A polêmica do feijão

 (LUOMAN / ISTOCKPHOTO)A aprovação do feijão geneticamente modificado, pela CTNBio, abre um momento de controvérsias entre cientistas, produtores e ambientalistas

 

Yadine Ximenes

De um lado, se fala em um futuro de fartura na mesa, promessa de grande produtividade no campo e um preço bem melhor para o consumidor. Do outro, argumentos como risco à saúde, problemas ambientais e a necessidade de mais pesquisas para garantir a segurança alimentar da população. O certo é que essa polêmica ainda deverá se estender sobre o recém-aprovado feijão transgênico que passará a frequentar o prato do cidadão brasileiro.

O feijão geneticamente modificado, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi liberado na última quinta-feira, 15, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Teve 15 votos a favor, duas abstenções e cinco pedidos para mais testes e pesquisas. A variedade é resistente a um dos piores inimigos dos produtores, o vírus do mosaico dourado, transmitido pela mosca branca.

É o primeiro organismo geneticamente modificado produzido exclusivamente por uma instituição nacional. Com a aprovação pela CTNBio, as sementes do feijão transgênico serão multiplicadas. A previsão é de que cheguem ao mercado entre dois e três anos. 

Francisco Aragão, um dos pesquisadores da Embrapa e coordenador do projeto, disse que a maior vantagem dessa técnica é que não existe produção de novas proteínas nas plantas, consequentemente, sem possibilidade de alergia e intoxicação.

Porém, Rodrigo de Medeiros, advogado da Rede Nacional de Advogados Populares, afirmou que a liberação do feijão transgênico é “uma irresponsabilidade”. Segundo ele, dos 22 eventos gerados pela Embrapa, só dois resistiram ao vírus e o motivo das falhas não foi esclarecido. Desde 2006, a Embrapa realiza pesquisas de campo com o feijão transgênico em Londrina (PR), Sete Lagoas (MG) e Santo Antônio de Goiás (GO), regiões de grandes produções. A pesquisa completa durou mais de dez anos.

ENTENDA A NOTÍCIA

A CTNBio, criada em 2005, dá apoio técnico consultivo e ajuda o governo federal a formular e atualizar a política de biossegurança. Entre seus membros, cientistas, ambientalistas, advogados e representantes ministeriais.

ONGs apontam aprovação irregular e prometem recorrer

A liberação do feijão transgênico, há apenas dois dias, já tem gerado diversas discussões. E deve inclusive ser questionada na Justiça por organizações não governamentais. Quem questiona afirma que houve irregularidades no processo de aprovação. O representante do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Carlos Nobre, foi um dos dois votos de abstenção dentro da CTNBio.

Os pesquisadores da Embrapa defendem que os benefícios são inúmeros. Dentre eles, a diminuição das perdas na produção, garantia das colheitas e redução da aplicação de produtos químicos no ambiente. Entretanto, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar atua pelo Princípio da Precaução e defende que é melhor ter estudos mais avançados antes do plantio comercial.

Nicolas Fabre, especialista em Agroecologia pela Universidade Federal do Ceará, do Programa de Residência Agrária, também é contrário à aprovação da CTNBio. Segundo ele, o risco é muito maior quando se trata de um alimento que está diariamente na dieta de quase toda a população.

A Embrapa argumenta que além de diminuir a aplicação de agrotóxicos, deverá haver estabilização do preço do produto. O advogado Rodrigo de Medeiros é enfático: “Não há estudos ainda para a implantação do feijão transgênico, sem que se garanta que não haja riscos para a saúde da população. Falta responsabilidade do poder público”.

A Constituição afirma que é dever preservar o patrimônio genético nacional. O feijão é produzido basicamente por pequenos produtores – cerca de 80% da produção – cultivado principalmente em propriedades com menos de 100 hectares. José Maria Gusman Ferraz, especialista em meio ambiente e um dos membros da CTNBio, apontou diversas falhas no processo e violações ao princípio da precaução e à legislação de biossegurança.

Confronto das ideias

SIM: Produtividade

Somos plenamente favoráveis. Foi a transgenia que levou o Brasil a essa posição de destaque mundial na exportação de itens como soja e milho. A chegada da transgenia numa cultura como a do feijão só trará benefícios, inclusive aos pequenos agricultores. É preciso desmistificar o uso dos transgênicos. Em geral, a crítica que é feita aos transgênicos é sempre uma crítica ideológica, que já está superada nos países desenvolvidos.

O feijão é um produto básico na alimentação do povo brasileiro. A transgenia cria novas resistências e defesas para a cultura em questão; e também torna o produto mais resistente a fatores climáticos, como a diminuição das chuvas. Isso gera aumento da produção e da produtividade, o que permite baixar o peço do produto.

Houve uma época em que o Brasil importava feijão do México. Com a transgenia, o Brasil poderá ter mais uma commodity de exportação. Produtos como soja, milho, algodão e carne são destaques na nossa pauta de exportação. Somos grandes produtores e celeiros do mundo nessas culturas. O feijão pode se juntar a essa pauta. É um desafio interessante.

Flávio Saboya, presidente da Federação da Agricultura do CE

NÃO: Irresponsabilidade

A liberação do feijão transgênico é uma irresponsabilidade. A Lei de Biossegurança determina que é obrigatória a investigação de acidentes ocorridos no curso da pesquisa; e devem ser implementados meios para dar as informações necessárias às autoridades competentes (CTNBio, saúde pública, agropecuária) e toda a coletividade. O feijão transgênico foi desenvolvido para resistir ao mosaico branco. Contudo, dos 22 eventos gerados pela Embrapa, só dois resistiram a este vírus. Sem seguir o que determina nosso ordenamento, não se esclareceu os motivos das falhas, mas se liberou o feijão transgênico da mesma forma.

Dados do IBGE de 2009 demonstram que 70% do feijão que alimenta os brasileiros vem da agricultura familiar. Não há estudos para a implantação do feijão transgênico, sem que se garanta que não há riscos para a saúde da população, como para a segurança alimentar, principalmente, aqui no Nordeste. Esta falta de responsabilidade do poder público, atendendo a interesses de mercado, e não da população, está sendo visto, por exemplo, com o milho transgênico.

Rodrigo de Medeiros e Silva, advogado

http://www.opovo.com.br/app/opovo/tendencias/2011/09/17/noticiatendenciajornal,2300139/a-polemica-do-feijao.shtml

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.