A presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD-TO), enfrenta uma rebelião no Congresso Nacional liderada por deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agricultura, a FPA, representação que faz o lobby dos ruralistas em Brasília
Caio Junqueira – Valor
A queixa é quanto ao adesismo de Kátia ao governo da presidente Dilma Rousseff. O que, na visão da FPA, tem prejudicado o avanço das reivindicações do setor no Legislativo e no Executivo. Diante disso, os parlamentares passaram a buscar apoio das federações estaduais de agricultura e a pensar em montar uma chapa de oposição a Kátia nas próximas eleições da CNA, em setembro de 2014.
As referências feitas ao governismo de Kátia são diversas. Algumas são consideradas simbólicas, como o fato de ela ter empregado Juliano Hoffmann, irmão da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Veterinário, ele é gerente de projetos no Instituto CNA, órgão responsável por elaborar estudos e pesquisas ligados ao agronegócio. Outro exemplo, seria a distribuição de calendários da CNA, pelo país, com uma foto dela ao lado de Dilma.
A insatisfação maior, porém, é com o que os parlamentares apontam como falta de envolvimento nos principais embates do setor no Congresso. Acusam-na de ter chegado tardiamente no debate sobre o Código Florestal e de ter se afastado neste ano das discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 215, que dá ao Congresso direito de definir as terras indígenas.
“Não vemos uma posição definitiva e direta dela sobre diversos assuntos. Ela faz mais um trabalho diplomático do que de enfrentamento dos problemas. Mistura a atividade política com a corporativa”, disse Valdir Colatto (PMDB-SC), integrante da FPA. “O clima entre FPA e a CNA não está bom. O pessoal sente que ela está muito governista e não participando dos embates com a gente. Ela poderia ser mais presente, até pelo prestígio que tem com a presidente”, disse Moreira Mendes (PSD-RO), que já presidiu a FPA.
O tensionamento chegou a tal ponto que algumas pequenas retaliações começam a ocorrer. No Senado, Blairo Maggi (PR-MT) apresentou uma PEC que, na prática, acaba com a contribuição sindical compulsória, que sustenta todo o sistema CNA. Na Câmara, a Comissão de Agricultura aprovou uma Proposta de Fiscalização e Controle para investigar o repasse de verba federal ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Estado de Rondônia e à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Rondônia, comandada por um aliado de Kátia.
Alguns parlamentares já comentam a possibilidade de a FPA se articular com federações estaduais contrárias a Kátia para lançar uma candidatura contra ela na eleição da CNA, prevista para setembro de 2014. “Quando há um desconforto, sempre há possibilidade de uma alternativa”, disse Colatto.
O colégio eleitoral da CNA é composto pelos presidentes das 26 federações de agricultura estaduais mais a do Distrito Federal. Kátia tem domínio quase pleno sobre as federações das regiões Norte e Nordeste, com base, segundo fontes, em empréstimos aprovados pela diretoria da CNA. Os focos de maior rejeição se concentram no Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo e, em menor grau, no Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Mas é difícil achar algum dirigente que critique abertamente a senadora.
Um episódio recente ajudou a acirrar os ânimos. No dia 14 de junho, os produtores rurais, estimulados pelas federações e pela FPA, decidiram fazer uma paralisação nacional no país para chamar a atenção para o conflito aberto que têm com os índios e a Funai, responsável pela demarcação de terras indígenas. A ideia era interditar as rodovias, mas a CNA defendeu manifestações à margem das rodovias, sem interdição, conforme defendia o Palácio do Planalto.
É nesse conflito entre a atividade política e a corporativa que reside a maior parte das críticas à senadora, que entra agora na reta final para decidir se deixa ou não seu partido rumo ao PMDB. A migração ganhou força após as manifestações de junho e a retomada da possibilidade de o PSD não apoiar a reeleição de Dilma em 2014. A cúpula do PMDB considera haver chances reais de atraí-la. Para tanto, falta uma costura com o PMDB de Tocantins, onde o ex-governador Marcelo Miranda tem interesse em disputar o governo, mas possui problemas na Justiça. Kátia seria candidata a governadora ou à reeleição no Senado.
Na FPA, há quem veja a ligação dela com a presidente como um ativo em potencial para beneficiar o setor – contanto que os ajustes sejam feitos. É com esse objetivo que nos próximos dias parlamentares tentarão reaproximar as duas entidades. Há uma avaliação de que um núcleo duro na FPA é mais radical e ativo, mas não necessariamente representa o pensamento da totalidade de seus 214 deputados e 14 senadores. Nesse sentido, atribuem o embate muito mais ao fato de Kátia estar próxima a uma presidente do PT do que sua atuação em si na CNA.
Também há a avaliação de que o setor, em conflito interno, tem como maior prejudicado o próprio setor. “Não é o momento de nos dividirmos. O jogo não é esse. É burrice esse enfrentamento. Críticas podem existir, mas devem permanecer interna corporis”, disse o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado. O presidente em exercício da FPA, Luis Carlos Heinze (PP-RS), vai no mesmo sentido. “Temos que alinhar algumas ações, sim, mas não entrar em disputa. A FPA tem que agregar as instituições, não dividir. Temos que juntar nossas forças. Nossa bandeira é a agricultura.” Procurada, a senadora Kátia Abreu não quis falar com o Valor.