No Brasil, fontes oficiais estimam que uma mulher seja agredida a cada 15 segundos; 243 por hora. De janeiro a dezembro de 2012, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) processou 732.468 registros, num total de 3.058.392 atendimentos. Destes, 88.685 são casos de violência – dez a cada hora. Metade se refere a risco de morte, 39% a espancamentos e 2% a estupros.
Apesar dos números em progressão – as queixas formalizadas através do Ligue 180 registraram aumento de 1.600% entre 2006 e 2012 e os relatos de violência cresceram 700% no mesmo período -, os esforços do governo para descortinar e acabar com a saga da violência doméstica no Brasil ainda esbarram no fato de que em apenas 4% dos casos as vítimas ou pessoas que convivem com elas procuram o serviço de proteção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM-PR). Num país onde quatro em cada dez admitem ter sofrido algum tipo de agressão física, segundo pesquisa realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, a maioria ainda prefere se calar.
Marleine Cohen – Valor
Medo do agressor, vergonha, culpa: por mais que a Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, tenha aberto caminho para ajudar as vítimas a quebrar o silêncio, o fato é que o Brasil ainda ostenta a sétima posição no ranking mundial de maior número de homicídios de mulheres.
“As conquistas são recentes. A violência homem-mulher decorre do aprendizado incorporado de que ela é um ser inferior. Só agora ela está se tornando um sujeito de direitos e opções, capaz de direcionar a própria vida”, diz Valéria Fernandes Diez Scarance, promotora de Justiça e fundadora do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica).
Aos sentimentos clássicos que blindam a violência, considerando que, em 89% dos casos, o agressor é companheiro da vítima ou teve algum tipo de vínculo afetivo com ela, Valéria ainda acrescenta a dependência econômica e emocional e, mais que tudo, “a crença da mulher na mudança do parceiro, que, via de regra, prima por ser um bom cidadão com bons antecedentes”. “Pesquisas mostram que este tipo de relação atravessa fases cíclicas: inicialmente, há uma tensão entre o casal. Ele aumenta a voz e se torna agressivo, o que culmina com a explosão, seja em forma de espancamento, estupro e até homicídio. A este momento segue-se outro, de lua de mel, durante o qual ele adota um outro tipo de comportamento e promete mudar”, explica a promotora, lembrando que a violência é causada por um padrão comportamental passado de pai para filho. “Esta é a forma de amor que os meninos e as meninas aprenderam em casa”.
Consequência direta deste modelo, que, segundo Valéria, deve ser igualmente desconstruído nos currículos escolares, “o homem não se enxerga como agressor e a mulher, por sua vez, consegue dissociar o sofrimento da lembrança da violência”, depurando-a do risco que embute.
É por este motivo que a iniciativa do governo alcança um sucesso apenas parcial, destaca Sérgio Flávio Barbosa, coordenador do programa de responsabilização de homens autores de violência contra a mulher do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, ONG surgida no início dos anos 80 em São Paulo. “Todos os esforços se concentram na mulher. A política falha ao deixar de lado o atendimento aos homens”, diz ele, lembrando que “a vítima que denuncia acaba sendo abandonada por um agressor que vai perpetuar o ciclo de violência em outra relação”.
Barbosa sustenta que é preciso haver “vontade política” para que cada indiciado seja encaminhado a um centro de responsabilização, onde, “durante seis meses, ele vai aprender a ressignificar seu comportamento machista sob acompanhamento de um técnico”. A metodologia, implantada há sete anos pela ONG, resultou em apenas três reincidências num total de 158 agressores atendidos, diz o coordenador.
Para Fábia Lopes, diretora de Enfrentamento da Violência de Gênero da Secretaria da Mulher de Pernambuco, um dos Estados da federação onde o machismo é tradicionalmente mais arraigado, a erradicação deste grave problema social passa pela divulgação das suas consequências: “Lembrar que a violência contra a mulher é crime e dá cadeia permite conscientizar os homens”, advoga Fábia, lançando mão dos resultados de pesquisas realizadas em 2009 e 2011 pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Avon – um dos grandes fomentadores da causa no Brasil –, segundo as quais 98% da população já ouviu falar da Lei Maria da Penha. “Agora, o desafio é popularizar os benefícios que ela garante às mulheres em situação de violência doméstica e familiar e os mecanismos de punição aos agressores”.
Em Pernambuco, onde a população feminina conta com 10 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), seis Varas de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, 14 Centros de Referência Especializados no Atendimento à Mulher em Situação de Violência e um Núcleo de Apoio à Mulher no Ministério Público, entre outros, notou-se, segundo Fábia, uma redução de 24% no número de mulheres assassinadas, que passou de 276 em 2011 para 210 em 2012. Em comparação com 2006, o recuo é ainda mais expressivo: 34,3%, segundo dados da Secretaria de Defesa Social do Governo de Pernambuco.
São resultados como esses que levam a ministra Eleonora Menicucci, da SPM-PR, e empresas da iniciativa privada a apostar todas as suas fichas na articulação de campanhas e políticas públicas para promover a erradicação da violência patriarcal no Brasil.
O Instituto Avon, por sua vez, redobrou suas ações transformadoras e, além da campanha “Fale sem Medo – Não à violência doméstica”, por meio da qual busca lançar luz sobre a violência doméstica, ampliando o entendimento da questão, ainda participa da rede de enfrentamento gerando conhecimento através de pesquisas e coloca à venda produtos como pulseiras, gargantilhas e anéis “da Atitude”.
Segundo Fábia Lopes, já é possível identificar avanços: “Na pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, 86% dos homens concordaram com a frase ‘Quem ama, não bate'”.