Associação Juízes para a Democracia: PEC 215 é inconstitucional

A AJD encaminhou a todos os Deputados e Deputadas Federais uma NOTA TÉCNICA sobre a PEC n. 215, que, se aprovada, acarretará inegável violação aos direitos humanos dos povos indígenas, pois as terras originalmente ocupadas por esses povos, as quais, segundo a CF, devem ser identificadas e limitadas pelo Poder Executivo apenas, sem a possibilidade de qualquer intervenção do Legislativo, são imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições. 

NOTA TÉCNICA SOBRE A PEC Nº 215/2000

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela defesa dos direitos das minorias, na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos, considerando as graves  consequências decorrentes dos termos da PEC 215/2000 em trâmite na Câmara dos Deputados, vem  apresentar a presente Nota Técnica, contrária à aprovação, em sua totalidade, sob os seguintes fundamentos:

Demarcarproteger e fazer respeitar os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são deveres incondicionais do Poder Público, por determinação expressa da Constituição Federal, a teor do disposto em seu artigo 231, o qual reconhece expressamente os direitos à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios e, por consequência, sua condição de pessoa humana.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são, também por disposição constitucional, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos índios e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sobre as quais têm direitos origináriossão bens da União, a teor do artigo 20, XI da Constituição Federal, não bens dos estados da federação, motivo pelo qual falaciosa a justificação à PEC 215/2000 de que a demarcação de tais terras, sem nenhuma consulta ou consideração aos interesses e situações concretas dos estados-membros, importaria em verdadeira intervenção federal, sem autorização congressual.

Tendo os índios, pois, direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, as quais integram o patrimônio da UNIÃO, por disposição constitucional – e não por decisão do Congresso Nacional -, a exigência de autorização ou ratificação da demarcação das terras indígenas pelo Congresso Nacional viola frontalmente o princípio da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal, in verbis: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Não fosse só isso, a demarcação de terras indígenas importa, outrossim, exclusivamente no trabalho de IDENTIFICAÇÃO e LIMITAÇÃO das terras tradicionalmente ocupadas, incumbência essa de ordem eminentemente técnica, a qual demanda imprescindívelmente a realização de profundos estudos antropológicos, bem como estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, atribuições técnico-administrativas imanentes às funções constitucionais do Poder Executivo.

Premissa fundamental à inafastável conclusão de inconstitucionalidade da PEC 215/2000, é que terras indígenas não são “criadas” através da demarcação, elas são apenas “identificadas e delimitadas”, mediante processo de cunho eminentemente administrativo, para que aqueles direitos, que são originários, bem como prévia e constitucionalmente reconhecidos, sejam assegurados.

É de se ressalvar, ainda, que não se subtrai dos estados-membros da federação, nem dos Municípios, nem de qualquer outro interessado, a participação nos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, a teor do art. 2º, §8º do Decreto Federal nº 1775/96.

Em contrapartida, condicionar o exercício de atribuição imanente ao Poder Executivo à convalidação do Congresso Nacional configura verdadeira usurpação de poder, em violação frontal à separação dos Poderes, cláusula pétrea a teor do artigo 60, §4º, inc. III da Constituição Federal de 1988.

A PEC 215/2000, se aprovada, importaria em retrocessos gravíssimos, vulnerabilizando direitos fundamentais do índio, enquanto ser humano, cuja dignidade deve ser preservada, respeitada sua cosmologia, não se olvidando que os direitos fundamentais também ostentam blindagem constitucional, por serem alçados ao patamar de cláusulas pétreas, a teor do artigo 60, §4º, inc. IV da CF/88.

A PEC 215/2000, se aprovada, importaria, ainda, em violação a documentos internacionais vigentes sobre a proteção dos índios e suas terras, quais sejam: a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 143 de 25 de julho de 2002; a Declaração das Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); e, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, ratificada pelo Decreto nº 485, de 19 de dezembro de 2006.

O direito ao não retrocesso esta assegurado na normativa internacional, o descumprimento das normas vigentes gera violência e, induvidosamente, a PEC só teria o condão de gerar mais violência e conflitos.    

José Henrique Rodrigues Torres
Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para Democracia

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