“Pedimos urgência em nossa segurança doutor, porque não sabemos se amanha estaremos aqui para fazer este pedido de novo. Vai que estejamos numa vala, num buraco, e ai como é que fica. Assim vivemos doutor, sem saber até quando vamos viver”. (15/10/2014: Fala de Daniel Vasques, liderança Kaiowa em reunião realizada em Brasília com Funai e Ministério da Justiça).
Matias Benno, Cimi Regional MS
O corpo da jovem liderança Kaiowá Marinalva Manoel, de apenas 27 anos, foi encontrado na manhã de sábado, dia 01 de novembro, às margens da rodovia BR-163, nas imediações de Dourados, Mato Grosso do Sul. A morte da jovem atribuiu peso de “destino premeditado” às palavras proferidas por Daniel Vasques a representantes da Funai e Ministério da Justiça em reunião realizada no último dia 15 de outubro em Brasília, ocasião em que Marinalva encontrava-se presente.
Importante liderança na luta pela demarcação da Terra Indígena de Ñu Verá e integrante do Grande Conselho Guarani-Kaiowáda Aty Guasu, a jovem compôs a comitiva que a cerca de 15 dias atrás esteve em Brasília para manifestar repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a anulação do processo de demarcação da Terra Indígena Guyraroká. Durante a semana que estiveram na Capital Federal, os indígenas denunciaram a relação diretamente proporcional que existe entre a tomada de posições que geram retrocessos aos direitos constitucionais dos povos indígenas nas esferas legislativa, executiva e judiciária e o aumento da violência direta e indireta praticada pelos fazendeiros contra as terras dos povos originários.
Morte brutal e nada casual
A brutalidade do assassinato deixou no corpo de Marinalva as marcas de 35 facadas que foram desferidas contra a indígena. Os golpes acertaram a jovem nas regiões do tórax, pescoço, rosto e mão esquerda. Estas últimas sugerem que a indígena tentou se defender do ataque. Uma vez que o corpo da indígena foi encontrado nu, seu cadáver foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (lML) com o intuito de que o órgão possa comprovar também se houve abuso sexual. O caso será investigado pela 2ª Delegacia de Polícia de Dourados.
O Conselho da Aty Guasu emitiu uma carta direcionada ao Ministério Publico Federal (MPF) em Dourados e à 6ª Câmara do MPF em Brasília informando da morte da liderança Kaiowá e cobrando providências imediatas em relação ao caso. As demandas sobre a segurança dos Guarani-Kaiowá já foram levadas de forma direta e por diversas vezes até o Ministério da Justiça, mas nenhuma medida foi tomada e os órgãos responsáveis continuam completamente omissos.
Segundo as lideranças da Aty Guasu, em inúmeras assembléias Marinalva, a respeito do que fazem também outros indígenas, vinha relatando o aumento das ameaças e das perseguições que sofria de fazendeiros locais e de pessoas contratadas por eles. Para as lideranças do Conselho, a morte da jovem não se trata, portanto, de um acidente ou uma casualidade, mas é o resultado do silêncio das autoridades em relação a uma morte muitas vezes anunciada.
Sem lugar nem para enterrar os mortos
A causa pela qual Marinalva lutou ao longo de sua vida foi sentida de maneira triste pelos parentes e amigos no momento de sua morte. Vivendo sem terra, a comunidade não tem cemitério tradicional, e o corpo da jovem, que deveria repousar junto à terra pela qual lutava, teve de ser enterrado numa área de banhado. Mal a cova foi aberta, a água tomou conta do leito de descanso improvisado para a jovem guerreira. Lágrimas de tristeza e indignação misturavam-se pelos rostos indígenas enquanto a terra ia cobrindo pouco a pouco o corpo.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) manifesta sua solidariedade com o povo Guarani-Kaiowá através da dor partilhada por seus missionários e missionárias com as famílias de Nu Verá. Reafirmamos também o compromisso na luta pela demarcação dos territórios indígenas e pelo acesso dos povos originários a uma vida digna dentro de seus costumes e tradições. Marinalva Manoel vive na luta da Aty Guasu e no caminhar incessante do povo Guarani-Kaiowá. Que seus filhos colham as sementes por ela plantadas em território de Ñu Verá.