Celso Calheiros
A Bahia vive um boom da energia eólica, com a concessão de mais de 130 licenças prévias de projetos que somam mais de 1.300 aerogeradores, de acordo com dados do governo do estado. Cada aerogerador possui rotores com 110m de diâmetro em torres com 100m de altura, uma estrutura que, somada à fundação, pesa 1,1 mil toneladas. Quando o assunto é geração de energia, existe uma simpatia natural quando se trata de uma matriz renovável, sem emissão de carbono e com baixo impacto ambiental. Com esses atributos, em geral, a energia eólica tem o apoio dos conservacionistas. A não ser que interfiram com o ambiente no entorno, o que pode ser o caso dos projetos localizados na região conhecida como Boqueirão da Onça e no Parque Estadual do Morro do Chapéu, próximo à Chapada da Diamantina. Nos dois, os equipamentos estão perigosamente próximos das áreas de proteção.
A proximidade se deu por razões técnicas, as empresas de energia eólica procuram os locais onde exista o vento mais adequado para sua atividade. No jargão técnico, buscam as chamadas jazidas de vento. No sertão baiano, conforme o Atlas do Potencial Eólico do Brasil, está uma das 9 regiões com as melhores jazidas do país. Outros lugares ricos em potencial eólico estão também no litoral gaúcho, o litoral nordestino do Rio Grande do Norte ao Maranhão e parte do Amapá; além de áreas do interior, como na Paraíba, Rio Grande do Norte até o Piauí, parte nas Minas Gerais e, na região Norte, na região montanhosa em Roraima. Os melhores ventos no interior do país ocorrem em locais de áreas montanhosas, explica o estudo do Centro de Referência em Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito (Cresesb), do Ministério das Minas e Energia.
Tanto a região do Boqueirão da Onça, no coração da caatinga quanto o Parque Estadual do Morro do Chapéu são atraentes, pois o vento é forte e canalizado no alto de suas serras. O problema é que os dois lugares também precisam ser protegidos pelas suas características naturais ímpares. O resultado é um embate entre ambientalistas e os defensores dos parques eólicos, no qual os dois lados parecem possuir bons argumentos.
O discurso dos defensores da natureza selvagem começa mostrando o patrimônio natural que pode ser ameaçado. Além de estar em uma área pouco povoada, no Boqueirão da Onça a Caatinga expressa a sua exuberância através de variadas formações. Essas características transformaram a área em candidata a proteção oficial através da criação de um mosaico de unidades de conservação na região, que compreenderia a proteção de 117 mil hectares protegidos como monumento natural, 420 mil hectares classificados como área de proteção ambiental (APA) e 317 mil hectares de parque nacional. A caatinga, é sempre bom repetir, é o único bioma exclusivamente brasileiro, e não conta com um parque nacional para sua conservação.
O Boqueirão da Onça é formado por grandes maciços. Montanhas que se abrem em uma garganta, daí o seu nome. Neste estreito, a onça está em casa. Antes do sertanejo se estabelecer nas redondezas, os maiores felinos das Américas já a utilizavam como habitat. A presença de predadores no topo da cadeia alimentar, como as onças nordestinas, é o maior sinal de que o ecossistema está saudável, ensina a bióloga Cláudia Campos, pesquisadora especialista na conservação da onça-pintada do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do ICMBio. Ela explica que apenas ambientes equilibrados têm condições de manter um predador desse porte, pois a região precisa oferecer-lhe alimento e a todos os seres abaixo dele no sistema. “A construção de estradas, aberturas de trilhas e explosões para fundações em um ambiente onde reinava a tranquilidade vai, com certeza, afugentar o felino da sua zona de segurança”, garante a pesquisadora.
O primeiro efeito colateral dessa mudança estará na reação das onças, que vão se afastar da região onde vivem. Terminarão por se aproximar de povoados, fazendas, pequenos vilarejos e, no caminho, gerar um rastro de perdas. “Com os ataques a criação de bodes ou animais domésticos, as pessoas do local pensam que as onças estão se reproduzindo mais. O que ocorre, na verdade, é a tentativa do animal em se adaptar à invasão do seu habitat”, explica Cláudia.
Embora o felino seja uma estrela local, o Boqueirão da Onça possui diferentes endemismos — espécies só encontrados lá. É o endereço das nascentes dos rios Jacaré (também conhecido como Vereda do Roma) e Salitre (ou Vereda da Tábua, Gramacho), que deságuam no Rio São Francisco. Em seu subsolo, encontram-se pedras e minerais, explorados por pequenos garimpeiros e mesmo por mineradoras. Sobre a terra, vegetação de caatinga, algumas exóticas e populares, como a algaroba, e trechos em que se mistura com a flora do cerrado. A riqueza do região atrai pesquisadores da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf).
Morro da recarga
O Parque Estadual Morro do Chapéu, com seus 46 mil hectares, serve de recarregador de importantes bacias hidrográficas baianas. No parque estão quatro sub-bacias: dos rios Salitre, Verde (ou Jacaré), Utinga e Jacuípe. Essas redes estão relacionadas com as duas mais importantes bacias baianas: do Paraguaçu e São Francisco, explica o especialista nas bacias hidrográfica da região, Almacks Luiz Silva.
Almacks conta que a importância do Morro do Chapéu para a conservação está relacionada a um princípio geológico, que confere às serras e regiões montanhosas, a missão de armazenar água. “Funciona como uma esponja. As serras recebem água das chuvas, a acumulam e desse fenômeno brotam as nascentes”. O seu temor pela construção de torres de energia eólica na região do parque e na área de amortecimento está exatamente na delicadeza das nascentes que proliferam na região. “O pessoal da construção civil e das torres traça uma rota no GPS e não quer saber o que tem nas imediações”, receia o estudioso.
Um ocorrido de abril de 2011 aumenta a preocupação com a área do Morro do Chapéu. Um decreto teria extinguido o parque estadual que, com isso, perderia sua condição de unidade de conservação. A decisão foi anulada depois de mediação do Ministério Público. O novo debate em pauta é uma nova poligonal para o Morro do Chapéu, aumentando a área e redefinindo as unidades de conservação, com a instalação de refúgio de vida selvagem e monumento natural. É mais ou menos o que foi feito no processo para criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça. Cria-se um mosaico de unidades de conservação, cada uma com seu nível de preservação – nem sempre de proteção integral.
É uma proposta conciliadora, argumenta o secretário executivo da Indústria Comércio e Mineração da Bahia, Rafael Valverde, que concorda que as discussões sobre as definições do tipo de unidades de conservação do Boqueirão da Onça servem de exemplo para o que venha a ocorrer no Morro do Chapéu. “Não existe incompatibilidade entre uma unidade de conservação e a geração de energia eólica. A atividade é compatível com a preservação”, afirma. Ele garante que o governo da Bahia procura reunir os interessados em explorar o potencial eólico do estado e com os defensores da conservação. “Há o debate e procuramos a harmonia entre os setores envolvidos”.
O discurso conta com apoio da ONG Associação dos Condutores de Visitantes do Morro do Chapéu, confirma o seu presidente, Luiz Alberto Dourado. Ele aguarda a nova poligonal do parque estadual, mas já aceita a convivência das torres de energia eólica e o turismo ecológico, com a criação de uma área de proteção ambiental (APA). Entre as unidades de conservação, a APA é a que possibilita o uso dos recursos naturais.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Pedro Perrelli, defende a compatibilidade entre a geração de energia elétrica com a preservação. “Todos nossos equipamentos e dispositivos ocupam até 4% da área total arrendada – o que permite a convivência com a vida selvagem”. Perrelli também afirma que novas práticas minimizam o impacto que a construção das torres com aerogeradores causam. “Há uma aceleração da recuperação, o retorno da vegetação endêmica e temos comprovação do retorno da fauna selvagem em áreas de parques eólicos”, afirma. O argumento é que a vigilância dos parques servirá para afugentar a caça, retirada ilegal de madeira e de areia.
Perrelli diz que empresários e investidores desse nicho têm, em suas palavras, uma preocupação natural com a conservação. Conta que estudos feitos nos parques eólicos instalados no Rio Grande do Sul comprovaram que aves são capazes de desviar de grandes obstáculos, como as torres com seus grandes aerogeradores. “Os estudos mostraram que mais de 40 espécies de aves migratórias, incluindo o falcão peregrino, não são afetadas”.
Outra preocupação são os hábitos dos morcegos migratórios, continua Perrelli. Os pesquisadores chegaram à conclusão que os morcegos têm horários determinados para voar: no entardecer e pouco antes do amanhecer, quando a presença do seu alimento, os insetos, é maior. “Nesses horários, nós reduzimos em 15% a velocidade dos aerogeradores para possibilitar que os morcegos tenham capacidade de evitar um choque com as hélices”.
Preço da energia
O interesse pela energia eólica cresce em quantidade de empresas participantes dos leilões do setor e no aumento das pesquisas em busca da identificação dos locais onde ocorrem as melhores jazidas de vento. A Bahia vive o seu bom momento, mas estados como o Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte também sediam parques eólicos. Esses campos com grandes aerogeradores também poderão ser comuns no Ceará (que incentiva a atividade), no Piauí e no Maranhão.
A atração tem um forte apelo econômico. O preço do MW hora da energia eólica nos leilões de energia A-3 2011 foi negociado por um valor médio inferior a R$ 100. Cotação abaixo do MWh da hidrelétrica de Garibaldi, em Santa Catarina, que custa R$ 107,98. O MW hora de energia do parque eólico Cerro Chato VI, da Eletrosul, custa R$ 96,39. Menos do que o contratado para a hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia: R$ 96,71 MWh. Os dados comparativos estão na revista Brasil Energia.
http://www.almacks.blogspot.com.br/2012/04/energia-eolica-entra-em-choque-com.html.
Enviada por Ruben Siqueira.