Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe retoma quase a totalidade de Caramuru-Paraguassú

Por Renato Santana, de Brasília

Faltam apenas seis áreas para indígenas do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe reocupar a Terra Indígena Caramuru-Paraguassú, entre Itajú do Colônia, Camacã e Pau Brasil,   na Bahia. Durante a madrugada de domingo, 15, os indígenas iniciaram novo ciclo de retomadas, incluindo a fazenda Vitória, usada para inseminações artificiais de sêmen em éguas para a procriação de cavalos de raça e principal cenário para os fatos que desencadearam as retomadas.

Na região de Rio Pardo, oito fazendas foram retomadas. De acordo com caciques, as ocupações foram decididas pela comunidade depois que os indígenas foram acusados de organizar emboscada contra um fazendeiro e incendiar de forma criminosa um imóvel da fazenda Vitória. Indignados com a criminalização sofrida, decidiram retirar do território, demarcado entre 1936 e 1937, os causadores das calúnias propagadas pela Rede Globo, na edição da última sexta-feira, 13, do Jornal Nacional.

O proprietário Armando Pinto acusa os Pataxó Hã-Hã-Hãe do incêndio, depois de terem matado, numa emboscada, Ana Maria dos Santos Oliveira, na segunda-feira, 9. No entanto, as direções das polícias Civil e Federal, que cobrem a região, trabalham com a hipótese de que o assassinato e o incêndio tenham como autores pistoleiros contratados por fazendeiros, contrariando as acusações feitas contra os indígenas em rede nacional.

Conforme os delegados Fábio Marques (PF) e Francesco Denis Santana (PC), o alvo dos assassinos era o coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região, Jovanildo Vieira dos Santos Titiá. Dessa forma, os delegados consideram remota a participação dos indígenas na morte de Ana Maria. Além disso, de acordo com a polícia, os moldes da emboscada não se adéquam aos indígenas e nenhuma arma de grosso calibre foi encontrada na posse dos Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Incêndio e reféns

Os indícios da participação dos indígenas no incêndio, de acordo com as investigações, são ainda menores. Apenas uma casa da fazenda foi queimada, sendo que os incendiários ainda tiveram o cuidado de retirar do imóvel alguns móveis. No restante da sede, nenhuma depredação. Os cinco mil litros de leite armazenados e a central de inseminação artificial ficaram intactos.

Para os policiais, essa também não é uma prática dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, que há décadas vivem em conflito com invasores da terra indígena e nunca promoveram incêndios. Quanto a manutenção de reféns nas fazendas retomadas pelos índios, a polícia não comprovou nada e apenas recebeu denúncias dos fazendeiros – que acusam os indígenas de manterem 30 indivíduos presos nas áreas.

“A polícia está direto nas fazendas ocupadas por nós e veria se tivéssemos com reféns. Agora mesmo: a imprensa está aqui, a polícia está aqui e o povo está em ritual. O que pedimos é que os funcionários dos invasores retirem o gado para depois ninguém dizer que roubamos”, afirma o cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe.

O indígena está numa das áreas retomadas na madrugada do último domingo, a cinco quilômetros da cidade de Pau Brasil. “Não existe envolvimento dos indígenas na emboscada que vitimou a mulher (Ana Maria dos Santos Oliveira). No dia da morte, estávamos distantes do local. A emboscada foi praticada por pistoleiros, contratados por fazendeiros, que estão na região”, destaca o cacique.

Para a liderança indígena, os pistoleiros se confundiram por conta do veículo: a caminhonete usada pelo esposo de Ana Maria é de mesma marca (L 200) do veículo oficial utilizado pelo coordenador regional da Funai, suposto alvo da emboscada. Depois que perceberam o equívoco, o incêndio seria uma forma de forjar sucessivos ataques provocados pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe, que desde janeiro promovem ações de retomadas das fazendas que incidem dentro da Terra Indígena Caramuru- Paraguassú.

Servidores ameaçados

“Faz três meses que sofremos ameaças”, denuncia o servidor da Funai Wilson Jesus de Souza, que atua na Caramuru-Paraguassú. Ele conta que já foi ameaçado no centro de Itajú do Colônia por homens interessados nas terras dos Pataxó Hã-Hã-Hãe. Também é taxativo ao afirmar que os indígenas não estão envolvidos no assassinato e no incêndio.

O servidor atua na região há uma década. Explica que a área do conflito estava longe do local onde aconteceu a emboscada e a morte de Ana Maria. “Os índios estavam na região das Alegrias. Ilhados a cerca de 10 quilômetros da cidade, porque a estrada que dá acesso a Itajú do Colônia, local da emboscada e da fazenda Vitória, estava tomada de pistoleiros e ninguém passava por ela. Então os índios não tinham como estar ali”, explica Souza.

Nas conversas com os indígenas, o servidor ouviu que as retomadas deste final de semana são em resposta às acusações contra os Pataxó Hã-Hã-Hãe e para que nenhum pistoleiro atue mais dentro da terra indígena. “Estavam revoltados e disseram que agora vão retomar todo o território”, explica. Na manhã desta segunda-feira, 16, Souza esteve nas oito fazendas retomadas na região do Rio Pardo, convocado pela equipe da Polícia Federal de Ilhéus. Denúncias davam conta de reféns, torturas, famílias sequestradas e fazendeiros assassinados.

“O delegado da PF ficou bastante indignado, pois nenhuma acusação foi comprovada. Os funcionários estavam lá em harmonia com os índios e aguardando transporte para fazer a mudança de pertences. Os agentes da PF viram tudo isso de perto”, conta o servidor da Funai. Ele reafirma: permanecem na Terra Indígena Caramuru-Paraguassú apenas seis dos 396 proprietários de fazendas no território de ocupação tradicional.

Histórico das recentes retomadas

Para os indígenas, as retomadas são mecanismos de defesa: com as fazendas cercadas de pistoleiros, a forma de proteção dos indígenas é o acesso ao território de forma integral. Assim, não sofrem emboscadas na área de ocupação tradicional e transitam livremente por ela. Dentro dessa perspectiva, no dia 1º de janeiro deste uma onda de retomadas inundou as fazendas que incidem na Caramuru-Paraguassú.

Os Pataxó Hã-Hã-Hãe ocupavam 18 dos 54 mil hectares da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, localizada entre os municípios de Itajú do Colônia, Camacã e Pau Brasil, na Bahia, até o final de 2011. Até então, os indígenas aguardavam os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votar pela nulidade dos títulos dos ocupantes do território, que corre há 30 anos sem votação, sendo que o ex-ministro Eros Grau, relator do processo, votou de forma favorável aos indígenas, ou seja, pela anulação dos títulos.

O restante da área, demarcada na década de 1930 do século passado, estava nas mãos de fazendeiros que, a partir de 1960, obtiveram títulos de propriedade emitidos de forma irregular pelo governo baiano, na gestão de Antônio Carlos Magalhães, o ACM – títulos que hoje são objeto da ação que corre no STF

Até o dia 23 de fevereiro deste ano, os Pataxó Hã-Hã-Hãe retomaram 48 fazendas. Dos 18 mil hectares de área, os indígenas passaram a ocupar 42 mil, ainda restando 12 mil – compreendendo a região de Rio Pardo, área onde ocorrem os episódios das últimas oito retomadas ocorridas a partir deste último final de semana.

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