No MAB
No dia seguinte à mudança para a casa nova, Nalda teve uma desagradável surpresa: um cano estourou e a água começou a inundar o chão da cozinha. A mulher já havia deixado sua casa de palafita há mais de um mês por causa das fortes cheias deste ano e lutava junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pelo direito de ser reassentada logo. “Mamãe, será que vai alagar aqui também?”, perguntou sua filha.
Canos estourando, infiltração, mofo no teto, mau-cheiro vindo do ralo, irregularidade no fornecimento de água, janelas que não travam… os problemas das casas construídas pela Norte Energia para abrigar os atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira já estão aparecendo – e a mudança das famílias não está nem na metade!
No plantão de atendimento instalado pela empresa dentro do reassentamento, são mais de dez reclamações do tipo por dia. Mas o número de famílias já reassentadas ainda não chega a 200. A previsão da Norte Energia é realocar 4.100 famílias em quatro áreas na periferia de Altamira. Foram cadastradas, no entanto, 7.790 familias. Ou seja, nem todas terão direito ao reassentamento. E as lutas do 14 de Março serviram para denunciar que muitas ficaram de fora do cadastro pelos critérios da empresa e também por “erros” de seus funcionários.
Além dos problemas nas estruturas das casas, há outras questões atormentando os novos moradores. Chiquinho reclama que lhe prometeram um pedaço de terreno do lado de sua casa para que ele pudesse instalar seu estúdio de tatuagem. Chegando lá, descobriu que os funcionários da empresa haviam prometido o mesmo local para outros pequenos comerciantes. Depois, ouviu que esses locais serão para empresas maiores, como grandes supermercados da cidade, e que os atingidos que quiserem prosseguir com seus negócios dentro do reassentamento terão que fazer puxadinhos na frente dos terrenos ou estruturas nos fundos.
Quando apresentou o projeto dos reassentamentos, ainda em 2013, representantes da Norte Energia afirmaram que iam “esperar a demanda” para decidir sobre a construção de escolas e postos de saúde nas áreas. No momento, um postinho improvisado funciona em uma das casas-padrão de moradia (há um único modelo de casa no reassentamento, de 63 m²). Já para estudar, as crianças têm que pegar um ônibus que sai muito cedo e volta muito tarde para o local e ir para as escolas onde estudavam anteriormente, a uma distância de até 6 km.
Outro problema comum diz respeito à transição econômica para o local. Muitos atingidos, em especial as mulheres, tinham trabalhos informais e que dependiam dos antigos vínculos comunitários. São costureiras, manicures, cabeleireiras, revendedoras de cosméticos… A empresa não está reconhecendo a perda temporária desses trabalhos e muitas pessoas estão ficando injustamente sem direito à verba de manutenção.
“Esses são problemas que já vínhamos denunciando que aconteceriam aqui em Belo Monte, porque é a mesma história que se repete em todas as barragens do Brasil”, afirma Edizângela, atingida e militante do MAB. “Antes, disseram que Belo Monte seria diferente, mas agora o povo está vendo que a situação aqui é até pior e está despertando para a luta.”