São Francisco: Água em baixa eleva em 100% preço do surubim em um ano

Pescadores tentam manter a atividade em meio à estiagem severa
Pescadores tentam manter a atividade em meio à estiagem severa

Seca reduziu volume do Rio da Integração Nacional. Com hidrovia afetada, transporte por terra encarece produtos

Por Pedro Henrique Lobato, em EM

Ibiaí, São Francisco e Pintópolis – “A redução do volume d’água deixou o pescado mais caro da nascente à foz do São Francisco. O quilo do surubim, que eu vendia por R$ 15 nessa mesma época de 2013, agora eu negocio por R$ 30”, comparou o barranqueiro e pescador Ezequias Rodrigues, de 64 anos, e morador da cidade homônima ao Velho Chico, no Norte de Minas. O expressivo aumento no valor da espécie, também conhecida como pintado, é apenas um dos exemplos de como a seca alimenta a inflação nos municípios cortados pelo Rio da Integração Nacional.

Vale lembrar que o surubim, um dos símbolos do Velho Chico, é o peixe de água doce com o maior valor comercial no Brasil, pois sua carne, além da baixa quantidade de gordura, não tem espinhos intramusculares – o animal pode medir até 1,5 metro e pesar 70 quilos. A alta de 100% no preço da espécie superou o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, em mais de 10 vezes: de agosto de 2013 a julho de 2014, o indicador subiu 6,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E o que levou à escalada do valor do peixe?

Quem explica é o próprio Ezequias: “Moço, ele é um bicho de água profunda e o rio está raso. Então o surubim se esconde nas ‘gaiadas’ do fundo. Fica lá por muito tempo. Está difícil pegá-lo. Parece que a espécie está em extinção”. O pescador Edvaldo Alves da Silva, de 43, não pesca um pintado grande há dias. “Está difícil pegá-lo, como está complicado buscar outras espécies no fundo do rio”, disse o homem enquanto jogava, em vão, sua rede no leito.

A redução no volume do leito jogou o valor de outros peixes para cima, prejudicando não só a dona de casa quanto donos de restaurantes e bares. “Em apenas três meses, o quilo do dourado foi de R$ 12 para R$ 17 (alta de 41,6%). O do curumatã, passou de R$ 8 para R$ 10 (25%)”, reclamou Igna Pereira Souza, dona do restaurante Sabor de Minas, em Ibiaí. Desolada, ela não tem como repassar as diferenças à clientela.

Sem balsas

Montes de areia surgiram como formigas em potes de açúcar ao longo do São Francisco. Por mais que possa soar estranho, o assoreamento inflacionou o preço de mercadorias em cidades que dependem das balsas. É o caso da pacata Pintópolis, com cerca de 7,5 mil habitantes e à esquerda do leito. A economia do município é dependente do município de São Francisco, com aproximadamente 55 mil moradores e à direita do rio. A ligação entre ambas é feita por uma balsa, cuja travessia foi suspensa, em julho, em razão dos bancos de areia.

A embarcação ficou três semanas ancorada no precário porto. Resultado: os caminhões que saíram de São Francisco para abastecer Pintópolis precisaram dar uma volta de mais de 100 quilômetros, o que encareceu o frete e, consequentemente, o preço das mercadorias. O saco de cimento, considerado um dos termômetros da economia de qualquer país, ficou 8% mais caro de junho para julho. O percentual, embora pequeno, está acima da inflação no acumulado dos últimos 12 meses, encerrados em julho (6,55%).

Quem se deu mal com isso foi seu Francisco Barbosa, de 59. Ele está reformando sua casa em Pintópolis: “Comprei 28 sacos de 50 quilos cada. Portanto, paguei R$ 56 a mais do que pagaria se a balsa não ficasse parada. Daria para adquirir dois sacos pelo valor antigo e sobraria um trocado”. Pintópolis não sofreu apenas com a alta de preços: houve desabastecimento de produtos, como o pão, pois o trigo plantado do outro lado do rio não chegou nas padarias do lugarejo.

Tentativa

A balsa que faz a travessia por aquelas bandas só voltou a funcionar depois que a Prefeitura de São Francisco e de outras cidades vizinhas se uniram e dragaram parte dos bancos de areia. Mesmo assim, a embarcação precisou alterar a rota e reduzir o número de veículos transportados. Antes da estiagem, a balsa transportava quatro carretas carregadas; agora leva apenas duas. Resultado: uma longa fila de veículos se forma diariamente no porto. Ônibus atrasam as viagens, motoristas de carros pequenos se irritam e caminhoneiros perdem a paciência.

“Meu filho chegou no porto às 18h e só conseguiu fazer a travessia por volta da meia-noite”, conta Lúcia Zombrano, que logo acrescenta: “A travessia está dando dor de cabeça na gente”. Se continuar assim, possivelmente os comprimidos para curar as dores de cabeça serão os próximos vilões da inflação por aquelas bandas.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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