Duas observações: o texto abaixo, assim como o diálogo que a autora estabelece, na segunda parte, com um artigo da escritora Lya Luft, são longos mas extremamente ricos; e os destaques em negrito são meus. TP.
Katia Costa-Santos
Este ano eu iniciei um texto que intenciono postar aqui sobre a mais completa ignorância e desinformação em que cai a grande maioria dos intelectuais, pensadores, dramaturgos, ficcionistas não-negros brasileiros quando o assunto são as relações raciais no Brasil – ele já existe e virá assim que fizer os arremates. É impressionante! Não importa o quão brilhante essas pessoas sejam. Quando se trata das sensibilidades do negros brasileiros nenhum deles ou delas pensa duas vezes: calçam suas botinas de sinhozinhos e sinhazinhas e pisoteiam essas sensibilidades outras como quem destrói erva daninha, com aquela pisada forte, “se deixar crescer e se espalhar não terá mais jeito!” E eles têm razão. Porque ser negro brasileiro é, muitas vezes, ser negro retinto e passar por uma catarse qualquer na vida adulta e descobrir, neste lance, que se é negro – graças às Deusas não é o meu caso, minha família não tinha espaço pra essa disfunção, tínhamos outras, não essa. Assim como, uma vez que “se vê a luz”, não há mais caminho e volta. É por isso que às vezes esses “novos negros” se refugiam no seio branco da sociedade – quando têm cacife para tanto – e afastam-se completamente de qualquer relação direta com negros e negras, especialmente, porque não têm resistência, estrutura psíquica para seguirem “se olhando no espelho”, agora que a venda caiu, a que cobria seus olhos. E eu acho, sinceramente, que este é um direito que lhes cabe. Ninguém pode ou deve se meter, cada um sabe de si.
Mas o problema, para os donos das botinas — aquelas que herdaram de seus antepassados escravocratas, junto com os outros capitais da família – é que quando a clareza sobre o racismo brasileiro e suas artimanhas, camadas, implicações e alcance vira bússola e holofote a história é outra. É por isso que digo que os pisoteadores de sensibilidades negras têm razão quando nos massacram como a ervas daninhas: eles sabem que este é um caminho sem volta: a verdade de que nós negros brasileiros sempre fomos “coisas” prestadoras de serviços e ilustrações sem importância do cenário cultural brasileiro como um todo. Até os criadores e criadoras bem intencionados desse país defecaram em nossas sensibilidades, humanidades. E continuam a fazê-lo. Até porque, “todos sabem como se trata os pretos!” Inclusive os pretos fujões, aqueles que fogem do espelho, e é por isso que os respeito, porque sei que ninguém tem o direito de enfiar ninguém numa luta covarde, perversa, e esquizofrênica como essa dos negros brasileiros contra o racismo à brasileira. (mais…)
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