Dilema entre reserva ambiental e quilombo e esclarecimentos sobre o assunto

Uma observação: em seguida à reportagem sobre o Quilombo Mumbuca, estamos publicando um esclarecimento do antropólogo Carlos Eduardo Marques sobre o assunto. TP.

Ana Paula Siqueira

BRASÍLIA – Uma situação inusitada em Minas Gerais gerou uma batalha judicial entre órgãos federais no estado. A criação da Reserva Biológica (Rebio) da Mata Escura, na região do baixo Jequitinhonha, vem tirando o sono dos moradores do Quilombo Mumbuca. De um lado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) defende a demarcação e permanência da comunidade no local. Do outro, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) luta pela implantação da área de preservação. A reserva abrange toda a extensão do quilombo.

A grande questão gira em torno do tipo de reserva em que pode se transformar a região. Nas reservas biológicas (Rebio), de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), não é permitida a presença humana ou qualquer atividade que altere a vegetação natural. O objetivo é proteger amostras da fauna e da flora em seu ambiente natural para estudos científicos, monitoramento ambiental, educação científica e manutenção dos recursos genéticos.

A criação da reserva se deve à construção da hidrelétrica de Itapebi, localizada no município de mesmo nome, na divisa da Bahia com Minas Gerais. A barragem foi construída no Rio Jequitinhonha, entre 1999 e 2003. A Rebio seria uma das maneiras de compensar o dano ambiental causado com a obra.

Quilombo Mumbuca

De acordo com estudo antropológico realizado pelo Núcleo de Estudos Quilombolas e Populações Tradicionais (NuQ), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), são mais de 80 famílias que, inicialmente, ocupavam uma área de 8.500 hectares.

A área foi comprada há cerca de 150 anos por um descendente de escravos. O pedido de reconhecimento de comunidade quilombola pelos moradores de Mumbuca, todavia, foi feito a partir da criação da Rebio Mata Escura. Entretanto, não há titulação da terra ocupada por eles. Como não houve acordo entre ambientalistas e antropólogos, a questão foi remetida à Advocacia Geral da União (AGU), em 2007 e encaminhada à Câmara de Conciliação do órgão.

Contudo, após diversas reuniões e pareceres, a AGU chegou à conclusão que o dilema ultrapassa a esfera jurídica, “alcançando dimensão de natureza política”. Por isso, o processo está sendo preparado para ser remetido à Casa Civil da Presidência da República. Não há previsão de quando a questão possa se resolver.

Possibilidades

Uma das alternativas para o impasse consta no relatório do Grupo de Trabalho criado pelo ICMBio de Minas. Além de excluir a área quilombola da reserva, poderá ser enviado projeto ao Congresso Nacional para que a área de mais de 50 mil hectares seja transformada em Parque Nacional.

O professor e pesquisador do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais (NuQ), da Universidade Federal de Minas Gerais (MG), Carlos Eduardo Marques, que participou do estudo antropológico, fundamental para o reconhecimento de comunidade quilombola, defende que a área em questão só se tornou reserva biológica graças as ações dos quilombolas.

– Uma das questões que demonstramos no próprio relatório é que o modo de vida daquela comunidade, não urbano e não industrial, foi o que permitiu a preservação das áreas argumenta.

Fonte: JB on line

Nota de Esclarecimento de Carlos Eduardo Marques:

Prezados,

em conversa com a colega Vanessa, antropologa do INCRA, achamos por bem esclarecer algumas questões – pois infelizmente é comum algumas confusões de dados por parte dos jornalistas:

1- O caso Mumbuca e REBIO não foi judicializado. Encontra-se em debate na Camara de Conciliação, órgão administrativo do poder executivo. Este esclarecimento é importante pois a matéria é contraditória as vezes falando em judicialização do conflito.

2- A área da REBIO não atinge todo o território quilombola e sim aproximadamente 75% do mesmo. Aliás enviamos a repórter um mapa da situação esclarecendo este dado.

3- A matéria fala em um debate a respeito da modificação de tipo de Unidade de Conservação (UC) de REBIO para Parque, ou mesmo, o envio ao Congresso de um PL remarcando o tamanho da REBIO para excluir os quilombolas; esclarece-se que ambas as propostas atenderiam a Comunidade Qilombola mas jamais foram consideradas pelo ICMBIO, apesar de serem sugestões factiveis. Ademais se o ICMBIO estivesse levando em consideração ambas, ou pelo menos uma destas medidas, o próprio conflito desapareceria. NO ENTANTO, como a repórter disse ter ouvido às várias partes  tal informação é para nós uma surpresa que Oxalá venha se concretizar. Quem sabe o ICMBIO resolva tornar-se mais flexivel e a reporter tenha tido acesso a informações que não possuimos. Aguardemos os próximos capitulos.

Comments (1)

  1. A nossa história é plena de exemplos que demonstram o quanto as comunidades tradicionais são importante na preservação de muitos segmentos de ecossistemas remanescentes pelo mundo afora. Para essas populações esses remanescentes ecossistêmicos não são apenas fonte de recursos, meios de sobrevivência. Para elas esses espaços são sagrados. Por isso os preservam e defendem. O conceito de preservação associado à exclusão das populações tradicionais é, no mínimo, falta de informação de como estas paisagens foram criadas e são mantidas. E nesse aspecto refiro-me às informações científicas, que para muitos é o que vale. Nem entrarei no mérito da questão humanista, ética. Portanto, associar a proteção à segurança seria uma medida inteligente, prática e moralmente correta. Materializando-se sob a forma de uma reserva biológica nas áreas fora do domínio territorial dos quilombolas, integrada a uma unidade de conservação em que os quilombolas pudessem ter sua cultura igualmente preservada e considerada como um patrimônio nacional, talvez uma APA, que lhes permitissem o manejo, sobrevivência e, ao mesmo tempo, beneficiasse a REBIO com sua proteção.

    Rita Montezuma
    Prof. Depto. Geografia/PUC-Rio

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