Por Najar Tubino
Da Carta Maior
A situação é crítica, tanto para o Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo e a capital, e recebe água do rio Tietê e do Piracicaba, como também do rio Paraíba do Sul, com um sistema de quatro represas, que abastece o Vale do Paraíba (SP), a região metropolitana do Rio de Janeiro e parte de Minas.
Juntos os dois sistemas abastecem quase 30 milhões de pessoas. No final de junho o Cantareira estava abaixo de 17% da sua capacidade, o Alto Tietê quase na mesma situação e as quatro represas que formam o sistema no Paraíba do Sul com 23%.
Paraibunas, a maior delas estava com 18%. Agosto e setembro no Sudeste são meses críticos em termos de chuvas. Coincide ainda com o pico da seca no cerrado, o que acaba formando um bloqueio atmosférico no país. Ou seja, o que está difícil, vai piorar. Quanto mais calor, maior a evaporação.
A Organização Metereológica Mundial prevê a formação do fenômeno El Niño para este ano ainda, o que aumenta o volume de chuvas no sul, mas não muda a situação no Sudeste. Ao contrário, a previsão é de aumentar a temperatura em 2 graus.
Esta é uma realidade que está na previsão dos pesquisadores do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da qual fazem parte vários pesquisadores brasileiros. Entre eles, José Marengo, do Centro de Pesquisa Metereológica do Brasil (CPTEC), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Num livro de 2007, ele já citava as dificuldades que o Brasil enfrentaria com o acirramento dos fenômenos El Niño – quando as águas do Oceano Pacífico esquentam na costa da América do Sul – ou La Niña, quando acontece o inverso. Na verdade os fenômenos atingem o Planeta:
“A mudança de posição das chuvas no Pacífico provoca alterações nas condições climáticas de várias regiões continentais ao redor do mundo, devido a grande quantidade de energia envolvida no processo de formação de chuva.
Grandes secas na Índia, no Nordeste do Brasil, na Austrália, Indonésia e África podem ser decorrentes do fenômeno, assim como algumas enchentes no Sul,e Sudeste do Brasil, no Peru, Equador e no meio-oeste dos Estados Unidos. Em algumas áreas, observam-se temperaturas mais elevadas que o normal, como é o caso das regiões Central e Sudeste do Brasil, durante a estação de inverno”.
Mudança catastrófica
O mais importante, ele cita o caso do rio Paraíba do Sul, que desde 1920 apresentam uma tendência de vazões negativas, segundo ele, “poderia apresentar um grande impacto na economia do Vale do Paraíba do Sul, pois as principais cidades do Vale utilizam a água deste rio para consumo, irrigação e atividade industrial, qualquer redução devido a alguma mudança do clima seria catastrófica”.
Mais importante, registra Marengo: “a estação chuvosa no período 1920-2000 não apresenta tendência negativa. Assim, é possível que as variações observadas na hidrologia do rio sejam provocadas pelo gerenciamento regional de água e causas relacionadas à atividade humana”.
Parte da água do rio Paraíba do Sul é desviada para o rio Guandu, para a Estação de Tratamento do mesmo nome e que abastece a Grande Rio. Mais impressionante ainda é a proposta do governo de São Paulo, de fazer uma transposição da represa de Jaguari, parte do sistema Paraíba do Sul, para a represa de Atibainha, em Nazaré Paulista, do Sistema Cantareira. A proposta está em análise na Agência Nacional de Águas e na Agência Nacional de Energia Elétrica.
Até setembro haverá uma decisão. A obra estava prevista para 2015 e não conta com a aprovação do governo do Rio de Janeiro. O rio Paraíba do Sul tem administração federal, o que não é o caso do Tietê e do Sistema Cantareira, que também envolve a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, de responsabilidade da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (SABESP).
Para encerrar o caso do rio Paraíba do Sul: no final de julho, Juares Domingues, do Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul, declarou que se não chovesse em 90 dias a represa de Jaguari estará com apenas 2% da sua capacidade em novembro.
E o rio Paraíba do Sul poderá ficar com uma vazão abaixo de 10%, algo pior do que ocorreu em novembro de 2003, quando atingiu 14,2%. A outorga, que é o licenciamento que o governo federal concede para exploração de rios e aquíferos, foi renovada pela SABESP em 2004. Entre as metas assumidas naquela data: reduzir a dependência do Sistema Cantareira, criando fontes alternativas; combater as grandes perdas de água e aumentar a coleta e o tratamento de esgoto.
Fuga de água
Ao pedir um novo aumento tarifário em março de 2014 para a Agência Reguladora de SP (ARSEP) a empresa se comprometeu mais uma vez a reduzir as perdas, também conhecidas por fugas d’água. Que de fuga não tem nada, trata-se da velha incompetência em gerir um sistema.
A meta acertada com a ARSEP em 2013, relativo ao ano de 2012 era diminuir de 32 para 30% as perdas. Para 2014 a ARSEP impôs uma meta de 29%. Nos dois primeiros meses de 2014, as queixas dos consumidores por problemas de vazamento na rede de água da capital aumentaram 89%.
Há dois a empresa, que tem ações na Bovespa e também na Bolsa de Nova Iorque – é uma companhia mista, onde o governo estadual detém 53% das ações e o resto está nas mãos de acionistas brasileiros e estrangeiros -, obteve um empréstimo da Agência Japonesa de Fomento no valor de US$440 milhões, justamente para reduzir as perdas de água, entre outros objetivos, como trocar hidrômetros e tubulações.
Aliás, 17% da rede da empresa na capital paulista têm mais de 40 anos e 34% entre 30 e 40 anos. A média brasileira de desperdício de água é de 38,8%. No Japão é 3%.
“Enfrentar de forma organizada”
Entretanto, mesmo enfrentando uma seca desde dezembro de 2013, atualmente captando água do “volume morto”, a empresa mantém a soberba, para não dizer um autoritarismo típico dos conservadores estadunidenses, que sempre negaram a existência de mudanças climáticas no planeta.
“São Paulo preferiu enfrentar de forma organizada a maior estiagem de sua história”, diz a empresa num comunicado público. Primeiro que isso não é verdade, segundo o Instituto de Astronomia e Geofísica, da USP. É a temporada com menos chuva desde 1969, é o 13º ano mais seco desde que as medições começaram em 1934 e o pior desde a criação do Sistema Cantareira, em 1973.
Os três mais secos em 81 anos foram: 1934, 1941 e 1964. O governo de São Paulo chegou a divulgar o estudo do professor Paulo Nakayama, da Escola Politécnica, da USP, dizendo que a próxima seca deste tipo só ocorreria em 3.378 anos, como se fosse possível fazer tal afirmativa. O próprio professor depois esclareceu que não era para se ater aos números, mas somente a severidade do evento.
Problema é muito mais grave
Só mesmo o autoritarismo conservador, às vésperas de uma eleição, pode querer tapar o sol com a peneira, como diz o ditado popular. Principalmente, se a empresa responsável pelo abastecimento de água distribuiu quase R$5 bilhões em dividendos entre os anos 2004 e 2013. Mas o problema é muito mais grave.
Como diz o professor Antônio Ruffo, chefe do departamento de recursos hídricos da UNICAMP, não existe nenhuma certeza de que as chuvas voltarão em outubro. Ao contrário, no ano passado choveu na metade de dezembro. Mais: precisaria uma chuva amazônica, em torno de 2000 mm, para repor o Sistema Cantareira, e os outros rios que fazem parte do abastecimento.
“Menos de 10% de capacidade no Sistema Cantareira é alarmante, pois seguimos em período de estiagem. E se em outubro e novembro não chover o esperado”, questiona o professor Marcelo Pompêo, do departamento de Ecologia, da USP.
Situação de anormalidade climática
Seria possível considerar essa possibilidade se estivéssemos numa “normalidade climática”. Porém, esta é uma palavra que precisa ser abolida do dicionário, quando se falar em clima. Vejamos os registros da Organização Metereológica Mundial divulgados no início de 2014, a respeito dos eventos climáticos extremos no planeta.
“São Paulo teve o janeiro mais quente desde 1943. Porto Alegre marcou a maior temperatura dos últimos 71 anos no verão – 40,5ºC, e a sensação térmica no Rio de Janeiro chegou a 57ºC. Janeiro foi o mês mais frio dos Estados Unidos, desde 1994. Por duas vezes algumas regiões foram atingidas pelo vórtice polar, massas de ar que eram circunscritas ao Ártico, que atingiram latitudes mais baixas.
Nova Iorque registro 38 graus negativos. A Califórnia enfrentou a maior seca em 100 anos, o número de incêndios chegou a 150, contra 24, no ano anterior. Roma teve uma das mais fortes nevascas desde 1980. O Reino Unido, entre dezembro de 2013 e fevereiro de 2014, sofreu inundações em cinco mil propriedades, destruição de ferrovias, e na região do rio Tamisa, em Londres, foi a maior enchente em 67 anos.”
Para completar: em julho de 2014, o Japão enfrentou uma onda de calor que matou 15 idosos em uma semana e outros 8,5 mil foram internados. Moscou, no dia 27 de julho, registrou 36,7 graus, seis acima da média.
Sem contar o fundamental em toda esta história: as margens dos rios foram destruídas, a urbanização detonou áreas de reservas onde estão localizadas as nascentes dos rios. O avanço da agricultura atingiu grande parte das bacias hidrográficas dos rios mais importantes do país, principalmente no Sul, Sudeste e no Centro-Oeste.
A ECOA, uma organização social com sede em Campo Grande, divulgou o resultado de um projeto que percorreu os rios pantaneiros durante dois anos. A situação é crítica: assoreamento, alteração dos ciclos hidrológicos, com cheias menores, águas que sobem rápido e fortes, córregos e baías que estão secando.
As temperaturas têm subido em todas as regiões; aumento de queimadas e maior período de estiagem, para resumir o trabalho que é muito detalhado e envolveu três mil pessoas.