A imagem do palácio de La Moneda bombardeado segue sendo sinônimo de horror e tristeza e, por certo, um tema que segue dividindo os chilenos. Mas este ano uma atmosfera diferente cerca o 11 de setembro no Chile. Os protestos massivos de estudantes e trabalhadores contra o governo de Sebastian Piñera, o clima de efervescência social e o assassinato de um jovem por policiais durante esses protestos compõem um novo cenário para a data.
Christian Palma – Correspondente da Carta Maior
Neste domingo fazem 38 anos que Augusto Pinochet, o genocida general chefe das forças armadas chilenas, liderou um golpe militar que derrubou pela força o presidente Salvador Allende e deu início a uma das etapas mais obscuras na história do Chile, que deixou milhares de mortos e desaparecidos, convertendo a ditadura chilena em uma das mais sangrentas e um ícone mundial do que nunca mais deve-se fazer e permitir.
A imagem do palácio de La Moneda bombardeado segue sendo sinônimo de horror e tristeza e, por certo, um tema que segue dividindo os chilenos. Mas este 11 de setembro não será igual. Se, no ano passado, a data foi classificada pelo governo de direita liderado por Sebastián Piñera, como a “mais tranquila em muitos anos”, graças a um forte aparato policial que conteve os manifestantes e à anestesia que ainda dominava a cidadania como efeito do terremoto e do tsunami que devastou grande parte do país, este ano a situação é bem diferente.
As manifestações massivas dos estudantes que obtiveram mais de 80% de apoio da cidadania, condensaram o descontentamento de muita gente com o fato de ter que se endividar para estudar, com a cobrança de juros abusivos nas universidades ou com a má educação. Some-se a isso as promessas não cumpridas da administração de Piñera, letra pequena em alguns projetos de lei apresentados na área da saúde ou da aposentadoria, por exemplo, mas que ocultam truques que só mantem o modelo neoliberal dominante no Chile.
“O governo de excelência de Piñera não tem nada de excelência, pois tem cometido inúmeros erros e não cumpriu suas promessas. Além disso, reprimiu de maneira exagerada as marchas de protesto, inclusive com a morte de um jovem (Manuel Gutiérrez, de 16 anos, assassinado pela polícia). “Eles exageraram a dose”, disse à Carta maior, Rodrigo Morales, sociólogo e pesquisador da Universidade do Chile.
“Existe uma efervescência social não vista há muito tempo”, reconheceu há alguns dias o general dos carabineiros José Luis Ortega, instituição que vem sendo questionada nos últimos dias. “Será um ano distinto. Há variáveis que não estavam presentes no ano passado e que vão influir diretamente. A morte desse jovem é uma bandeira de luta não somente para Santiago, mas para todo o país”, disse. Toda essa efervescência social que vem se desenvolvendo por quase quatro meses mudará o cenário dos protestos típicos do 11 de setembro.
A prefeitura metropolitana autorizou a tradicional marcha convocada pela Assembleia Nacional de Direitos Humanos para este domingo. O trajeto foi fixado com os organizadores e os carabineiros, sem garantir porém a possibilidade de desordens no trajeto que vai desde o centro de Santiago até o cemitério geral, onde um ato foi marcado. “Temos confiança que a marcha será realizada com respeito e tranquilidade, em uma semana tão dolorosa para o Chile, na qual todos estamos comovidos pela tragédia aérea de Juan Fernández”, disse a prefeita Cecilia Pérez.
O certo é que desde o sábado foi reforçado o contingente policial em pelo menos 14 pontos conflitivos de Santiago, principalmente junto às populações periféricas. Algumas das numerosas marchas pela educação realizadas em Santiago e região terminaram com violentos enfrentamentos entre jovens com o rosto coberto e carabineiros. Além disso, nestes protestos, incluindo panelaços noturnos, a polícia reprimiu duramente, situação que começou a se repetir desde a noite.
A jornada deste domingo inclui, além da caminhada ao memorial pelas vítimas da ditadura no cemitério geral, a entrega de coroas de flores por mais de dez organizações de Direitos Humanos no monumento erigido em honra ao presidente Salvador Allende na Praça da Constituição, a alguns metros do palácio de La Moneda.
A presidenta da Agrupação de Familiares de Detidos Desaparecidos, Lorena Pizarro, contou à Carta Maior que situações como a morte do jovem Manuel Gutiérrez não serão mais toleradas. “Quando o governo de Piñera proibiu a marcha de 4 de agosto e houve grandes enfrentamentos, na marcha seguinte milhares e milhares de pessoas saíram às ruas. Ali ficou claro que ninguém está mais disposto a aceitar e viver isso no Chile. A violação dos direitos humanos é o pior. Se o povo às vezes adormece, bastou que acontecesse isso para ele reclamar e dizer basta. Não vamos aceitar que isso ocorra de novo”.
Por outro lado, a Corporação 11 de setembro celebrou um novo aniversário do Golpe de Estado que os, cada vez menos, seguidores de Pinochet qualificam como “uma segunda independência nacional”. Eles homenagearam os “combatentes” e “presos políticos militares”, atualmente encarcerados por violação dos direitos humanos.
A viúva do ditador, Lucía Hiriart, destacou o afeto que até o dia de hoje recebe por parte de muitas pessoas que valorizam o que seu marido fez pelo país. Neste domingo, foi realizada uma missa pelo ex-general do Exército, Augusto Pinochet, na Catedral Castrense de Santiago.
Tradução: Katarina Peixoto
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