Posicionamento Político Institucional do CEN sobre a Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial

“As elites, sempre terão umas migalhas a oferecer, para aqueles que não são convidados para os banquetes”.  (Joaquim Nabuco)

Antes de escrever este documento, nós, da Coordenação Nacional do Coletivo de Entidades Negras/CEN, tivemos a preocupação e a responsabilidade de ler o que publicaram os principais jornais do país sobre a Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Afinal de contas, o Estatuto era o depositário fiel de mais de 10 anos de luta do movimento negro, e lá estava contido, após vários debates acalorados e construções diversas, os anseios da diversidade de entidades que compõe o movimento negro nacional.

É importante relembrar que nós do Coletivo de Entidades Negras/CEN fomos a favor da aprovação do Estatuto e defendemos este ponto de vista dentro da II CONAPIR (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial). Entendemos que as diretrizes que apresentadas em junho de 2009, continham os elementos necessários para o apoio à aprovação do Estatuto naquela época, com base no Projeto de Lei Substitutivo elaborado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados

Juntamente com outras importantes entidades do movimento negro sentamos com o na época Ministro Edson Santos e entendemos a importância de aprovação do Estatuto da Igualdade Racial nos moldes daquela época, ou seja, sem os cortes estabelecidos pelo Senador Demóstenes Torres e que acreditávamos inegociáveis.

São eles:

1. O caráter autorizativo e não determinativo do projeto;
2. A eliminação dos termos raça em todas as instâncias e termos em que foi alterada, suprimida ou substituída;
3. A escravidão e o tráfico de escravos como crime, imprescritível, contra a humanidade, daí a necessidade de Reparação;
4. As Cotas raciais e toda a sua dimensão e contra a perspectiva de que este é um quadro social, uma vez que, segundo o relator, raça não existe daí a pobreza ser elemento imperativo para a manutenção do status quo;
5. A manutenção das vagas de 10% de para candidaturas de representações de negros e negras nos partidos políticos;
6. Modificação no Código Penal dispensando a exigência de representação do ofendido para processamento de crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação) praticados contra funcionário público em razão de suas funções;
7. Políticas nacionais de saúde específicas para os negros. Com a manutenção de todas as referências para reduzir a mortalidade de mulheres negras;
8. Concessão de incentivos fiscais às empresas com mais de 20 empregados que mantivessem uma cota mínima de 20% de trabalhadores negros;
9. Reconhecimento dos territórios tradicionais quilombolas – terras ocupadas por remanescentes de quilombos em toda a sua dimensão.

Infelizmente, desde agosto do ano passado, em nenhum momento, fomos consultados pela SEPPIR sobre o tema, ou sequer foi constituído um Grupo de Trabalho, conforme sugerimos, composto pela diversidade do movimento negro com o objetivo de discutir quais os limites máximos possíveis para a aprovação do Estatuto.

Ou seja, até onde nós militantes do movimento negro, sujeitos exponenciais, e importantes referências para criação da SEPPIR estávamos disposto a ceder com relação ao Estatuto e qual a estratégia e percurso máximo que poderia ser percorrido para conseguirmos a aprovação nesta legislatura, ou se deixaríamos para um próximo momento. Ou seja, seria uma questão de método, de unidade, de interação entre sociedade civil e governo.

Prevaleceu, entretanto, a falta de diálogo e a truculência até o último momento. E isto, cabe a nós denunciar.

É importante saber o papel de cada um na história e as diferentes posições de cada um de nós. Governo tem o seu papel. Inclusive os militantes quando ocupam estes cargos e nós do movimento negro temos o nosso. Certamente a nós cabe uma reflexão e claro a necessidade de montar uma estratégia para trabalhar as possibilidades de diálogo com a Casa Civil antes da sanção deste Estatuto.

Sim, amigas e amigos, uma vez que a SEPPIR não teve e não sabemos se deseja ter um diálogo aprofundado e respeitoso junto às entidades negras, devemos avançar. Não de encontro SEPPIR, pois ela é uma conquista nossa e em defesa dos nossos ideais, mesmo que alguns, principalmente que estão lá dentro, não a enxerguem assim.

Não podemos abrir mão disto. Este é o nosso papel e sabemos disto.

Não podemos deixar que toda a sociedade entenda e acredite que a mutilação do Demóstenes Torres sob o Estatuto foi aceita, negociada e incorporada por nós. Não foi! E com certeza esta é função e responsabilidade nossa, neste exato momento, informar a todos e por todos os meios.

Temos um papel importante a desempenhar, assim como teremos em um futuro próximo ou distante que sentar para discutir sobre o Estatuto aprovado e ver o que nós, e tão somente nós, entidades do movimento negro fazemos com ele. Afinal de contas, ele é nosso e não contaremos com o apoio da mídia e dos setores reacionários ou os ditos progressistas, sejam eles dos governos ou não.

Dentre as diversas lições deste episódio, fica a necessidade da SEPPIR aprender a conversar, pois por diversas vezes e em diversos momentos foi criticada justamente por conta disto, a falta de diálogo respeitoso e cuidadoso com o movimento. Também fica para nós a necessidade de rearticularmos os nossos fóruns, independente de apoios e estruturas dos governos. Relembrar outros momentos da história do movimento negro em que tocamos ações importantes e históricas sem ficar acreditando o que o governo iria responder a todas as nossas inquietações.

Qualquer movimento sucumbe se entregar todas as suas fichas nas mãos de qualquer que seja o governo, por mais que se acredite que o mesmo seja progressista e em qualquer legislatura que venha a ocorrer.

O Coletivo de Entidades Negras entende que o momento não é de culpabilizar pessoas individualmente, mas de ampliarmos a nossa base no Congresso e redefinirmos quem serão aqueles que merecem ou merecerão o nosso apoio durante o novo pleito eleitoral que se aproxima.

E assim delibera:

1. Pela necessidade de encaminhar para a Casa Civil da Presidência da República o posicionamento de todas as grandes entidades que se posicionaram pela retirada do Estatuto da Pauta do Senado, levando em consideração, que quem se posiciona em um momento político e histórico como este, são tão somente denominados de grandes;
2. Entende que aqueles que no dia seguinte agem como bastiões da moralidade e com posicionamentos proféticos sobre armadilhas futuristas não devem ser levados em consideração. A omissão é criminosa e não faz parte da nossa luta. Preferimos acreditar que foi apenas um posicionamento individual e equivocado de quem perdeu o trem da história e necessitava falar algo, e sendo assim não fez as reflexões necessárias. Apenas falou pela necessidade de dizer algo;
3. Compreende a urgência de protocolar um documento no Supremo Tribunal Federal – STF informando a manutenção das nossas bandeiras e da importância da permanência das Cotas e de toda e qualquer política de ação afirmativa às questões que nos são pertinentes;
4. Reafirma a importância da defesa junto ao Supremo Tribunal Federal – STF, da manutenção do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas de que trata o art. 68 do ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acerca das titulações das terras quilombolas;
5. Reafirma a importância e necessidade de que o Estado Brasileiro garanta o direito fundamental de acesso ao território quilombola, como instrumento para promoção da igualdade e justiça social, e a promoção e proteção do pluralismo étnico-cultural, aspecto relevante para toda a Nação;
6. Solicita o retorno imediato do Projeto de Lei 73/99 (PL Cotas) que tem como relatora a senadora Serys Slhessarenko para a pauta de discussão no Senado; O PL COTAS prevê a inclusão de alunos em universidades públicas brasileiras por meio de cotas sociais e raciais e tramita há 10 anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado;
7. Oficiar junto ao Ministério da Saúde sobre a importância da manutenção de toda a política já construída tendo como ponto focal a saúde da população negra;
8. Encaminhar junto a Secretaria Especial de Direitos Humanos/SEDH documento referente à importância da garantia da integralidade do III PNDH que dispõe em seus artigos, importantes pautas reivindicatórias do movimento negro, a exemplo do racismo como crime contra a humanidade e outros dispositivos;
9. Reafirmar, junto a Presidência da República de que estamos atentos e vigilantes a toda política voltada para a população negra brasileira como forma de ampliação dos direitos democraticamente conquistados ao longo dos anos pelo movimento negro em sua diversidade de ações e articulações;
10. Fazer valer a Lei 10.639/2003 e todos os Princípios da Convenção Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial;
11. Posicionar-se, junto a Presidência da República sobre os encaminhamentos necessários antes de sanção do Estatuto da Igualdade Racial de modo que o mesmo não vire um estatuto folclorizado e dissipador de mais discórdias e divisões entre nós;
12. Buscar meios para a construção de uma Assembléia Popular com as Entidades que se posicionaram e ainda se posicionam, frente a necessidade da retirada do Estatuto da Igualdade Racial de pauta, tão e só justamente, pela relatoria racista e desqualificada do Senador Demóstenes Torres.

Enfim, que tenhamos a responsabilidade e os cuidados que não conseguiram ter conosco, afinal, estamos sob a nossa própria sorte.

Que Oxalá nos abençoe, e nos dê disposição e saúde.

Marcos Rezende.
Coordenador Geral do CEN

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