A Fundação Nacional do Índio (Funai) afirma que os contratos de venda de créditos de carbono oferecidos por empresas internacionais são ilegais e comprometem o uso das reservas pelos próprios indígenas. Brasil não tem legislação para acordos de Redd. O Brasil se prepara para iniciar uma briga nos tribunais contra negociadores internacionais de créditos de carbono. A Advocacia Geral da União (AGU) vai entrar com uma ação judicial para impedir os efeitos de contratos assinados entre indígenas e empresas que atuam no setor e que teriam agido ilegalmente no Brasil
Até o momento, pelo menos três contratos considerados ilícitos foram identificados pelas autoridades. “Os contratos são de venda de créditos de carbono e comprometem todo o usufruto [das terras], que é exclusivo dos índios, e garantem acesso de pessoas não autorizadas às terras indígenas”, afirmou o procurador federal Flávio Chiarelli, da Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação Nacional do Índio, órgão que faz parte da AGU.
A Funai diz que mais de 30 etnias já foram abordadas por empresas interessadas em fechar os chamados acordos de Redd (Redução de Emissões por Diminuição do Desmatamento), um mecanismo internacional criado para ajudar a estabilizar os níveis de emissões de gases estufa. No entanto, esse mercado ainda é voluntário, ou seja, não está submetido à regulação e fiscalização de uma autoridade internacional.
O Brasil ainda não criou uma lei nacional para regulamentar o setor. A recomendação da Funai é clara: ela pede às lideranças indígenas que não firmem contratos de compensação de créditos de carbono devido à falta de regulamentação do Redd no Brasil.
Dinheiro em troca
As autoridades brasileiras consideram os acordos fechados sem validade. “Eles são nulos. A liderança que assinou e foi procurada não representa a vontade da maioria da comunidade. Os contratos são ilegais”, afirma Chiarelli, que vai usar esse argumento contra as empresas.
A Funai afirma que a maioria dos documentos a que teve acesso impede que os índios executem prática tradicionais, como plantação de roças e corte de árvores para subsistência sem que obtenham a autorização da empresa. E ainda: alguns contratos são de intermediação de venda de créditos de carbono em que a taxa de corretagem é de 50%. “Um absurdo”, comenta Chiarelli.
A Celestial Green Ventures, com sede na Irlanda, e a Viridor Carbon Services, baseada nos Estados Unidos, são duas das empresas que podem ser processadas. Elas se identificam como negociadoras globais de créditos de carbono e já sabem que as autoridades no Brasil se opõem à forma como elas se aproximam dos índios — AGU eFunai enviaram ofícios em inglês sobre essa posição.
Em troca do consentimento dos índios, as empresas teriam oferecido adiantamento entre 2 milhões e 3 milhões de reais. No site de uma das empresas acusadas, a Viridor, há a foto de um líder indígena recebendo uma caminhonete. O contrato assinado pelo chefe indígena Marcelo Mauro, da etnia Cinta Larga, em Rondônia, compromete uma área de 2,7 milhões de hectares.
Projetos e não contratos
Bryan Rauch, da Viridor Carbon Service, falou com a DW Brasil sobre as atividades da empresa no Brasil. Ele se identificou como vice-presidente da empresa e disse ter começado o relacionamento com os indígenas há dois anos. Mas negou que tenha convencido as lideranças a assinar contratos.
“Não assinamos contrato porque há muitas coisas ruins acontecendo no Brasil, tanta falta de confiança. Assinamos cartas de intenção porque os chefes das tribos precisam de autorização do restante dos membros”, disse.
Rauch admitiu ter dado às lideranças duas caminhonetes (para “trabalhos logísticos”), dinheiro para combustível e comida quando faziam encontros. Ele disse ter procurado a Funai e que representantes do órgão estiveram presentes em reuniões.
Consultada, a fundação respondeu por email: “A Viridor entrou em contato com a Funai, participou de uma reunião em Brasília e obteve resposta negativa. A Funai inclusive oficiou a empresa dizendo que não era possível a realização de tal contrato, que entraria com ação judicial caso prosseguisse com o intento”.
Rauch garantiu que tem o apoio dos índios e que eles entendem muito bem o processo de Redd. “Eles parecem que estão até mais atualizados do que a Funai”, criticou o empresário, que diz atuar também como consultor em projetos na África.
Procurada, a outra empresa mencionada pela AGU, Celestial Green Ventures, não respondeu às perguntas da DW Brasil.
Um negócio milionário
Nas contas de Rauch, se a parceria com os Cinta Larga avançar, o projeto desenvolvido vai render 7 milhões de dólares — e os custos aproximados serão de 3 milhões, diz. “Há um grande mercado de Redd no Brasil. Mas o governo está trazendo incertezas, e isso tem criado problemas”, criticou.
Para a Funai, a ausência de uma política de Redd em terras indígenas dá espaço para que organizações e empresas oportunistas tentem levar a cabo projetos em comunidades sem as devidas ressalvas e observações dos direitos desses povos. “É um mercado especulativo. As pessoas estão querendo comprar esses créditos porque, se no futuro isso for regulamentado, isso [os créditos negociados nos contratos] pode valer milhões”, alertou Chiarelli.
O procurador reconhece que tem um processo complexo pela frente. “Argumentos de mérito existem, mas há dificuldade processual, porque as empresas não têm sede no Brasil e há sempre dificuldade de localizá-las — se é que elas existem.”
Os contratos existem, mas para a AGU eles são ilegais. Até que o caso seja resolvido completamente, o órgão afirma que não será autorizada a entrada de representante dessas empresas nas áreas indígenas. E se houver alguma tentativa de se fazer cumprir algum item do contrato em questão, a empresa envolvida responderá pelas penalidades segundo a lei nacional.
*Revisão: Alexandre Schossler
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http://www.agrosoft.org.br/agropag/221509.htm