Isabela Vieira – Repórter da Agência Brasil
A Copa do Mundo colocou em campo o time do trabalho infantil em Salvador, uma das cidades-sede do evento. Durante o torneio, centenas de crianças e adolescentes foram flagrados vendendo alimentos ou catando latas, práticas listadas entre as piores formas da trabalho infantil. A constatação é do levantamento preliminar do governo do estado da Bahia e do Ministério do Trabalho e Emprego que avalia cerca de 1 mil abordagens feitas durante o Mundial. Do total, cerca de 400 atendimentos foram relativos a jovens trabalhando.
De acordo com os dados do Observatório de Violações de Direitos de Crianças e Adolescentes (OVDCA) do governo do estado da Bahia, responsável por consolidar as estatísticas entre o primeiro e o último jogo, das ocorrências de abordagens de trabalho infantil, cerca de 500 estavam ligada diretamente à Copa e ocorreram dentro ou no entorno da Arena Fonte Nova ou da Fan Fest, explicou a coordenadora do observatório, Sandla Wilma de Barrros Santos. A maioria dos casos era de venda de alimentos, de coleta de latas de alumínio e venda de queijo na brasa em praias.
O levantamento, que compila dados de atendimentos feitos por uma rede composta por dez instituições, também identificou dois casos de exploração sexual e um de tráfico de pessoas. Porém, segundo a coordenadora do observatório, foram episódios desvinculados da Copa.
Em todo o Brasil, as denúncias de violações aos direitos de crianças e adolescentes aumentaram 15,6% durante a Copa do Mundo (12 de junho a 13 de julho deste ano) na comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados são do Disque 100 e foram divulgados ontem (31) pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República. Durante a Copa do Mundo, foram feitas 11.251 denúncias de abusos contra crianças e adolescentes e, durante da Copa das Confederações, em 2013, 9.730.
Segundo Sandla, o trabalho infantil pode trazer risco à saúde e à integridade física das crianças. “Dependendo da atividade, esses meninos desenvolvem problemas físicos. Catando latinha, por exemplo, pegam peso acima de suas capacidades e isso vai trazer futuros problemas de saúde. Quando chegam na fase adulta, estão com problemas crônicos de coluna que, provavelmente, não desenvolveriam”, disse. “Há também a perda da infância porque estão trabalhando em vez de fazer atividades apropriadas a idade e que muitas crianças de classe média, com mais oportunidade, têm”, reforça.
Na Fifa Fan Fest, tradicional ponto de encontro de torcedores e de retransmissão de jogos, no Farol da Barra, o Ministério do Trabalho e Emprego flagrou duas meninas e dois jovens trabalhando na preparação de acarajé, churrasquinho, fazendo carga e descarga de material e emitiu Termo de Afastamento do Trabalho. No entanto, segundo a coordenadora do projeto de Combate ao Trabalho Infantil do MTE em Salvador, Maria Teresa Calabrich, a maior parte dos casos de trabalho infantil durante a Copa, eram de crianças acompanhadas dos pais.
“Dos cerca de 386 casos, mais de 98% são de crianças trabalhando como ambulantes, sozinhas ou com parentes, catando latinha ou outro material reciclável, por exemplo. Trabalhando em uma relação de emprego, com a figura do empregador [patrão] que não é parente, nem pai, nem mãe, nem nada, neste tipo de relação, só detectamos sete casos”, esclareceu a auditora-fiscal. Segundo ela, as abordagens do MTE foram realizadas em parceria com a rede de assistência social que orientou as famílias e atendeu as crianças que estavam sozinhas.
Para a coordenadora do projeto de combate ao trabalho infantil, a decisão do Poder Público de fechar as escolas e creches durante o Mundial foi um erro. “Se as escolas estivessem abertas, essas crianças teriam um compromisso. Poderíamos, também, por exemplo, no âmbito da escola, fazer a exibição do jogo, tratar a Copa como atividade lúdica e conseguir diminuir o número de crianças em situação de trabalho nas ruas”, acrescentou.
O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan integrou a rede de proteção à infância na Copa. Na avaliação do coordenador-geral da organização, Waldemar de Oliveira, os grandes eventos não são a causa do trabalho infantil. Para ele, a prática apenas se intensifica nessas circunstâncias.
“Evidentemente que esses meninos que estão vendendo cerveja, queijo e churrasco na rua, na praia, hoje, são os mesmos que vendem no jogo de Bahia e Vitória, no Fonte Nova”, disse. “O correto é fazer a abordagem dessas famílias e insistir nisso [prevenção] e não ter que abordar de novo, no carnaval de 2015. Em vez de ação pontual, tem que ser sistemática”, reforçou. Oliveira acredita que ações na mídia em todas as épocas do ano têm grande impacto no público.
Procurada pela Agência Brasil, a prefeitura de Salvador disse que as ações de prevenção são rotina, mas reconheceu que são insuficientes. “É difícil, a gente combate incessantemente, mas não tem alternativa além de campanhas e abrigamento [para os jovens que estão trabalhando sozinhos]”, disse o secretário municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza, Henrique Gonçalves Trindade. “Os pais insistem em deixar as crianças na rua na expectativa do aumento de renda, seja catando latinha ou como ambulante”, completou.
Segundo o Promenino Fundação Telefônica, organização que atua no combate ao trabalho infantil, nos últimos cinco anos, cerca de 12 mil acidentes de trabalho foram registrados com crianças e adolescentes. Foram contabilizadas 110 mortes. Quem identificar crianças trabalhando deve procurar imediatamente o Conselho Tutelar mais próximo ou ligar para o Disque 100. A ligação é gratuita.
Edição: Lílian Beraldo.