denunciava a relação do governador do Rio, Sérgio Cabral, com os milicianos presos Natalino e Jerominho.
Tem o caso da irmã Dorothy, assassinada por grileiros no Pará; teve o caso recente da PM de São Paulo acusada de assassinar líderes comunitários; e o próprio Deputado Estadual Marcelo Freixo, entrevistado no nosso filme, que já sofreu várias ameaças de morte por causa da sua atuação na CPI das Milícias. Acredito que esses exemplos já deixam claro o motivo de tanto de medo das pessoas em falar abertamente suas opiniões.
Isso é democracia?
Vocês falam bastante do empresário Eike Batista. O que ele está fazendo no Rio de Janeiro?
Para se realizar um megaevento como a Copa do Mundo ou a Olimpíada, são necessárias várias alianças e acordos. Existe uma aliança em nível horizontal entre a rede hoteleira, os proprietários de terra, as empreiteiras, a prefeitura, o governo estadual e empresários locais. E em nível vertical com o governo federal, que detém os mecanismos de financiamento como BNDES e Caixa, e a FIFA, a CBF, o COI, as grandes multinacionais que patrocinam esses eventos. São muitos acordos envolvidos por trás dos megaeventos e isso é muito perigoso, pois a cidade passa a ser dirigida em função dos interesses privados de uma pequena elite.
Na lógica da cidade-empresa, o que importa é extrair o lucro máximo e não o bem-estar do cidadão. O governo se transforma em um mero balcão de negócios para administrar esses interesses privados, ao invés de se preocupar com os problemas reais da população. É um ciclo vicioso, no qual os empresários financiam quase todos partidos políticos, em troca de benefícios como concessão de terras, isenções fiscais e dispensa de licitações.
É uma roubalheira que não tem tamanho, uma quantidade imensa de dinheiro público, bilhões, vai servir para enriquecer esse grupo de empresários como Eike Batista. Poucas vezes se desviou tanto dinheiro dos nossos cofres públicos. Quem vai pagar essa conta no final?
O filme foi feito de forma totalmente independente? Quem financiou esta primeira parte da historia?
Sim, esse filme é totalmente independente. O dinheiro para financiar a primeira parte do projeto foi conseguido através da produção de um evento cultural cujo lucro foi revertido para o caixa do filme. A equipe abriu mão de seus salários e os equipamentos foram cedidos gratuitamente.
Infelizmente, existe uma censura econômica disfarçada nos dias de hoje. Você não é proibido de fazer um filme que denuncie os nossos problemas e mazelas, mas também não vai conseguir financiamento para realizá-lo. Somente as grandes empresas têm um giro de capital suficiente para que seus impostos possam ser convertidos para projetos culturais. E não é interessante para esses eles projetos que questionem a ordem vigente, causando reflexão, indignação e discussão entre as pessoas. Por isso optamos em conseguir recursos através de financiamento coletivo para dar continuidade ao nosso trabalho. É uma maneira de fugir desse sistema ultrapassado de financiamento de projetos culturais no Brasil. As pessoas podem doar qualquer valor a partir de R$10,00 através do site catarse.me/dominiopublico .
Quanto tempo passaram pesquisando e filmando?
Estamos pesquisando e filmando há aproximadamente 14 meses.
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Enviada por José Carlos Para Combate ao Racismo Ambiental.