O Artesanato dos Índios Kisêdjê e a Operação Moda Triste do Ibama em Canarana (MT): aspectos socioambientais, artigo de Valdir Lamim Guedes Junior

O agente do Ibama, Gaspar Rocha, e os índios Yanuculá Kaiabi e Wadumba Kisêdjê. Foto: Fernanda Bellei, Instituto Socioambiental.
EcoDebate] Mais de 100 índios, entre eles 30 caciques e guerreiros da etnia Kisêdjê, se reuniram na Câmara dos Vereadores de Canarana (MT), dia 2/03, para exigir de volta os artigos indígenas apreendidos pelo Ibama em 10 de fevereiro. A apreensão se deu em duas lojas da cidade, durante a Operação Moda Triste. O Ibama recolheu os objetos alegando que foram confeccionados com penas e ossos de animais silvestresi.
Este caso tem dividido opiniões pois algumas pessoas consideram a atuação do Ibama exagerada. Outras pessoas consideram os índios como criminosos, por estarem desrespeitando a leis de Crimes Ambientais (lei nº 9.605/ 1998).
Apesar de existirem aspectos legais discutíveis, neste artigo serão focados apenas aspectos socioambientais. É evidente que a comercialização de artesanato com partes de animais deve ser evitada, tanto por motivos éticos (referentes à sociedade “civilizada”), quanto pela sustentabilidade das populações animais. Tendo uma visão humanista da ocorrido em Canarana, e não ecocêntrica, o que fazer quando não se tem meios de viver, de ter o que comer? Entrar na economia de mercado? Não é questão de entrar na economia ou não entrar, é uma questão de sobrevivência, de não ter outra saída.
Está situação não parece ser o que ocorre neste caso especifico. O povo Kisêdjê vive na Terra Indígena Wawi, na entrada do Parque Indígena do Xingu (MT), no município de Querência, com 150.328 ha, existindo na área projetos geradores de renda e assistência médica, não estando estes índios passando fome.
E se a situação fosse outra, de índios passando fome. Algumas pessoas poderiam questionar: porque não plantam? Já que caçar não é adequado para a sustentabilidade das espécies animais, ao ver do homem branco civilizado. E a resposta é simples, apenas a agricultura não é suficiente para a sobrevivência do grupo porque destruímos suas terras, sua cultura, transmitimos doenças às quais os índios não têm resistência. Apesar disto, boa parte da Amazônia está protegida sobre o domínio de indígenas e eles tem muito a nos ensinar, porque conseguiram por muito tempo conviver de modo sustentável com a natureza.
Acerca deste caso, um contra-argumento é possível: o que é mais perigoso para a conservação das espécies animais? O artesanato feito por estes índios ou a derrubada da floresta para a produção de soja ou criação de gado?
Ao analisar as críticas à produção de artesanato por índios deve-se ter em mente a idéia do “biólogo autoritário”, com a sua conseqüente arrogância anti-humanista, que acredita na existência de uma dicotomia entre o homem e a natureza, e com isto, para se preservar o meio ambiente deve-se manter o ser humano distante das áreas naturais. Esta visão, amplamente difundida na biologia da conservação, baseia a idéia de parques ecológicos sem pessoas morando dentro de seus limites, sendo responsável por muitos conflitos pela posse de terras e grandes custos para o ministério público.
Muitos grupos tradicionais, índios, ribeirinhos, quilombolas e caiçaras, por exemplo, manejam o meio ambiente de forma sustentável e muitas vezes a biodiversidade regional é mantida justamente por este manejo dos recursos naturais. Um exemplo disto é a agricultura através de roças itinerantes que mantém uma heterogeneidade ambiental, responsável por manter uma riqueza de espécies maior.
A análise deste caso dos índios Kisêdjê expõe que quando se trata destes grupos tradicionais a comparação direta com o comportamento do “homem civilizado” não pode ser direta, por causa da relação destas pessoas com o meio ambiente. Apesar de parecer uma coisa muito impactante o artesanato feito por estes índios, isto não é nada comparado às alterações causadas pelo desmatamento para a extração de madeira, plantio de soja e criação de gado, problemas que devem ser o foco dos esforços em defesa do meio ambiente.
Valdir Lamim Guedes Junior, Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, é colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 11/03/2010
Nota do EcoDebate: sobre o mesmo tema leiam, também, o artigo “O Artesanato dos Índios Kisêdjê e a Operação Moda Triste do Ibama em Canarana (MT): Aspectos legais, artigo de Valdir Lamim Guedes Junior”

O agente do Ibama, Gaspar Rocha, e os índios Yanuculá Kaiabi e Wadumba Kisêdjê. Foto: Fernanda Bellei, Instituto Socioambiental.

EcoDebate] Mais de 100 índios, entre eles 30 caciques e guerreiros da etnia Kisêdjê, se reuniram na Câmara dos Vereadores de Canarana (MT), dia 2/03, para exigir de volta os artigos indígenas apreendidos pelo Ibama em 10 de fevereiro. A apreensão se deu em duas lojas da cidade, durante a Operação Moda Triste. O Ibama recolheu os objetos alegando que foram confeccionados com penas e ossos de animais silvestres.

Este caso tem dividido opiniões pois algumas pessoas consideram a atuação do Ibama exagerada. Outras pessoas consideram os índios como criminosos, por estarem desrespeitando a leis de Crimes Ambientais (lei nº 9.605/ 1998).

Apesar de existirem aspectos legais discutíveis, neste artigo serão focados apenas aspectos socioambientais. É evidente que a comercialização de artesanato com partes de animais deve ser evitada, tanto por motivos éticos (referentes à sociedade “civilizada”), quanto pela sustentabilidade das populações animais. Tendo uma visão humanista da ocorrido em Canarana, e não ecocêntrica, o que fazer quando não se tem meios de viver, de ter o que comer? Entrar na economia de mercado? Não é questão de entrar na economia ou não entrar, é uma questão de sobrevivência, de não ter outra saída.

Está situação não parece ser o que ocorre neste caso especifico. O povo Kisêdjê vive na Terra Indígena Wawi, na entrada do Parque Indígena do Xingu (MT), no município de Querência, com 150.328 ha, existindo na área projetos geradores de renda e assistência médica, não estando estes índios passando fome.

E se a situação fosse outra, de índios passando fome. Algumas pessoas poderiam questionar: porque não plantam? Já que caçar não é adequado para a sustentabilidade das espécies animais, ao ver do homem branco civilizado. E a resposta é simples, apenas a agricultura não é suficiente para a sobrevivência do grupo porque destruímos suas terras, sua cultura, transmitimos doenças às quais os índios não têm resistência. Apesar disto, boa parte da Amazônia está protegida sobre o domínio de indígenas e eles tem muito a nos ensinar, porque conseguiram por muito tempo conviver de modo sustentável com a natureza.

Acerca deste caso, um contra-argumento é possível: o que é mais perigoso para a conservação das espécies animais? O artesanato feito por estes índios ou a derrubada da floresta para a produção de soja ou criação de gado?

Ao analisar as críticas à produção de artesanato por índios deve-se ter em mente a idéia do “biólogo autoritário”, com a sua conseqüente arrogância anti-humanista, que acredita na existência de uma dicotomia entre o homem e a natureza, e com isto, para se preservar o meio ambiente deve-se manter o ser humano distante das áreas naturais. Esta visão, amplamente difundida na biologia da conservação, baseia a idéia de parques ecológicos sem pessoas morando dentro de seus limites, sendo responsável por muitos conflitos pela posse de terras e grandes custos para o ministério público.

Muitos grupos tradicionais, índios, ribeirinhos, quilombolas e caiçaras, por exemplo, manejam o meio ambiente de forma sustentável e muitas vezes a biodiversidade regional é mantida justamente por este manejo dos recursos naturais. Um exemplo disto é a agricultura através de roças itinerantes que mantém uma heterogeneidade ambiental, responsável por manter uma riqueza de espécies maior.

A análise deste caso dos índios Kisêdjê expõe que quando se trata destes grupos tradicionais a comparação direta com o comportamento do “homem civilizado” não pode ser direta, por causa da relação destas pessoas com o meio ambiente. Apesar de parecer uma coisa muito impactante o artesanato feito por estes índios, isto não é nada comparado às alterações causadas pelo desmatamento para a extração de madeira, plantio de soja e criação de gado, problemas que devem ser o foco dos esforços em defesa do meio ambiente.

Valdir Lamim Guedes Junior, Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, é colaborador e articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 11/03/2010

Nota do EcoDebate: sobre o mesmo tema leiam, também, o artigo “O Artesanato dos Índios Kisêdjê e a Operação Moda Triste do Ibama em Canarana (MT): Aspectos legais, artigo de Valdir Lamim Guedes Junior”.

http://www.ecodebate.com.br/2010/03/11/o-artesanato-dos-indios-kisedje-e-a-operacao-moda-triste-do-ibama-em-canarana-mt-aspectos-socioambientais-artigo-de-valdir-lamim-guedes-junior/