O rio Pindaré desce devagar e amplo nesse inverno, beirando os povoados do interior de Buriticupu, Maranhão profundo.
Grupos de famílias instalaram-se nas terras à sua beira, numa reforma agrária que interrompe as manchas de leopardo, terras de fazendeiros.
À margem do rio corre outro fluxo de escoamento: a linha de ferro da Vale, que transporta a cada dia cerca de 300 mil toneladas de minério de ferro para fora do País.
Esse trem do lucro não para, nem conhece obstáculos. Atropela, mata, acorda com o seu barulho e racha pelas vibrações as casas encostadas aos trilhos.
À outra margem, há pastos de uma fazenda, que aos poucos deve ter comprado e juntado os lotes dos assentados.
Nova acumulação, reforma agrária ao contrário: ainda há condições de mudar essa história, inverter os fluxos, modificar o curso da correnteza, voltar a sentir o rio, a terra, os recursos como patrimônio de todos?
Há, se formos olhar bem, uma “terceira margem do rio”: atravessamos o Pindaré numa canoa de sapucaia, com a água beirando a borda pelo peso da gente.
Subimos o morro com o facão na mão e o fôlego que vem faltando.
Finalmente um pedaço de chão livre, onde o povo está experimentando um outro tipo de cultivo.
É a primeira roça agro-ecológica dessa região, sem fogo, sem química, à medida das forças e do dinheiro das famílias rurais.
É uma pequena mancha de esperança, um fluxo frágil de alternativa; nem sabemos se os agricultores familiares irão se convencer dessa potencialidade.
Mas a terceira margem do rio está posta e queremos acreditar que tem chance de mudar um pouco o curso da história desses pequenos!
—
Obs: a imagem da terceira margem do rio é de Guimarães Rosa; há um livro bonito com o mesmo título, ensaios sobre o Maranhão no novo milênio.