Ao tentar garantir anistia aos desmatadores na reforma do Código Florestal, a Câmara obrigou os produtores rurais a recuperar integralmente a vegetação à beira dos rios, numa faixa de até 500 metros, no caso dos rios mais largos. A interpretação é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, especialista em direito ambiental, e complica o cenário de insegurança jurídica criado pela votação na Câmara, na quarta-feira.
A reportagem é de Marta Salomon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 28-04-2012.
“Só há uma interpretação para o fato de o texto final do Código trazer um regime especial de recuperação apenas para os rios de até 10 metros: tudo o que não se encaixar nessa hipótese deverá ser recuperado conforme as metragens estabelecidas nas regras permanentes”, afirmou.
O novo Código Florestal, que vai à sanção da presidente Dilma Rousseff, determina que rios mais estreitos, com largura de até 10 metros, devem ter 15 metros de vegetação recuperados às suas margens. Essa é uma condição para a manutenção de atividades econômicas em propriedades que desmataram as margens de rios até 2008. A regra é atenuada para pequenos propriedades, com imóveis entre 20 e 400 hectares, dependendo da região do País.
Segundo informações que basearam os debates do Código Florestal, 75% dos rios do País têm até 10 metros de largura. E os imóveis rurais localizado às suas margens serão obrigados a recuperar essa faixa mínima, de acordo com o dispositivo aprovado pela Câmara contra a vontade do relator, deputado Paulo Piau (PMDB-MG) e da bancada ruralista.
A proposta de reforma do Código Florestal aprovada em dezembro no Senado, com aval do Palácio do Planalto, também previa margens mínimas de recuperação – até 100 metros – para os rios com mais de 10 metros de largura. Mas esse dispositivo foi derrubado pela Câmara. O texto final ficou sem regra clara para a recuperação dos rios mais largos. A intenção do relator era evitar a exigência de uma faixa mínima de recuperação da vegetação às margens de rios pelos produtores rurais. Mas, por limitações regimentais, foi impedido de fazer o serviço completo.
“Na interpretação das leis, a chamada hermenêutica jurídica, as exceções são normalmente entendidas de forma restritiva: se o Código estabeleceu um benefício para o proprietário rural no caso de rios até 10 metros, o Judiciário não pode ampliar esse benefício para os rios mais caudalosos”, insistiu Benjamin.
Segundo ele, a regra para a recuperação dos rios mais largos será a mesma para a proteção das Áreas de Preservação Permanentes, que estabelece faixas até 500 metros de vegetação nativa.
As regras do atual Código já são objeto de inúmeros processos judiciais. E o número de processos pode crescer com o novo Código, prevê Benjamin. Questionada sobre a interpretação jurídica do resultado da votação, a Casa Civil informou que aguarda a apresentação do texto final aprovado pela Câmara. Após o envio da redação final, Dilma terá 15 dias para sancionar ou vetar o texto. A assessoria da Casa Civil diz que é “prematuro fazer qualquer tipo de avaliação sem conhecer a íntegra do texto”.
Dificuldade
Ontem, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, disse que o resultado da votação na Câmara sinaliza que seria difícil derrubar o possível veto da presidente. Vargas participou de reunião com Dilma, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, que apresentaram uma pauta de reivindicações.
Para derrubar um possível veto de Dilma, é preciso maioria absoluta tanto na Câmara (257 deputados) quanto no Senado (41 senadores). O texto do relator Paulo Piau (PMDB-MG) foi aprovado por 274 votos a 184.
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