‘Muitas vezes os índios são tidos como estorvos que não deveriam nem existir mais’

A reportagem e a entrevista é de Aldrey Riechel e publicada por Amazônia.org.br.

O Conselho Indigenista Missionário lançou no dia 9 o relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – 2009, que aponta que grandes projetos de infraestrutura impactam territórios indígenas e afetam a vida de diversos povos.  Entre os projetos estão as hidrelétricas planejadas para a Amazônia, como Belo Monte, no Pará, e as usinas do Rio Madeira, em Rondônia.

Esses projetos, duramente criticados por ambientalistas, cientistas, economistas e até pelo Ministério Público Federal (MPF), seguem com suas obras passando por cima da legislação ambiental vigente e de culturas consideradas como “entraves ao desenvolvimento”.  Entre os povos mais afetados, estão os indígenas, que são considerados como entraves, segundo afirma a professora do PUC/SP, Lúcia Rangel, que coordenou o relatório.

“Muitas vezes os índios são tidos como estorvos que não deveriam nem existir mais.  É essa a idéia principal que se tem contra a população indígena, então o respeito pelos direitos indígenas não existe no Brasil, mesmo que esses direitos estejam selados na Constituição Federal”, explica.

Segundo ela, isso acontece porque os governantes ainda pesam em desenvolvimento de forma errada, sem levar em consideração as pessoas.  “Não deveriam pensar o desenvolvimento apenas como obra de infraestrutura, agronegócio e passando por cima de tudo que a gente tem no planeta”, explica.

Eis a entrevista.

Quem são os responsáveis pelas violências contra indígenas, lideranças e comunidades?

Digamos que o pano de fundo da violência é o conflito pela posse da terra, o conflito fundiário. Nele estão envolvidos fazendeiros, madeireiros, minerados, garimpeiros e também estão envolvidos políticos, governo locais, municipais e governo estaduais.  Estes seriam, assim, os principais responsáveis.

No relatório vocês apontam que os projetos de infraestrutura impactam territórios indígenas e afetam a vida de diversos povos.  Quais seriam esses projetos?

Dentre os projetos de infraestrutura, nós temos a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, e há uma grande ameaça aos povos do rio Xingu com a construção da hidrelétrica de Belo Monte.  Esses estão mais na “crista da onda”, mas são inúmeros os projetos de infraestrutura que afetam os povos indígenas.

Você acredita que esses projetos ainda podem ser mudados?  Esses impactos ainda podem ser revertidos?

Eu não sei. No caso de Belo Monte há uma movimentação muito grande contra a construção da hidrelétrica. Todo mundo está contra, o Ministério Público, os ambientalistas, as comunidades indígenas, os ribeirinhos da região… Todo mundo!  No entanto, o governo federal está fazendo o maior esforço para a construção.

A última investida foi colocar o dinheiro dos Fundos de Pensão à disposição da construção. Quer dizer, eu achei que é forçar a barra, mesmo porque essa hidrelétrica, se ela for construída assim, vai produzir energia apenas seis meses por ano.  É uma coisa absurda.  Uma insistência em fazer uma obra que está ou fadada a dar prejuízo e servir de pretexto para investir em outras – como fizeram lá no rio Tocantins.  É insaciável esse projeto, parece que não tem fim.

No Rio Madeira, com as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, eles passaram por cima de tudo, sem respeitar o que os estudos apontaram, especialmente a presença de povos indígenas isolados que vivem ali na região da obra.

E isso não é caracterizado como um atentando contra os direitos humanos?

Eu acho que é, mas o governo não acha.  E como não tem prova, há indícios.  A Funai [Fundação Nacional do Índio] localizou e há indícios de povos isolados ali, mas o governo não faz nada. Não quer saber disso, e os governos Estaduais dão grandes apoios a esse tipo de obra.  Eles acham que vão ter mais energia, que vão ganhar alguma coisa com isso.  Como é o caso do governo do Estado do Tocantins, que apoia um projeto hidrelétrico que transformará o rio em vários lagos.  Esse projeto não só vai atingir populações indígenas e ribeirinhas, como vai também ter que alargar uma área de preservação ambiental, muito rica em biodiversidade e cachoeiras maravilhosas.

Há uma preponderância da proposição do crescimento econômico, do desenvolvimentismo em detrimento do ambiente natural e das comunidades que vivem nesses lugares.

E como vocês lidam com essa opinião?

Muitas vezes os índios são tidos como estorvos que não deveriam nem existir mais.  É essa a ideia principal que se tem contra a população indígena.  Diante disso, o respeito pelos direitos indígenas não existe no Brasil, mesmo que esses direitos estejam selados na Constituição Federal.

E se existem leis de proteção aos povos indígenas, garantidos pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT, e elas continuam sendo desrespeitadas, qual seria o caminho para reverter esse contexto?

O nosso empenho, do Cimi, é denunciar isso para ver se alguém toma alguma providência, para ver se alguns efeitos positivos o relatório do Cimi tem, algumas terras que estavam embargadas que foram liberadas e coisas assim.

Esse ano, por exemplo, é um ano eleitoral, então quando o brasileiro vota, sei lá porque razão, ele vota e não quer nem saber.

Você acha que um candidato ou como o José Serra ou como a Dilma Rouseff, vai ouvir quem?  Vai ouvir os fazendeiros, os investidores, os industriais, enfim, aqueles que mandam no Brasil e comandam esse processo.  Por quê?  Ambos os candidatos dão prioridade para o chamado, desenvolvimento econômico, que é uma meta que hoje em dia já é tão questionada no mundo inteiro, até pelos economistas que criaram o conceito e, até mesmo eles passam a questionar a idéia de desenvolvimento.  Não deveriam pensar no desenvolvimento apenas como obra de infraestrutura, agronegócio e passando por cima de tudo que a gente tem no planeta.  É complicado, não há um dialogo sobre isso, por isso nos resta ficar gritando, denunciando, todo ano.

O que vocês caracterizam como omissão do poder público, no relatório?

O que nós estamos chamando omissão do poder público são as conseqüências nefastas da violação de direito: o direito a um atendimento de saúde diferenciado, o direito de ter escolas diferenciadas, que são elementos que não são respeitados.  Então você vai ver que no campo da saúde, nós vamos ter uma desassistência muito grande.

A situação de desassistência é mais grave em regiões, que às vezes, não têm problemas de terra, como é o caso do Cale do Javari (AM).  Há uma ameaça constante de epidemias de hepatite, malária, tuberculose nessa área onde muitas comunidades vivem ali, inclusive comunidades isoladas, que são extremamente vulneráveis às epidemias.  Há falta de pessoal [funcionários], falta de transporte para levar para o hospital, falta de medicamento.  Não é um ou outro que reclama disso, são várias comunidades que reclamam disso.

Então por que o poder público é omisso?  Porque não toma providencias para equipar melhor a Funasa [Fundação Nacional da Saúde], destinar verbas específicas, colocar pessoal em campo.  Falta médico, enfermeiros, técnicos de saúde.

Há alguns programas que são fortes, que funcionam e que tem um pessoal relativamente bem preparado para lidar com a comunidade indígena, respeitando a medicina tradicional, porém, há outros lugares que estão “a Deus dará” e as epidemias seguem matando gente.

Nesta eleição, o debate de sustentabilidade está presente nos discursos dos candidatos.  Você acredita que as temáticas indígenas não vão entrar na pauta?

Eu acredito que uma candidata como Marina Silva, ela pessoalmente, não sei o PV que eu nem conheço direito, mas ela é uma pessoa sensível à questão indígena, ela é acreana, conhece bem e defende a Amazônia.  Ela sabe o que acontece no Brasil.  Agora tenho a impressão de que os outros candidatos não ligam para isso.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34488

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