Comunidades tradicionais da zona rural de Manaus mapeadas num projeto premiado nos Estados Unidos estão ameaçadas de desaparecer.
Kátia Brasil De Manaus, Folha de S.Paulo
As terras foram desapropriadas pelo governo do Amazonas para a instalação de um distrito industrial naval.
Os territórios dessas comunidades foram mapeados de 2005 a 2011 pelo sistema de satélites do projeto “Nova Cartografia Social da Amazônia”, premiado em 2011 pela Fundação Ford, nos EUA, com US$ 100 mil e liderado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas.
As terras fazem limites com imóveis de empresários, do Exército e da União.
Excluídos de consulta prévia sobre o megaempreendimento, líderes das 19 comunidades afetadas dizem que vão pedir à Justiça a revisão do decreto, assinado pelo governador Omar Aziz (PSD) em outubro do ano passado.
A Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, relatou o caso ao Ministério Público Federal, que abriu inquérito civil. “O governo deveria ter antecipado uma consulta às comunidades”, afirma o procurador da República Leonardo Macedo.
Essas comunidades, agora ameaçadas, surgiram em terrenos planos e barrancos na margem esquerda do rio Amazonas, em 1900.
Os aglomerados são formados por casas, escolas, igrejas, jardins com árvores gigantes, como sumaúmas, e lagos com vitórias-régias.
São cerca de 5.000 habitantes: pescadores, agricultores e extrativistas.
A área contínua de floresta desapropriada pelo governo tem 10,2 mil hectares –10 mil campos de futebol — e fica entre os lagos do Puraquequara e Jatuarana, onde o governo quer construir estaleiros com benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus.
A Secretaria de Planejamento do Amazonas diz que as famílias serão notificadas após estudo fundiário da área e análise de impacto ambiental. Não há prazo para retirar e indenizar as famílias.
LITÍGIO NA MATA
A Folha visitou três comunidades ameaçadas: São Francisco do Mainã, Jatuarana e Bom Sucesso.
Moradores de São Francisco do Mainã, os irmãos Raimundo, 41, e Valdir Silva, 36, mapearam com GPS todo o seu território, que já era alvo de uma disputa de posse com o Exército antes mesmo das desapropriações do Estado.
“Os mapas confirmam a permanência da quinta geração da nossa famílias nesta terra”, disse Raimundo.
Com o litígio, a comunidade permanece sem luz, já que programas para o fim da exclusão elétrica não atingem áreas em conflito e sem o reconhecimento da posse.
Também sem energia elétrica, a comunidade do Lago do Jatuarana, com 25 famílias, recebeu com temor a notícia da desapropriação.
O presidente da comunidade, Doramir Viana da Cunha, 64, afirma que funcionários do governo passaram a plotar marcos para a construção do distrito naval “sem consultar ninguém”.
Ele tem título de terra de 1903. “Vamos brigar na Justiça para reverter essa desapropriação. A terra é nossa.” Com 40 famílias, a comunidade Bom Sucesso fica em cima de um barranco de 30 metros. O lugar tem vista privilegiada do Amazonas.
Francisco Soares, 82, presidente da comunidade, tem um título de terra de 1911, dos avós. “Para onde vamos? Nasci e me criei aqui, tenho fé em Deus de morrer aqui”, disse.
OUTRO LADO
O governo do Amazonas afirma que a área desapropriada para instalação do distrito industrial é formada por terras da União.
Títulos de posse privados, entre eles os de comunidades tradicionais, serão analisados, segundo o governo. Se a origem não for comprovada, as terras serão requeridas para desapropriação.
“Se não houve consulta prévia às comunidades tradicionais, foi para não gerar especulação imobiliária”, diz Airton Claudino, secretário de Planejamento.
Ele não soube informar quais comunidades serão retiradas da área. “Lamentavelmente alguém, com outros interesses, saiu fazendo terror pelas comunidades.”
O distrito naval inclui a construção de estaleiros, cidade operária, estradas e pista de pouso. Os negócios devem gerar 50 mil empregos em dez anos, estima a gestão.
Claudino diz que as comunidades tradicionais podem ser inseridas no projeto, produzindo alimentos ou como mão de obra. “Essa é a premissa do estudo fundiário.”
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Compartilhada por Mayron Borges.
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