Kátia Brasil, Amazônia Real
Ninawa Inu Huni Kui é um homem da floresta até no nome que recebeu, na língua Pano, dos avós. Ele nasceu em março de 1979 na aldeia Belo Monte, na Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, no município de Feijó, no Estado do Acre.
Seu nome indígena traduzido em português significa Ninawa – homem da floresta –, e Inu – filho de onça. O sobrenome Huni kuin quer dizer “homens verdadeiros” ou “gente com costumes conhecidos”.
Ninawa Inu, 35 anos, presidente da Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, conviveu por muitos anos com a insatisfação de não ter o nome e o sobrenome indígenas no Registro de Nascimento.
Quando seu pai foi registrá-lo no cartório da cidade, um padre que vivia na região mudou o nome do indígena para José Carmélio Alberto Nunes.
Em 2012, Ninawa Inu requereu a retificação do nome na língua portuguesa para o indígena no registro à Defensoria Pública Estadual. Ele aguardou dois anos por uma solução.
No último dia 11 de novembro, numa decisão inédita da Justiça do Acre, o juiz Marcelo Badaró Soares, da Vara de Registros Públicos do Fórum de Feijó, acatou o pedido do indígena.
José Carmélio Alberto Nunes deixou de existir. Passou a ser oficialmente Ninawa Inu Pereira Nunes Huni Kui.
O nome Pereira e Nunes são os sobrenomes, respectivamente, da parte da mãe, Maria Alberto, e do pai, Dionísio Cassimiro, ambos índios Kaninawá, que também foram registrados por padres católicos com nomes na língua portuguesa
Índios Kaxinawá pertencem ao tronco linguístico Pano. Eles se designam como nawa. Cada um dos nawa se autodenominam Huni Kui (ou Kaninawá). No Brasil, esses indígenas habitam a floresta amazônica no Estado do Acre, na área que compreende os rios Alto Juruá e Purus, e o Vale do Javari, no Amazonas. Nesta região vivem cerca de 10.400 índios Kaxinawá.
À agência Amazônia Real, Ninawa Huni Kui contou como enfrentou os obstáculos para ter reconhecido o nome indígena escolhido pelos seus avós Kaninawá na Certidão de Nascimento no relato abaixo:
“Sou filho de Huni kui. Minha mãe se chama Maria Alberto Pereira e meu pai, Dionísio Cassimiro Nunes. Os nomes deles foram dados por padres católicos. Quando meu pai foi me registrar, um padre na época colocou meu nome de José Carmélio Alberto Nunes. Não foi colocado nada do nome do meu povo.
Mas desde criança eu não gostava do nome José Carmélio. O nome que eu queria ser reconhecido era Ninawa Inu. Nome que meus avós me chamavam. Meus primos e outros povos indígenas também me chamam assim.
O meu nome Ninawa tem um significado: Ni, quer dizer homem, e nawa, floresta. Sou o homem da floresta.
Quando entrei para a militância do Movimento Indígena no Acre, expandi cada vez mais o meu nome Ninawa. Cheguei a certo momento de ter dificuldades de identificação.
Tenho o ensino médio completo e comecei duas faculdades, Administração e Gestão Ambiental, mas por conta das lutas do Movimento Indígena não pude concluir.
Sou casado com a afro-brasileira Aldenira de Souza Cunha. Tenho uma filha de 12 anos.
Sem conhecimento do direito no registro de nascimento, dei o nome para minha filha de Jamilly Katrinne. Mas ela tem o nome indígena, Shãkuãni, que significa “galho que nasce na emenda da árvore”.
Pela luta e defesa dos direitos indígenas do Acre e da floresta amazônica, viajei pelo Brasil e já estive em países como Bolívia, Peru, Estados Unidos, México, Espanha, Coréia do Sul e aí por diante. Meu passaporte tem o nome de José Carmélio Alberto Nunes.
Mas, pouquíssimas pessoas conheciam José Carmélio Alberto Nunes. Em algumas vezes nessas viagens passei despercebido…
Sempre tive muita vontade de ter meu verdadeiro no meu registro de nascimento. Algumas vezes procurei informação da Funai (Fundação Nacional do Índio) para fazer a mudança no registro. Me diziam que dava muito trabalho. Que seria impossível de retificar o registro de nascimento.
Até que veio a oportunidade na 144ª. Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Justiça em 2012. Essa reunião reforçou o direito dos povos indígenas interessado em acrescentar no Registro de Nascimento os nomes do indígena, da etnia como sobrenome, da aldeia de origem e a de seus pais, como informação a respeito das respectivas naturalidades, e o do município de nascimento. Dei entrada de um pedido de retificação no MPE (Ministério Público do Estado).
Em 30 dias veio a resposta indeferindo o pedido de acrescentar o meu nome e sobrenome indígenas no Registro de Nascimento.
Depois, dei entrada novamente no MPE com outro procurador, que fez um processo bem esclarecido. Em 15 dias chegou a resposta do promotor solicitando vários documentos da Secretaria de Justiça e Segurança, da Polícia Federal e outros órgãos de controle.
Demorou mais de nove meses para serem analisados. Por último, eles solicitaram o RANI (Registro Administrativo de Nascimento de Índio) da Funai.
Fui na Funai procurar o tal RANI. Tive uma grande dificuldade. Conversei com a servidora responsável sobre o assunto. Ela me disse que tinha dificuldade em expedir o documento porque não sabia o que poderia ser feito. Conclusão: foi negado o tal RANI pela Funai.
Então pensei em outra maneira. Fui até o juiz para que ele solicitasse o documento da Funai, que por sua vez, não negou para o Juiz de Direito, Marcelo Badaró Duarte. Não tive nenhuma audiência. Hoje sou Ninawa Inu Pereira Nunes Huni Kui. Essa é minha história”.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.