Equipe da CR de Fortaleza viajou ao Maciço de Baturité para atender reivindicação da Justiça Federal do Estado do Ceará, por meio da Ação Civil Pública n.º 0009430- 95.2010.4.05.8100, proposta pelo MPF-Ministério Público Federal com pedido de liminar, visando realizar a demarcação da Terra Indígena tradicionalmente ocupada pela etnia Kanindé de Aratuba.
Atualmente, os Kanindé de Aratuba somam aproximadamente 640 pessoas — cerca de 185 famílias — que habitam 148 residências, segundo o Sistema de Controle Demográfico da Coordenação Regional de Fortaleza. Os dados obtidos quanto à localização da área reivindicada demonstram que a mesma encontra-se em sua maior parte no município de Aratuba, ocupando também uma faixa do município de Canindé e áreas limítrofes entre os dois.
Mais especificamente, a T.I. Kanindé está localizada na microrregião do Maciço do Baturité (Serra da Aratuba e entorno), cortada pela CE-257 e pelo Riacho Catolé, cuja nascente encontra-se dentro da área reivindicada. Apresenta diversas formações rochosas e alguns riachos sem denominação, que correspondem às coordenadas registradas.
Historicamente, sua ocupação remonta à nação Janduí, que ocupava diversas áreas das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Itamaracá e Rio Grande do Norte, compondo a etnia dos Tarairiú. Como tinham por hábito chamar o próprio povo pelo nome de seu líder, os Janduí (ancestrais dos Canindé) assim se chamaram em virtude do antigo líder, Janduí. “Quando Janduí foi sucedido na liderança por Canindé, guerreiro de destaque, os índios descendentes das tribos comandadas por Canindé passaram a chamar-se Canindé, embora continuassem sendo conhecidos pelos portugueses como Janduí”. (1)
Quando os holandeses ocuparam o Nordeste brasileiro, seus pintores, cronistas e historiadores deixaram vários registros, mesmo porque foram seus aliados. Neles os índios aparecem como “guerreiros temidos por outros indígenas, homens e mulheres fortes de corpo bem desenvolvido, que lutavam com grandes pedaços de madeira como arma, que era mortal.
Seus rituais de ocupação da terra assemelhavam-se a jogos esportivos, em que alguns deles corriam com um grande tronco de árvore às costas, até o território do qual pretendiam a posse. Periodicamente, saíam em busca de novos locais para ocupação, pois eram povos nômades, coletores e caçadores. Praticavam a antropofagia ritual, assando os restos de entes queridos e misturando suas cinzas à comida”. (2)
O padre Neri Feitosa informa que os Canindé e Jenipapo habitaram os sertões do Curu, as margens do Quixeramobim e do Banabuiú, falando a mesma língua e compartilhando a mesma cultura, constituindo um grupo étnico que dominava vasto território do Nordeste brasileiro. “Nossos índios tinham consciência de que estas terras eram suas e as defenderam com lutas perseverantes e com as próprias vidas.
Perderam as terras, porque perderam a guerra, mas resistiram enquanto foi possível. Perderam a batalha porque os brancos tinham armas de fogo e eles não. ‘A luta era desigual’”, afirma o padre. Entre as táticas utilizadas pelos índios para assegurar sua sobrevivência, a de fingir-se pacificados e aliados dos colonizadores, como acabou ocorrendo com a tribo dos Canindé, primitivos habitantes dessa região, resultou válida. (4)
Os Kanindé radicados nos municípios de Canindé (Sertão Central) e Aratuba (Serra de Baturité), têm sua história marcada por longo processo de migrações forçadas, mas vêm mantendo, apesar desta dispersão, laços de parentesco e sociabilidade que unem as comunidades do Sítio Fernandes e da Serra da Gameleira, que compõem a etnia.
Os Kanindé chegaram ao Sítio Fernandes vindos da Serra da Gameleira, também conhecida como Serra do Pindar, em Canindé, por conta de secas — como a de 1877 — e invasões de suas terras por posseiros criadores de gado. Traço cultural herdado dos ancestrais, sua cultura da caça se materializa na existência de diversas armadilhas, como o ‘”quixó de geringonça”, utilizado no apresamento de animais como mocó, tejo, cassaco, peba, veado, nambu, seriema e juriti, sempre respeitando os períodos de gestação dos bichos. Esta relação de sustentabilidade que mantêm com a natureza é ensinada aos novos caçadores da tribo e busca garantir a permanência da caça para as próximas gerações.
“Em 1996, por iniciativa de José Maria Pereira dos Santos, mais conhecido por Cacique Sotero, foi aberto à visitação pública o Museu dos Kanindé, que traz em seu acervo artesanato (seu trabalho em madeira merece destaque) e instrumentos de caça e dança, entre outros. Mantido em relativo sigilo até o ano citado, foi com o acirramento da luta por seus direitos que o museu foi exposto ao público, constituindo mais uma forma de afirmação étnica do povo Kanindé”.(5)
Por fim, um levantamento antropológico está sendo finalizado pelo historiador Alexandre Oliveira Gomes (UFC-Universidade Federal do Ceará), mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA-UFPE), coordenador do Projeto Historiando e responsável por trabalhos e publicações sobre etnicidade, coleções etnográficas e museus indígenas no Estado do Ceará, que cedeu documentos e artigos para a confecção do roteiro apresentado pelos servidores supracitados.
(fascículos publicados entre 2000 e 2002)
(5) http://funaiceara.blogspot.com/
http://funaiceara.blogspot.com/2011/09/terra-kaninde-de-aratuba.html