Por Natália Carvalho
Eu não tenho posicionamento político, muito menos partido ou religião. Sou apenas uma garota com uma câmera na mão que costuma observar o mundo para poder contá-lo. Na última sexta-feira um trânsito infernal me obrigou a descer do ônibus e continuar o caminho a pé. Eu sempre passo pela Praça da Liberdade e perco uns bons minutos vendo as pessoas sendo. Só que na última sexta feira eu não pude passar. Grades cercavam metade da praça fazendo um circulo de proteção ao Palácio da Liberdade, que estava em festa pelos 1000 dias para a copa do mundo. Personalidades como Pelé, Orlando Silva e Ricardo Teixeira estavam lá. Uma bela iluminação e balões prateados enfeitavam a festa. Porém o som alto da bossa nova e os fogos de artifício não conseguiram abafar o grito das pessoas do outro lado das grades. Professores há cem dias de greve, funcionários dos correios, estudantes, mendigos, esquerdistas, ciclistas, transeuntes e toda a sorte de gente que, assim como eu, é obrigado a dizer hoje, com muito pesar, que é mineiro.
A tropa de choque da polícia militar foi chamada para conter a verdade que clamava num coro de muitas vozes por liberdade. Eu assisti naquele dia pessoas desarmadas, professores que dedicaram uma vida a educar as crianças do nosso estado, serem agredidos como criminosos. Quando os fogos começaram, as vozes também aumentaram e já soavam mais alto que o Hino de Minas Gerais. Os policiais apostos se entreolhavam e sabiam que a qualquer momento teriam que calá-las. Eu vi quando eles trouxeram as bombas, e vi prepararem as armas, eu estava na grade, entre a polícia e o povo. E achava aquilo tão surreal, tão inacreditável que não conseguia sentir medo.
Um senhor de 73 anos me puxou para conversar e disse com voz de quem conhece o fim do mundo: “Eu já vi isso acontecendo antes, eu passei a minha juventude lutando contra isso. A Ditadura está de volta, e eu lamento não ter mais energia para chutar essas grades.” Foi quando alguém fez isso por ele, grades ao chão e a polícia veio para cima de todos, tiros de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e cacetadas. Todas aquelas pessoas correndo na minha direção e eu já não conseguia olhar pelo visor da câmera, eu estava lá, e se eu não corresse também poderia levar. Eu vi gente chorar, cair, sangrar. Gente que só estava ali para dizer o que pensava, o que queria, o que supostamente alguma constituição deveria garantir.
O que mais me chocou no entanto, foi assistir a destruição da verdade. Nenhuma nota sobre o ocorrido foi lançada pelos grandes meios de comunicação. Pode parecer inocência minha acreditar em uma verdade, mas que seja. Eu acredito no que eu vi . Eu vi fogos de artifício e tiros serem lançados ao mesmo tempo. Vi que nem todos se contentam com pão e circo. E vi que nos bares há poucos metros dali a vida continuava leve como só a ignorância permite viver. A censura em Minas não é uma lenda, acreditem. Só que diferente daquela que conhecemos em outros tempos, essa não se anuncia, se esconde atrás de sorrisos charmosos, propagandas coloridas e cacetadas no escuro. No dia seguinte meus avós tomavam o café como se nada tivesse acontecido, mas qualquer bom observador poderia perceber que há alguma coisa diferente no ar dessa cidade.
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Amiga Tania, belíssimo este seu trabalho, postando aqui esta matéria. Cumprimentos ainda à sua autora. É o registro de um tempo sombrio em que vivemos nessas Minas Gerais, outrora berço de movimentos libertários, hoje governada pelo tucanato neoliberal, antítese de tudo que lembre gente, liberdade, democracia…
Abraços,
José Carlos