A detenção ilegal e o algemamento truculento e sob a mira de armamento carregado de dois negros africanos em Porto Alegre, quando trafegavam em um ônibus a caminho do Centro da cidade, exige investigação e punição da policial militar responsável pelo ato.
Segundo relato contido na matéria publicada pelo Sul21 em 03/02, Sagesse Ilunga Kalala, congolês, de 21 anos, e Tibule Aymar Sedjo, beninense, de 22 anos, estão há quase um ano no Brasil e se dirigiam, no momento em que foram detidos e algemados, à Delegacia da Política Federal, no bairro Menino Deus, onde renovariam seus vistos de permanência no país.
Ambos estão em Porto Alegre estudando português na UFRGS para, em seguida, rumarem para Rio Grande onde cursarão, na FURGS, os cursos de Biologia e Oceanografia, respectivamente, em virtude de convênio firmado entre o governo brasileiro e de seus países.
Usando tênis de marca e conversando alegremente em francês no fundo de um ônibus da linha Campus-Ipiranga (que liga os campi universitários da UFRGS e da PUCRS ao centro e vice-versa), eles atraíram a atenção de uma brigadiana que seguia no mesmo veículo. Estranharam que ela os olhasse demoradamente e, ingenuamente, retribuíram os olhares, sem entender porque despertavam tamanha curiosidade.
Foi o que bastou. A policial requereu reforços pelo celular, parou o veículo, e, de arma em punho, ordenou que os dois saíssem do ônibus com as mãos na cabeça. Ante a passividade dos demais passageiros, que observaram em silêncio do início ao final dos acontecimentos, eles foram forçados a descer do coletivo e recepcionados por três viaturas e uma moto da Brigada Militar e seus respectivos efetivos.
Revistados e acuados na frente de todos, foram levados, sob a mira de revólveres e sob a ordem rascante e sempre gritada de “cala a boca!”, para um posto policial. Só foram liberados depois que mostraram seus documentos e comprovaram que são estudantes estrangeiros – “gente de bem”, portanto.
Para espanto dos policiais, os dois negros se recusaram a sair do posto de polícia e pediram esclarecimentos sobre o motivo pelo qual foram detidos e humilhados. Como a insistência fosse muita, um dos policiais presentes, também negro, foi direito. Apontou para a sua própria pele e proferiu a sentença desconhecida para eles, mas mais do que sabida por todos os negros brasileiros: “Vocês não sabem que isso no Brasil sempre aconteceu e vai acontecer de novo?”.
Ocorrido há três semanas, o episódio só veio a público pela matéria do Sul21. O Comando da Brigada Militar já se reuniu com os dois jovens, pediu desculpas e informou que instaurou Inquérito Policia Militar para investigar o caso. O nome da policial truculenta a preconceituosa, entretanto, não foi divulgado.
Corriqueiro em todos os estados e municípios brasileiros, o episódio ocorrido em Porto Alegre no dia 17 de janeiro de 2012 não pode, entretanto, ficar impune. O fato constitui crime de discriminação racial. É crime inafiançável e imprescritível. A brigadiana que o cometeu, caso seja comprovada sua ação, deve ser punida exemplarmente. Sua penalização deve servir como marco da profunda mudança que precisa ocorrer nos métodos e nas atitudes das polícias militares e civis do Rio Grande do Sul e de todo o Brasil.
O governador Tarso Genro, que foi o ministro da Justiça que instituiu os cursos de reciclagem de policiais em todo o Brasil dando ênfase nas noções de democracia e de cidadania, e o comandante Sérgio Abreu, da Brigada Militar, que foi um dos pioneiros no Rio Grande do Sul e no Brasil na defesa da cidadania como um valor que deve orientar as ações policiais, não podem se furtar de agir com energia no presente episódio. Se não atuarem pronta e firmemente, tanto as convicções que apregoaram durante anos estarão sendo negadas, quanto a cidadania brasileira estará sendo, mais uma vez, vilipendiada.
http://sul21.com.br/jornal/2012/02/racismo-na-brigada-militar-%E2%80%9Csempre-aconteceu-e-vai-acontecer-de-novo%E2%80%9D/