MPF quer garantir direito de comunidade quilombola no Sul Fluminense

Recursos pedem prosseguimento de processos que desapropriam proprietários privados na região

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal (MPF) em Resende (RJ) recorreu de 12 sentenças da Justiça Federal que extinguiram ações de desapropriação ajuizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2012 para garantir o direito à terra tradicional à comunidade quilombola de Santana, localizada no município de Quatis, no Sul Fluminense. Nas sentenças recorridas, a 1ª Vara Federal de Resende declarou inconstitucional o Decreto nº 4887-2003, que embasou as ações movidas pelo Incra para assegurar os direitos dos remanescentes de quilombos, extinguindo 12 processos de desapropriação que tramitavam na Justiça Federal em Resende.

Nos recursos apresentados pelas procuradoras da República Luciana Gadelha e Izabella Brant, o MPF também pede a imediata suspensão da decisão da Justiça Federal, com objetivo de assegurar o prosseguimento dos processos de desapropriação em primeira instância. Segundo as procuradoras, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o direito dos remanescentes das comunidades de quilombos às suas terras tradicionalmente ocupadas. Porém, passadas mais de duas décadas da promulgação da Constituição, o Estado brasileiro ainda se encontra em dívida com essa população.

“Acaso confirmadas as sentenças proferidas pelo magistrado, estarão sendo gravemente atingidos direitos fundamentais da referida comunidade, que depende de seu território não só para viver seus costumes e tradições, mas também para assegurar a sua própria subsistência e a continuidade do grupo. Da mesma forma, estarão sendo atingidos interesses coletivos de toda a população brasileira, diante da perda de valiosa parte do patrimônio cultural do país”, afirmam as procuradoras da República Luciana Portal Gadelha e Izabella Brant.

Entenda mais o caso – A Fundação Cultural Palmares emitiu em 2000 um título de Reconhecimento de Domínio em favor dos remanescentes do Quilombo de Santana. No entanto, o título não foi registrado no cartório de imóveis de Quatis, devido a dúvidas levantadas em virtude da existência de outros títulos registrados na área de terra do quilombo. De acordo com os processos movidos pelo Incra, o agravamento dos conflitos se deu por conta desses outros títulos de propriedade registrados na área, que é reconhecida como pertencente aos quilombolas de Santana. Para o MPF, a desapropriação e indenização a proprietários privados minimiza os conflitos.

A comunidade tem seu território em uma antiga fazenda movida pela mão de obra dos escravos pertencentes ao Barão Cajuru. Após o fim da escravidão, a família do Barão doou em 1903 um pedaço de terra para cada escravo. Os quilombolas de Santana apresentam em sua memória social tradições culturais, presentes no jongo e na prática da medicina alternativa. O jongo é uma dança ritualística que vem do tempo dos escravos, sendo realizada em torno de uma fogueira, seguida de cantorias e do som dos tambores. No território quilombola há ainda sítios históricos, que são reveladores da antiguidade de seu povoamento e da utilização da mão de obra escrava na fazenda que existia ali, a exemplo de ruínas do casarão, sede da fazenda do Barão do Cajuru e da capela de Santana, construída no ano de 1867.

Em vistoria realizada pelo MPF, constatou-se que a comunidade vive em situação de extrema pobreza, em moradias precárias, sem condições de subsistência. Diante da pressão pela ocupação da terra pelos fazendeiros vizinhos, restaram apenas pequenas áreas de relevo íngreme para a comunidade, não sendo adequadas à atividade agrícola, tradicionalmente desenvolvida. A nascente, que sempre foi utilizada para abastecimento de água da população, foi cercada por um dos fazendeiros vizinhos e, segundo relatado, sofre contaminação pela circulação de gado no seu entorno.

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