Série do Estado de Minas mostra drama nos municípios, com demissões em massa e perdas na economia
Paulo Henrique Lobato, enviado especial do EM
Três Marias (MG), Pirapora (MG) e Bom Jesus da Lapa (BA) – Os olhos de dona Alice Maria Santos marejam toda vez que ela vai à margem do Rio São Francisco medir o volume do leito: “Faço isso diariamente. Em janeiro último, as águas atingiram a marca de 5,74 metros dessa régua fixada na margem. Na quinta-feira passada, 41 centímetros. É estado de calamidade. Surgiram bancos de areia e rochas que eu nunca havia visto em meus 69 anos de idade”. A estiagem que castiga todo o país mudou a paisagem do Velho Chico, o maior curso d’água exclusivamente brasileiro, com 2,7 mil quilômetros de extensão e chamado desde a época do império de Rio da Integração Nacional por cortar cinco estados: Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Os ribeirinhos garantem que essa é a pior seca a castigar o Velho Chico nos últimos 100 anos. A nova paisagem não causa danos apenas ao meio ambiente. A economia nacional sofre com o leito baixo: empresários que dependem do São Francisco veem os negócios naufragar, investimentos privados foram suspensos e milhares de pessoas perderam o emprego. Esses são alguns dos temas da série “A sede do rio”, que o Estado de Minas publica a partir de hoje.
A estiagem afetou a pesca, a agricultura, a pecuária, o comércio, a prestação de serviços, o turismo e a indústria ao longo de todo o percurso. Nem empresas tradicionais escapam da escassez de água. A Icofort, a última grande empresa que explorava a hidrovia do Velho Chico, transportando caroços de algodão da represa de Sobradinho (BA) a Juazeiro (BA), suspendeu as atividades em julho. Resultado: a mercadoria passou a ser escoada por via terrestre, onerando o preço final em torno de 30% e aumentando o risco de acidentes nas estradas.
“Cinquenta pessoas foram demitidas”, lamentou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda. Mas ele destaca que o epicentro da crise está em Minas: “Da represa de Três Marias ao encontro do Velho Chico com o Rio das Velhas”. (Em Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma). O lago da represa está com menos de 10% da capacidade máxima, o que obrigou a Cemig a reduzir a vazão para 170 metros cúbicos por segundo. No início do ano, eram 500 metros cúbicos por segundo. A pouca água na represa, apelidada de Praia de Minas, afugentou os turistas.
Seu Nativo Barbosa de Lima, que deixou a Paraíba na década de 1970, atraído pela pujança econômica no entorno do lago de Três Marias, está angustiado: “Alugo a diária dessa lancha por R$ 200 para pescadores. Ela não entra na água há cinco meses. Perdi dinheiro e o rapaz que a pilotava ficou sem serviço”. No mesmo lugar, Maria das Dores de Lima, dona de um quiosque, precisou dispensar a ajudante: “Sem água, o turista não vem. Eu vendia 12 fardos de cerveja aos sábados. Hoje não saem nem dois”.
O vapor não viaja mais
O cenário é mais desolador em Pirapora, onde na semana passada a Marinha proibiu oficialmente o Benjamim Guimarães, o único vapor em atividade no mundo, de navegar até que o leito volte ao normal. Construído inicialmente para subir e descer o Mississipi (Estados Unidos), o gaiola atraía uma multidão de turistas à cidade. “O barco tem capacidade para levar 170 passageiros. Se chover, volta a funcionar em novembro. Do contrário, não sei”, disse o comandante, Manoel Mariano Cunha. A aflição dele e da tripulação é a mesma sentida por empresários do município.
Donos de hotéis viram o número de hóspedes cair e o proprietários de bares e restaurantes, sobretudo os que funcionam na orla, onde se concentra boa parte dos turistas, contabilizam expressiva queda no movimento. “Quando inaugurei o empreendimento, há menos de um ano, vendia cerca de R$ 2,5 mil por dia. Atualmente, não consigo R$ 300”, calculou José dos Reis, sócio do quiosque Tô a toa. A queda no turismo também afetou os negócios dos artesãos, que transformam troncos de sucupira, favela e imburana em carrancas e imagens de São Francisco, o santo que dá nome ao rio.
Antônio Ramos, um dos artesãos mais respeitados por aquelas bandas, apurou queda de 80% nos negócios. Suas peças, dependendo do tamanho, custam R$ 450. “Enquanto a seca persistir, os turistas não virão. É gente de Belo Horizonte, de outras partes de Minas, de fora do estado e do estrangeiro. Vamos torcer para chover”, deseja. Seu colega de oficina Wanderson Pereira é outro artesão que clama por chuva. “Eu vendia quase que diariamente pelo menos cinco carrancas pequenas, a R$ 20 cada. Agora, estou há uma semana sem negociar nenhuma.” –
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.