Conjuntura da Semana. Década da inclusão social?

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário:

Década da inclusão social?

Inclusão social ou inclusão via mercado?
Nem direita, nem esquerda. Um governo pragmático
Um governo monoclassista?

Eis a análise.

Inclusão social via resolução dos problemas estruturais ou via mercado?

A obsessão do governo atende por um nome: crescimento econômico. Dilma Rousseff persegue a continuidade do modelo de “inclusão via mercado” que se revelou um “sucesso” no governo Lula. O foco de Dilma é um só, dar continuidade ao crescimento da economia e dessa forma reeditar a Era Lula – a grande responsável pelo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denomina de “década da inclusão”.

Segundo o economista Marcelo Neri, atual presidente do Ipea, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2011), “o Brasil está hoje no menor nível de desigualdade da história documentada”. Houve um crescimento real na renda per capita das diferentes camadas sociais. Em dez anos (de 2001 a 2011), os 10% mais pobres tiveram 91,2% no crescimento de sua renda, enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6%.

O aumento da renda dos mais pobres está associado a dois movimentos. Aos programas de transferência de renda, particularmente o Bolsa Família, e ao aquecimento do mercado de trabalho como destacado em análise do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e de economistas de várias instituições de ensino e pesquisa.

Os dados do governo são otimistas e mostram que parte dos que vivem em favelas e contingente expressivo de negros, estão entre os que constituem a “nova classe média”.

Os dados, porém, de aumento de renda e de consumo convivem ao lado dos crônicos, históricos e permanentes problemas estruturais, particularmente na área da saúde/saneamento e educação. Problemas que podem ser ampliados com os temas da moradia, transporte coletivo, acesso à água potável e democratização da terra. Uma pequena amostra: Ao mesmo tempo em que cresceu vertiginosamente o acesso à internet, o acesso aos serviços públicos permanece estagnado. A rede de abastecimento de água, por exemplo, que era de 84,2% em 2009, passou para apenas 84,6% em 2011. A coleta de lixo, de 88,4% subiu irrisoriamente para 88,8%.

Essa morosidade na oferta de serviços públicos também se manifesta em outras áreas. Em dois anos, a proporção de domicílios atendidos pela rede coletora de esgoto aumentou de 52, 5% para irrisórios 54,9% e a de domicílios com fossa séptica ligada à rede coletora apenas de 6,6% para 7,7%”. Na educação, constata-se que dos 23% (45 milhões) da população brasileira, que correspondem aos que estão com idade entre 4 e 17 anos, 8% (3,8 milhões) estão fora da escola.

O caso do Nordeste serve como um exemplo do quanto ainda resta a fazer. É a região do Brasil que mais cresceu, contudo, num olhar mais focado verifica-se que ainda concentra mais da metade dos analfabetos e extremamente pobres do país. Na opinião do coordenador de Estudos Regionais do Ipea, Carlos Wagner, “temos dois problemas no Brasil: a distribuição de renda inter-regional – temos regiões ricas (Sul e Sudeste) e regiões pobres – e a distribuição pessoal de renda. Mesmo no Nordeste, que é uma região pobre, há pessoas muito ricas. A região tem uma parcela pequena da produção nacional e essa parcela é concentrada nas mãos de poucos”.

São evidentes os ganhos econômicos e a mobilidade social para cima, mas trata-se de uma inclusão efetivamente social ou de uma inclusão via mercado? De uma inclusão que se faz pelo acesso a saúde e educação de qualidade ou de uma inclusão pelo consumo? O sociólogo Sérgio Costa comenta que “os esforços do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil. As medidas que vêm sendo adotadas têm impacto de curto prazo, mas em longo prazo não permitem uma ascensão das classes mais baixas”.

Segundo ele, “não há investimento em outros tipos de medidas onde a ação do Estado é fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade”. O sociólogo argumenta que, ao frequentar escolas públicas ruins, os mais pobres são “condenados a permanecer na mesma condição de classe” e toma um exemplo na política alemã. “Na Alemanha, a ascensão se dá através de serviços para a população, que criam uma igualdade dentro da sociedade”, afirma. “Por isso, que no país ocorrem frequentes ondas de ascensão social. Por haver escolas gratuitas de qualidade. Nos anos 1960, por exemplo, muitos filhos de operários se tornaram médicos, engenheiros”, lembrou, acrescentando que no Brasil isso é mais difícil de acontecer.

O mesmo pensa a economista Lena Lavinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que lembra que as sociedades modernas promovem a igualdade através de uma infraestrutura social de qualidade, aspecto que tem sido deixado de lado na atual política federal. “O gasto social no Brasil é feito para transferir renda para as famílias e não para promover serviços”, sublinha. “O governo brasileiro é muito preocupado em transferir renda, o que é importante, mas insuficiente. Os mais pobres não precisam só de renda, mas de oportunidades”, destaca. “E os gastos públicos com educação, saúde, transporte e saneamento não crescem na proporção que deveriam”.

O sociólogo José de Souza Martins comentando o estudo da “década includente” do Ipea afirma que os “benefícios [as políticas sociais compensatórias] não deslocam necessariamente o eixo social de referência dos beneficiados, especialmente os pobres do campo, cuja economia pré-moderna é predominantemente baseada na produção direta dos meios de vida”.

Em seu livro Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador, André Singer reconhece os avanços da era Lula em relação aos anos de FHC, considerando a “ativação do mercado interno, aumento do crédito, aumento do consumo, aumento do emprego”, como elementos que vão à contramão do neoliberalismo. Contudo, mesmo sob essa ótica, Singer também aponta que “o Brasil tem um acúmulo de desigualdade tão grande que mesmo esta queda com enorme ritmo de avanço fica aquém”.

Nem direita, nem esquerda. Um governo pragmático

Dilma procura obsessivamente o crescimento da economia e dessa forma dar continuidade e reeditar a Era Lula e sua “inclusão social”. Nesse percurso da busca do que chama de “modernização da economia” brasileira, Dilma já foi taxada de “liberalizante”, “intervencionista”, “desenvolvimentista”, “privatista”. Nenhum desses adjetivos, porém, dá conta do que realmente seja a presidente. Dilma Rousseff é pragmática. Como destaca o economista Fernando Cardim, o governo Dilma segue a máxima de Deng Xiaoping: “Não importa a cor do gato, desde que cace ratos”, ou seja, o que interessa é o crescimento econômico e daí as políticas ora liberalizantes, ora intervencionistas, adotadas pelo governo.

Recente reportagem da imprensa dá conta que nem os assessores de Dilma sabem descrever sua política econômica: “É nacional-positivo-capital-desenvolvimentista-modernizante”, brinca um deles. O assessor diz a presidente não segue nenhum figurino. Tem um modelo próprio ditado por uma só palavra: pragmatismo.

O pragmatismo explica medidas tão díspares como a privatização de rodovias, ferrovias e aeroportos e o enfrentamento com o sistema financeiro na redução da taxa de juros.

Mesmo na macroeconomia Dilma não parece seguir a risca o tripé da política econômica herdada de FHC e de Lula, ancorada nas metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. O tripé condiciona-se a perseguição do crescimento econômico. “Dilma é estatista? Retomou o caminho liberalizante ao prometer privatização de estrada, porto e aeroporto? Faz política macroeconômica mais heterodoxa’?”, pergunta o jornalista Vinícius Torres Freire. É tudo ao mesmo tempo.

Mas o foco prioritário sempre é a economia, o social vem depois. Embora, o discurso sempre seja de que as medidas na área econômica têm como objetivo fazer o país crescer para distribuir renda. Resta, porém, perguntar a quem essa modernização da economia vem beneficiando.

Um governo monoclassista?

No conjunto da obra pela obsessão do crescimento econômico, entretanto, destacam-se medidas generosas para com o capital, principalmente com o capital produtivo e o agronegócio. Dilma retomou a agenda de privatizações abandonada por Lula, tem adotado farta política de desoneração tributária para o capital produtivo com a isenção do IPI e da folha de pagamento, estuda flexibilizar leis trabalhistas, recolocou em pauta e aprovou projeto que acaba com a aposentadoria integral do funcionalismo, enfrentou as greves com rigor thatcheriano e deixou correr solta a aprovação do Código Florestal que fez a alegria dos ruralistas.

Na balança do pragmatismo de Dilma, mesmo bem intencionado, ganham os grupos de sempre: empresários, banqueiros, ruralistas. Aos menos privilegiados, restam, sobretudo, as políticas sociais compensatórias. Um exemplo: Os incentivos do governo às empresas somaram R$ 97,8 bilhões nos últimos seis anos. De 2007 a 2012, o governo baixou medidas que desoneraram as empresas em, no mínimo, R$ 97,8 bilhões – a cifra corresponde a quatro vezes a verba reservada para o programa Brasil sem Miséria.

Outro exemplo, para 2013 no orçamento estão previstos 900 bilhões de reais para o pagamento da dívida. “Em nove dias de pagamento da dívida supera-se o montante previsto para o ano inteiro para o programa Bolsa Família”, destaca Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã, em entrevista à IHU On-Line. Segundo ela, “enquanto o programa Bolsa Família atende cerca de 13,5 milhões de famílias, sabe-se que poucos bancos e instituições financeiras nacionais e estrangeiras detêm a propriedade dos lucrativos títulos da dívida brasileira – o ‘bolsa rico’”.

Na análise do sociólogo Werneck Vianna em entrevista ao sítio do IHU, não há sequer no governo em curso resquícios do nacional-desenvolvimentismo do século passado. “Não vejo como tornar equivalentes o momento desenvolvimentista atual e o desenvolvimentismo anterior, em particular porque o nacional-desenvolvimentismo anterior estava fortemente associado a uma configuração na política apoiada num projeto nacional-popular”, diz ele.

Agora, diz Werneck, “o que se tem é uma tecnocracia animada pela aspiração de desenvolver, maximizar, robustecer o capitalismo brasileiro e inscrevê-lo de forma mais presente e vigorosa no cenário do capitalismo mundial. O nacional-desenvolvimentismo tinha uma conotação emancipatória, diferente de hoje”.

Segundo Werneck, “este é um mundo cinzento, de cálculos e estratégias econômicas. Quem são os grandes atores? O BNDES, alguns estrategistas do mundo da economia, que exercem uma consultoria muito próxima junto à presidente, como o ex-ministro Delfim Netto e outros, e têm como eixo de orientação o tema da alavancagem do capitalismo brasileiro e isso com inteira neutralidade quanto à política e quanto aos atores da política”.

Na análise do sociólogo, “a modernização no Brasil já foi um projeto pluriclassista. Hoje não é mais. Hoje é um projeto monoclassista. Não creio que este tema do desenvolvimentismo deva fazer parte da constelação de questões da esquerda, salvo como crítica, e não como bandeira de organização, mobilização”.

O exemplo emblemático do modelo que se reduz à lógica de mercado pode ser medido pela Reforma Agrária. O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento e o campo nessa equação entra como uma base exportadora. Guilherme Costa Delgado, do Ipea diz que o governo fez a “opção estratégica” pelo modelo de agronegócio, que envolve grandes propriedades e monocultura: “O agronegócio seria um jeito de inserir a economia brasileira na economia mundial, por meio da provisão de commodities, como a salvação das contas externas.” Nesse contexto, a presidente não acredita na Reforma Agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito vincula a Reforma Agrária ao programa de erradicação da miséria.

Um exemplo de “Reforma Agrária” ao contrário: Em maio de 2011, a presidenta Dilma assinou de uma única vez, decreto de desapropriação de quase 14 mil hectares na Chapada do Apodí/RN, para implantação do Projeto de irrigação que beneficiará meia dúzia de empresas do agronegócio. Ao mesmo tempo, também no RN, foram desapropriados cerca de 8 mil hectares na região de Assú, para a Zona de Processamento de Exportação (ZPEs). Enquanto isso no Estado há cerca de 4 mil famílias acampadas.

A Reforma Agrária que Dilma deseja orienta-se pela lógica produtivista. Nesses dias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST em seu portal na Internet, afirmou que “o  Incra está deixando em segundo plano o combate ao latifúndio para dar prioridade a uma política de aumento da produção dos assentamentos”.

Segundo o MST, “todos querem uma melhoria das condições de vida das famílias assentadas, sobretudo elas mesmas, que estão há muitos anos trabalhando, vendendo sua força de trabalho, mas Reforma Agrária significa democratizar o acesso à propriedade agrícola e construir uma sociedade com a terra distribuída equitativamente a toda população”.

Para o MST, “esconder a defesa do latifúndio, evitando desapropriações, em nome da melhoria da situação das famílias já assentadas é uma hipocrisia, mau caratismo, ignorância ou adesão simples aos interesses dos fazendeiros que monopolizam a propriedade da terra”.

Segundo o Movimento, “a  lógica do novo presidente do Incra representa dizer aos sem moradia da cidade que esperem melhorar as reformas das casas que já existem para, somente depois, investir na construção de novas casas”. Nessa perspectiva diz o MST “fica uma questão: por que o governo não se aplica a mesma lógica no orçamento público: primeiro garantir saúde e educação aos mais pobres para depois pagar juros aos banqueiros”?

Mesmo com mobilidade social, o grande paradoxo do Brasil persiste. Está entre as maiores economias do mundo, quando se utiliza o critério do Produto Interno Bruto (PIB) e as piores quando se utiliza o critério do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Apesar da “inclusão via mercado”, o país continua com déficits gigantescos na área social.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514115-conjuntura-da-semana

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