Desde de 2008, órgão tem atuado nas esferas cível e criminal para garantir a punição de agentes da repressão, o direito de reparação das vítimas e o acesso à memória e à verdade
Procuradoria Geral da República
Em 14 de maio de 2008, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra dois ex-comandantes do Destacamento de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do 2º Exército, em São Paulo. Na ação, o MPF pedia que os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel fossem responsabilizados civilmente por graves violações de direitos humanos ocorridas entre os anos de 1970 e 1976 no Doi-Codi, onde aconteceram mortes e desaparecimentos que marcaram a história do país, como a do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho. A ação civil pública é um marco na atuação do órgão sobre o tema da justiça de transição, que trabalha sobre os princípios da verdade, justiça e reparação para alcançar o acesso a informações, a responsabilização de violadores de direitos humanos e a reparação das vítimas. Desde 1999, o MPF já acompanhava a identificação dos restos mortais de vítimas da repressão localizados em uma vala clandestina no cemitério de Perus, em São Paulo.
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) analisou o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, que tratava da responsabilização do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas resultante de operações do Exército para erradicar a Guerrilha do Araguaia. Entre outros pontos, a sentença determinou ao estado brasileiro a condução eficaz da investigação penal para esclarecer os fatos ocorridos durante a ditadura, para definir as correspondentes responsabilidades penais e para impor efetivamente as sanções penais cabíveis. Em 2011, foi criado, no âmbito da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (criminal e controle externo da atividade policial), o Grupo de Trabalho Justiça de Transição (GTJT), com o objetivo de fornecer apoio jurídico e operacional aos procuradores da República para investigar e processar casos de graves violações a DH cometidas durante o regime militar e buscar fomentar ambiente propício para a reflexão sobre o tema e para a tomada de posições institucionais sobre a questão.
Como resultado desta atuação, foram ajuizadas até o momento oito denúncias contra agentes da repressão. Destas, sete denúncias foram apresentadas à Justiça Federal por crimes de desaparecimento forçado (sequestro) e de ocultação de cadáver, que são permanentes, ou seja, tiveram início no momento em que ocorreram e não cessaram até hoje. Por isso, não foram alcançados pela Lei de Anistia, nem lhes resulta aplicável a prescrição. A oitava se refere a crimes de homicídio, associação criminosa e transporte de explosivos no Riocentro, praticados após a vigência da Lei de Anistia. O MPF entende que a prescrição não incide, porque são crimes contra a humanidade, e que há obrigatoriedade de cumprimento da decisão da Corte IDH.
Em 2009, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão criou o Grupo de Trabalho Memória e Verdade, da PFDC. O GT tem atuado para garantir o acesso a informações sobre a localização de restos mortais de desaparecidos, inclusive àquelas mantidas sob sigilo público ou privado. Também trabalha pela responsabilização civil de perpetradores de graves violações aos direitos humanos; reparação coletiva e imaterial de danos; e reforma dos aparatos de segurança. Dentro desse grupo, há um procurador da República nomeado para acompanhar as atividades do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), instituído para buscar os restos mortais dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia e composto por representantes do Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos e Ministério da Defesa. O acompanhamento das expedições de busca por parte do MPF tem resultado em recomendações aos ministros responsáveis para aperfeiçoar os mecanismos de buscas. Também como resultado, conseguiu-se incluir na equipe do GTA uma perita arqueóloga para acompanhar expedições.
Uma das linhas de atuação do GT Memória e Verdade incentiva o tombamento histórico de edifícios onde funcionaram órgãos da repressão como forma de incentivar a preservação da memória. Busca, também, a alteração de nomes de logradouros públicos que fazem homenagem a agentes da repressão. É o caso da Ponte Rio-Niterói, que oficialmente tem o nome de Costa e Silva, ex-presidente responsável pela assinatura do AI-5.
Também com apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, membros do MPF que atuam no Rio Grande do Sul participaram da exumação das ossadas do ex-presidente João Goulart, realizada em novembro de 2013 no município de São Borja. A exumação foi realizada como parte dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e pela Comissão Nacional da Verdade, mas converge com as fases de investigação do inquérito civil instaurado pelo MPF/RS em 2007 e que tem como objetivo apontar a suposta substância química que teria causado o envenenamento do ex-presidente e atestar a existência de uma lista de pessoas que estariam marcadas para serem assassinadas pelas ditaduras do Cone Sul.
O MPF, por meio da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, ainda realiza o projeto Brasil Nunca Mais Digital. O site reúne cópias de 710 processos judiciais que tramitaram no Superior Tribunal Militar entre 1979 e 1982, movidos contra presos políticos e tem se constituído em importante fonte de pesquisa e consulta para os interessados no tema.
As violações de direitos humanos cometidas contra populações indígenas também são objeto de investigação do MPF. Recentemente, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (populações indígenas e comunidades tradicionais) instaurou um grupo de trabalho para estabelecer a verdade e trazer o conhecimento dos fatos ocorridos durante a ditadura para a sociedade. Atualmente, está disponibilizado no site da 6ª Câmara o material trabalhado pelos membros do GT e pelos procuradores atuantes nos estados onde as violações foram cometidas. Um desses documentos é o relatório Figueiredo, elaborado pelo procurador do Ministério do Interior Jader de Figueiredo Correia que, entre os anos de 1967 e 1968, apurou denúncias de crimes cometidos contra populações indígenas no período do regime militar. O relatório ficou desaparecido por 45 anos e foi encontrado em 2013 no Museu do Índio do Rio de Janeiro. Em 2014, o GT vai atuar na apuração das violações aos direitos do Povo Waimiri-Atroari em razão da construção da BR-174, no Amazonas, vai analisar as atividades desenvolvidas durante o funcionamento do “Reformatório Krenak”, na Região Sudeste, vai apurar as atividades da “Guarda Rural Indígena – GRI”, em Minas Gerais, e também as violações aos direitos do Povo Guarani em razão da construção da Hidrelétrica de Itaipu, no Oeste do Paraná.