Com a galeria tomada por lideranças de povos indígenas de todo o Brasil, o Senado aprovou ontem o Projeto de Lei de criação da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) ligada ao Ministério da Saúde, que passa a executar as atribuições exercidas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), alvo de críticas e denúncias de corrupção nos dez anos em que cuidou da saúde dos índios. Os próximos passos serão a sanção do Presidente Lula e a expedição do decreto de criação.
Terminada a votação, os índios, emocionados, se reuniram na entrada do Congresso e comemoraram a conquista, depois de quase dois anos de mobilização intensa das lideranças e das organizações indígenas, que pediam o fim da participação da Funasa no atendimento a eles. Dançando em círculo, de mãos dadas, cantaram a música puxada por Maria de Jesus Sobrinho, a Dijé, da etnia Tremembé, do Ceará:
“Quem deu esse nó não soube dar,
Esse nó tá dado, eu desato já.
Oi, desenrola essa corrente,
deixa o índio trabalhar.
Oi, desenrola essa corrente,
Deixa o índio trabalhar.”
Na segunda-feira, dia 2, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) havia divulgado em seu blog um manifesto em que defendia a criação da Sesai. No manifesto, eles explicavam: “Nós, representantes do GT de Saúde Indígena, do Fórum Permanente de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena do Conselho Nacional de Saúde, das organizações indígenas regionais organizadas ou vinculadas à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), dos profissionais da saúde e lideranças indígenas de todo país, reunidos em Brasília, no período de 2 a 5 de agosto de 2010, vimos a público nos manifestar pela aprovação, no Senado Federal, do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 08/2010, que cria a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no âmbito do Ministério da Saúde.”
Envio de cartas à relatora do PLV, senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), e aos senadores líderes dos partidos e bancadas para que aprovassem a criação da secretaria. (Veja quadro no final do texto.) Em sua fala em defesa da aprovação do Relatório a senadora cumprimentou Maria de Jesus, representante Tremembé, Edmundo Omore, Xavante, Marcos Apurinã, Davi Kopenawa, Yanomami, e Jaci de Souza, Macuxi da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, como alguns dos defensores das mudanças no atendimento à saúde. Pouco antes de entrar no plenário ela havia se reunido com essas lidernaças em seu gabinete.
Para o presidente do conselho fiscal da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Agnelo Xavante, a aprovação foi uma vitória da união em defesa da saúde das crianças, das mulheres e dos idosos indígenas. “Agora precisamos ter uma participação transparente na secretaria.”
Da mesma forma, Edmilson Terena, que chorou muito no momento em que o presidente do Senado José Sarney declarou aprovado o projeto, disse que o trabalho está apenas começando: “Temos de reorganizar um subsistema que ficou emperrado no caos por 10 anos. A perspectiva agora é de melhoria.”
Clóvis Ambrósio, Wapixana, presidente do Condisi Leste, de Roraima, também acha que a aprovação leva o atendimento à saúde indígena a, como ele diz, recomeçar da estaca zero. “É preciso fazer logo o planejamento para modificar tudo o que tinha. Até o final do ano precisamos ter definida toda a nova estrutura da saúde na secretaria.”
Secretaria terá de enfrentar hepatite entre os Marubo
Marcos Apurinã, do Amazonas, coordenador geral da Coiab, diz que a facilidade com que os senadores aprovaram o PLV foi resultado de um trabalho longo de pressão. “Deixamos nossas aldeias para vir para cá, morar aqui na Esplanada dos Ministérios, conversando, fazendo pressão política, em defesa da qualidade de vida e de saúde indígena.”
Ele destaca um dos pontos mais graves que a nova secretaria precisa resolver com urgência: “No Vale do Javari, a hepatite delta está muito grave entre os Marubo. Se o problema não for atacado como emergência, em 15 ou 20 anos não sobrará um indígena Marubo vivo naquela área.”
Marcos diz que está confiante: “Acredito que a secretaria vai tirar a tristeza da cara do índio e trocar por sorriso. Hoje é só tristeza e luto. O índice de mortalidade infantil nas aldeias é muito alto.” Mas faz uma advertência: “Não queremos que a secretaria seja uma Funasa 2. Tem de fazer gestão correta, desde a prevenção até a cura. Tem de escolher pessoas com coração, com sensibilidade, não fazer política de saúde por baixo dos panos. Para trabalhar com saúde de índio precisa ter coração no peito. Essa gente da Funasa não tinha coração, tinha uma pedra.” Ele entende que é preciso nomear logo o secretário e dar autonomia imediata aos distritos. “Até 2011 já veremos algum bom resultado. Em 2012 vamos sorrir um sorriso bem grande.”
Próximos passos
O secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Antonio Alves, que coordenou Grupo de Trabalho de Saúde Indígena na elaboração da proposta que foi ao Congresso, também comemorou a aprovação do projeto nesta terça-feira. “O governo brasileiro está cumprindo uma recomendação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a necessidade de ouvir os povos indígenas sempre que se tome qualquer medida em relação a eles. Eles têm de ser ouvidos, têm de participar.” E acrescenta que o grupo de trabalho tinha 26 membros, dos quais 17 eram indígenas. “A própria redação da Medida Provisória passou pela aprovação das comunidades indígenas, o que considero uma conquista da democracia e uma vitória dos povos indígenas.”
O secretário do Ministério da Saúde explica o que representa, na prática, a aprovação da secretaria: “A Funasa é uma fundação, uma autarquia, uma administração indireta, e o fato de uma secretaria ser ligada ao ministro na administração direta possibilitará um entrosamento maior com outras secretarias do ministério. Haverá um entrosamento maior com as áreas do SUS e as secretarias municipais e estaduais de saúde, que vão ter de dar apoio na alta e na média complexidade. Enfim, a União assume a execução direta da atenção primária, que é uma determinação do Tribunal de Contas, do Ministério Público Federal, e uma reivindicação dos povos indígenas.”
Agora, o Presidente Lula tem um prazo de 30 dias para sancionar o PLV. A expectativa é que tão logo saia a publicação da lei no Diário Oficial, seja expedido o decreto de criação da secretaria “dando uma nova estrutura aos 34 distritos de saúde indígena, com cargos comissionados para que eles possam se constituir como unidades gestoras autônomas, com autonomia financeira e administrativa e descentralizando essa ação para a ponta, mais próximo possível da realidade onde vivem os indígenas.”
Cyberação enviou mais de 1 600 cartas aos senadores
Em apenas cinco dias, 1604 cartas foram enviadas aos senadores pedindo que votassem o Projeto de Lei que criava a secretria especial de saúde indígena. A campanha “O momento é decisivo para a saúde indígena”, foi ao ar no site do ISA na quinta-feira, dia 29 de julho e foi divulgada também por 168 tweets e 104 retweets. No Facebook, 684 pessoas compartilharam o link a partir do site da campanha, e a partir daí houve mais 390 compartilhamentos e 217 avaliações positivas.
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=362892